Envolvimento de grupo

No regresso a casa, a Ana reflete sobre o dia na sala Amarela. Tinha ficado entusiasmada com a possibilidade de ler aquele livro ao grupo mas, ainda a história ia a meio, e já tinha “perdido os miúdos”: uns mexiam-se constantemente e olhavam para o cantinho das construções ou das ciências (os mais populares!), outros bocejavam com um olhar vazio, outros atropelavam-se para ver quem se sentava perto da Ana, mas já sem a ouvir… Teve que terminar mais rapidamente do que previa. Não estava a funcionar! E não era a primeira vez que acontecia. Algo tinha que mudar…

As observações e reflexões da Ana sinalizaram um problema: uma atividade importante na qual o grupo não conseguia manter-se envolvido. O envolvimento do grupo, principalmente em contexto de creche, é um excelente indicador da adequação das atividades e até mesmo da qualidade do ambiente geral [1, 2, 4].

O que é estar envolvido?

Estar envolvido é fazer algo adequado para a situação, tendo em conta o nível de desenvolvimento: é conversar com os adultos ou com as outras crianças, é prestar atenção, é construir algo, é fazer de conta, é correr e saltar… Por outro lado, estar não-envolvido é não ter nada para fazer, é olhar no vazio, é destruir material, é agredir, etc.

Se, numa atividade ou rotina, todas as crianças estão envolvidas, então, muito provavelmente, a atividade é adequada ao nível de desenvolvimento das crianças e está alinhada com os seus interesses. Quando a percentagem de crianças envolvidas diminui, ou seja, quando o envolvimento de grupo reduz, muito provavelmente, é necessário repensar os materiais utilizados, a organização do grupo, as expectativas em relação ao comportamento das crianças, etc. Foi precisamente isso que a Ana fez.

A reflexão da Ana teve consequências:

Começou a ler livros um pouco mais curtos (afinal, as crianças tinham dois anos de idade!), escolhidos em conjunto com as crianças. Iria introduzir livros mais complexos e aquelas histórias que adorava mais lentamente.

Começou a ler livros a grupos pequenos de crianças e a ler individualmente com as crianças que se dispersavam mais.

Começou a usar mais gestos e a ter à mão imagens e materiais relacionados com o tema do livro, para captar a atenção das crianças com quem lia.

Organizou a sala de forma a que as crianças que se cansavam pudessem começar outra atividade, sem perturbar.

Como avaliar o envolvimento do grupo?

Avaliar o envolvimento de grupo é muito simples: basta observar o número de crianças não-envolvidas no decurso de uma atividade. Os investigadores observam a percentagem de crianças não envolvidas com muita frequência (por exemplo, de 15 em 15 segundos [3]). Contudo, um/a profissional de educação de infância pode fazer observações e registos com a frequência que for adequada à atividade e aos seus objetivos. O importante é saber que quanto menos crianças estiverem não-envolvidas, melhor. De facto, o envolvimento de grupo tende a ser menor nas salas de creche com menor qualidade em termos de interações, materiais, atividades, supervisão, etc. [1, 2]. Assim, o envolvimento de grupo pode dar pistas sobre as atividades ou rotinas que merecem ser repensadas [2].

Para refletir

Costuma avaliar o envolvimento das crianças do seu grupo? É fácil distinguir envolvimento e não-envolvimento? De que forma utiliza essa informação para tomar decisões sobre a sua prática? Partilhe as suas perspetivas e experiências!

Referências

[1] Barros, S. (2007). A qualidade em contexto de creche: Ideias e práticas. Dissertação de Doutoramento, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto. Disponível em: https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/19498/2/29580.pdf

[2] Hooper, A., & Hallam, R. (2017) Exploring the Relationship Between Global Quality and Group Engagement in Toddler Child Care Classrooms, Journal of Research in Childhood Education, 31:2, 215-226. doi: 10.1080/02568543.2016.1273287

[3] McWilliam, R. A. (1999). Engagement Check II. Chapel Hill, NC: University of North Carolina, FPG Child Development Institute. Disponível em:http://eieio.ua.edu/uploads/1/1/0/1/110192129/engagement_check_ii_coding_sheet_english.pdf

[4] Mascarenhas, M. P., Pinto. A. I., & Bairrão J. (2004). Registo do Envolvimento de Grupo. In C. Machado, L. Almeida, M. Gonçalves, & V. Ramalho (Coord.), X Conferência Internacional. Avaliação Psicológica: Formas e Contextos -Vol. X. Actas (pp. 208-215). Braga: Psiquilíbrios Edições Disponível em https://www.researchgate.net/publication/261707202_Registo_do_Envolvimento_de_Grupo_Engagement_Check_II

Estarão as crianças envolvidas? Observar para adequar

Cecília Aguiar

Professora Associada no ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, na área de Psicologia. Os principais interesses de investigação incluem a qualidade em contexto de creche e jardim de infância, a intervenção precoce na infância e o desenvolvimento social das crianças. Apaixonada por literatura infantil.

5 comentários sobre “Estarão as crianças envolvidas? Observar para adequar

  • 18/09/2019 at 21:18
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    Publicação muito pertinente.
    Em sala costumo recorrer à escala de envolvimento da criança, baseada nas “SICs” – Self-evaluation Instrument for Care Settings.
    Apesar de ser uma excelente ferramenta, principalmente na valência de creche, com os desafios inerentes à gestão do tempo/rotinas/grupo não recorro à mesma de forma tão consistente como gostaria… Obrigada por me relembrar da sua importância!

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  • 04/05/2022 at 01:07
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    Após ter lido o texto, “Estarão as crianças envolvidas? observar para adequar “-posso concluir que o “sucesso da atividade”, pode-se verificar pelo nº de crianças envolvidas e quanto maior for o numero, mais motivadora foi a atividade, mais interesse despertou no grupo, mas o que foi motivador para o grupo ,pode não ser para outro, dependendo assim de vários fatores como por ex. a idade da criança. o nº de crianças por grupo, a estratégia utilizada,…
    O que podemos aproveitar para refletir e concluir que é preciso observar, planear para adequar e dar asas à nossa imaginação,(educador), ser criativo; por vezes não é um livro com muitas imagens, ou com efeitos, pode simplesmente ser 2 ou 3 imagens num pau de espetada, ou um fantoche confecionado na escola com material reciclado, fazer diferentes vozes… que vai despertar atenção da criança, e por isso envolver maior nº de envolvidos. Esta é muitas vezes a minha estratégia e como tenho observado bons resultados, utilizo . Ao contar histórias digo, hoje vou contar uma história do “meu computador”(apontando para a minha cabeça),agora ,por vezes, já me pedem “pf. conta uma história do teu computador”,, ,uma criança de 3 anos ,um dia disse-me “Pf. és tão engraçada!!” e deu uma gargalhada….O importante é acriança poder ter oportunidades, identificar-se ,poder imitar, poder divertir-se…em suma brincar e ser feliz.

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  • 22/10/2022 at 21:37
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    Observar o que nos rodeia, neste caso, o envolvimento das nossas crianças nos diferentes momentos, é, acima de tudo, respeitá-las.
    Cada grupo é um grupo, cada criança é uma criança, com interesses, ritmos e contextos diferentes.
    Cabe-nos, enquanto profissionais, estarmos atentos, percebermos o valor e o papel da criança em todo o processo, envolver.
    Permitir que as metas a alcançar se façam por meio de processos ajustados a cada situação específica.
    Um desafio diário, muito exigente, mas muito gratificante.

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    • 22/03/2023 at 15:46
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      Tenho por hábito fazer um registo de sucesso/ insucesso das minhas atividades, quando não o faço por escrito faço pelo menos mentalmente, permitindo-me perceber as falhas. Esse dito sucesso /insucesso, é nada mais que o envolvimento e nao envolvimento. Visto que as mesmas estratégias não resultam da mesma forma em grupos diferentes, é-me muito mais fácil neste momento do ano letivo, organizar atividades que sejam muito mais envolventes, pois conhecer os grupos, é um importante ponto que nos facilita este dito envolvimento.
      Por mais que possamos ler livros, procurar atividades novas e aparentemente espetaculares, se não lhes dermos o “toque” que se adequa a cada grupo/turma a que nos dirigimos, o nivel de envolvimento das crianças pode variar imenso. A percentagem de envolvimento em cada atividade, penso ser um ponto que preocupa qualquer educador que se preze!

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  • 24/03/2023 at 12:16
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    Observar e estar atento na recolha da informação e o ponto de partida.
    O registo da observação vai permitir nos contextualizar o que observamos . ex ( fotografias, vídeos , expressões, atitudes e comentários ).
    Estas ferramentas permitem-nos refletir acerca do sucesso /insucesso da nossa escolha fase comportamento e envolvimento das crianças.
    Perante as situações teremos que tomar iniciativas, utilizar métodos alternativos se necessário
    adequando-as ao grupo de maneira a conseguir-mos esse envolvimento empenho e interesse.
    Qualidade , inclusão e diversidade são pontos considerar

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