Avizinhando-se o final do ano letivo, a educadora Filomena faz um balanço geral do que foi vivido na sua sala durante o ano. Foi um ano bastante exigente. Sente que passou demasiado tempo a gerir o comportamento de algumas crianças, particularmente em determinados momentos do dia, como por exemplo, na transição da brincadeira livre para o almoço. Agora, pergunta-se se poderia ter feito alguma coisa para prevenir alguns dos comportamentos desafiantes das crianças…

Na minha última mensagem, partilhei um conjunto de estratégias que os/as profissionais de educação de infância podem adotar para lidar com os comportamentos desafiantes das crianças. Salvaguardei, no entanto, que qualquer atuação implica a conjugação destas estratégias com a adoção intencional de práticas preventivas e universais (i.e., dirigidas a todas as crianças da sala). Neste sentido, e dando continuidade à mensagem anterior, exploro, agora, um conjunto de práticas preventivas recomendadas na literatura.

Mais vale prevenir que remediar

Contrariando uma visão mais tradicional, de resposta apenas quando os problemas surgem, julgo que estamos de acordo que prevenir compensa! Muito pode ser feito para prevenir a ocorrência de muitos dos comportamentos desafiantes e aumentar a probabilidade de as crianças adotarem comportamentos pró-sociais. Neste âmbito, a forma como se organiza o ambiente de aprendizagem e se ensinam explicitamente as regras de comportamento desempenham um papel fundamental.

1. Organizar o ambiente de aprendizagem

O arranjo físico da sala e os materiais disponíveis são algumas das variáveis do ambiente de aprendizagem que podem afetar o comportamento das crianças e as interações entre pares. Assim, os/as profissionais podem prevenir a ocorrência de comportamentos desafiantes e promover o comportamento pró-social e o envolvimento das crianças nas atividades:

  • definindo de forma clara os limites de cada área de interesse/aprendizagem;
  • separando as áreas para brincadeiras ativas das áreas para brincadeiras calmas;
  • evitando a sobrelotação do espaço de forma a que a movimentação na sala não interfira nas atividades;
  • e incluindo materiais diversificados, significativos e em número suficiente para o tamanho do grupo em cada área de interesse/aprendizagem [1].

Um horário consistente e previsível relativamente à sequência dos acontecimentos diários, que inclui de forma equilibrada atividades em pequeno grupo e grande grupo, atividades ativas e calmas, assim como atividades livres e dirigidas pelos/as profissionais, também pode potenciar a probabilidade de as crianças adotarem comportamentos adequados [1, 2].

Sendo a transição entre atividades ou rotinas um dos momentos em que se verifica um aumento da probabilidade de ocorrência de comportamentos desafiantes, é recomendado que o tempo de espera seja reduzido e que as crianças saibam o que fazer nestes momentos. As transições podem também ser facilitadas, utilizando-se pistas visuais (ex., um cartaz com imagens ou fotos das próprias crianças, ilustrando a sequência das atividades e rotinas ao longo do dia) e verbais (ex., aviso 5 minutos antes da transição acontecer; uma canção familiar como alerta e preparação para o momento da transição) [2, 3].

2. Definir e explicitar o que se espera do comportamento das crianças

A existência de regras constitui uma ferramenta de suporte à aprendizagem de comportamentos adequados ao contexto de aprendizagem. Tendo em conta as expectativas comportamentais da sala e os comportamentos desafiantes que surgem habitualmente no grupo de crianças, recomenda-se a formulação clara, simples e positiva de 3 a 6 regras de comportamento, idealmente com a participação das crianças. Após a sua análise, é importante que os comportamentos associados a cada regra sejam modelados e que os adultos sejam coerentes na vivência das regras que explicitam. As regras devem estar expostas de forma visível (associar a cada regra uma imagem das crianças a demonstrar o comportamento desejado) e ser revisitadas regularmente com as crianças, particularmente antes dos momentos em que há maior probabilidade de ocorrência de comportamentos desafiantes. Importa não esquecer a necessidade de reforçar positivamente e de forma específica as crianças que estejam a demonstrar o(s) comportamento(s) adequado(s) (ex., “Maria, gostei muito da forma como partilhaste os legos com o Manuel.”) de forma a aumentar a probabilidade desse(s) comportamento(s)  se repetir(em) [1, 2, 4].

Qual o papel das relações entre os/as profissionais e as crianças?

O sucesso de qualquer abordagem de atuação a nível da gestão de comportamentos desafiantes das crianças depende, inevitavelmente, de uma condição básica: a existência de uma relação positiva e de confiança entre os adultos e as crianças, caracterizada por interações calorosas, sensíveis e responsivas ao humor e às necessidades de cada criança [1, 6]. Em vários estudos tem sido documentado que as crianças que experienciam interações positivas com os adultos têm maior probabilidade de demonstrarem mais competências sociais e menos problemas de comportamento [5]. Neste sentido, criar um ambiente de aprendizagem onde todas as crianças se sentem confortáveis, bem-vindas e seguras deve ser uma prioridade!

Para refletir…

O que costuma fazer de forma intencional e sistemática para prevenir a ocorrência de comportamentos desafiantes por parte das crianças da sua sala? Deixo a seguir algumas questões para reflexão:

  • Na sua sala há pistas visuais para prevenir os comportamentos desafiantes, como, por exemplo, imagens que indicam onde as crianças se devem sentar no momento de grande grupo ou símbolos que representam o número máximo de crianças por cantinho?
  • Consegue monitorizar facilmente todas as crianças em qualquer lugar da sala?
  • Na sua sala existem 3-6 regras de comportamento formuladas de forma simples e pela positiva? As regras estão ilustradas e afixadas ao nível do olhar das crianças?

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Referências

[1] Powell, D., Dunlap, G., & Fox, L. (2006). Prevention and intervention for the challenging behaviors of toddlers and preschoolers. Infant & Young Children, 19(1), 25-35.

[2] Hancok, C. L., & Carter, D. R. (2016). Building environments that encourage positive behavior: The preschool behavior support self-assessment. Young Children, 71(1), 66-73.

[3] Hemmeter, M. L., Ostrosky, M. M., Artman, K., & Kinder, K. (2008). Moving right along… planning transitions to prevent challenging behavior. Young Children, 63(3), 1-7.

[4] Coleman, J. C., Crosby, M. G., Irwin, H. K., Dennis, L. R., Simpson, C. G., & Rose, C. A. (2013). Preventing challenging behaviors in preschool: Effective strategies for classroom teachers. Young Exceptional Children, 16(3), 3-10.

[5] Dunlap, G., Wilson, K., Strain, P., & Lee, J. (2013). Prevent-teach-reinforce for young children: The early childhood model of individualized positive behavior support. Baltimore, MD: Brookes.

 [6] Hemmeter, M. L., Ostrosky, M., & Corso, R. M. (2012). Preventing and addressing challenging behavior: Common questions and practical strategies. Young Exceptional Children15(2), 32-46.

À beira de um ataque de nervos? Mais vale prevenir que remediar os comportamentos desafiantes das crianças

Carla Peixoto

Licenciada e doutorada em Psicologia pela Universidade do Porto, com especialidade em psicologia da educação pela Ordem dos Psicólogos Portugueses. Docente no Instituto Universitário da Maia (ISMAI) e investigadora no inED - Centro de Investigação e Inovação em Educação da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto. Tem como principais interesses de intervenção e de investigação as questões relacionadas com a literacia emergente, a aprendizagem socioemocional e a qualidade dos principais contextos de desenvolvimento dos indivíduos.

2 comentários sobre “À beira de um ataque de nervos? Mais vale prevenir que remediar os comportamentos desafiantes das crianças

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