Uma das coisas que me deixam de coração cheio é ouvir o riso de crianças.   

Rir, saltar de alegria, falar energicamente, sorrir, cantar, ter um olhar atento, de quem está a captar o mundo todo, são alguns dos sinais que traduzem o bem-estar emocional das crianças e que esperamos encontrar nos contextos de educação de infância.

A importância do bem-estar emocional das crianças

Podemos definir bem-estar emocional como um estado mental particular em que a criança se sente confortável, transparece tranquilidade, demonstra espontaneidade, vitalidade, autoconfiança e desfruta da presença e das interações com outras pessoas [1, 2]. Os níveis de bem-estar emocional são indicadores do desenvolvimento socioemocional e da saúde mental da criança [1, 2].

O bem-estar emocional está relacionado com a situação, espelhando em que medida a criança tem as competências necessárias para lidar com aquele ambiente de forma satisfatória e, também, em que medida as suas diversas necessidades estão a ser satisfeitas (e.g., físicas, de ternura, afeto, segurança, de reconhecimento social, de se sentir competente) [1]. Também pode ser visto como um indicador da qualidade do contexto. Num estudo realizado em Portugal, verificou-se que os/as bebés revelavam maior bem-estar em berçários que implementavam mais práticas promotoras de uma boa transição para a creche [3]. Num estudo com 853 educadores/as de creche, sobre os efeitos da pandemia COVID-19, foram relatados elevados níveis de bem-estar das crianças nas suas salas, embora cerca de 29% das/os educadores/as considerassem que o bem-estar das crianças nas creches pode ter diminuído durante a pandemia [4]. O bem-estar das crianças tendia a ser mais positivo quando os/as educadores/as também relatavam um reforço na qualidade das suas práticas pedagógicas.

Como observar o bem-estar emocional das crianças em creche e jardim de infância?

Para perceber como as crianças se sentem estão na creche/JI, é essencial tentar adotar a sua perspetiva [1, 2, 5]. Para isso é importante parar, escutar, olhar verdadeiramente cada uma das crianças:

  • Como se estará a sentir?
  • O que revela a sua expressão facial?
  • O que revela o tom da sua voz?
  • Parece entusiasmada? Concentrada? Alegre?
  • Está “como peixe na água”?

Há instrumentos que podem apoiar uma observação do bem-estar da(s) criança(s) mais fundamentada e sistemática, como a Escala de Bem-estar de Leuven [2].

E quando se observam sinais de baixos níveis de bem-estar, o que fazer?

Nós não estamos sempre alegres e felizes, sendo essencial que a criança aprenda a compreender e a lidar com a tristeza, a raiva e a frustração. Porém, se são essas as emoções que prevalecem ao longo de um dia inteiro, e durante vários dias, os alarmes devem soar.

No início do ano letivo, é mais comum haver sinais de desconforto, mas eles vão diminuindo ao longo das primeiras semanas [3]. Quando há crianças que passam muito tempo a chorar, que demoram muito tempo a recuperar das situações mais desafiantes, que passam muito tempo isoladas, com olhar vago, ou se parecem sempre tristes, se se tentam magoar ou magoar os outros frequentemente, poderemos estar perante um quadro inquietante e que pode ter consequências para o  desenvolvimento socioemocional e/ou a saúde mental.

Então, algumas reflexões emergem:

– O que se pode alterar no ambiente educativo – espaços, materiais, atividades e rotinas, organização do tempo – para que as crianças estejam mais felizes e mais envolvidas?

– O que se pode melhorar na forma como adultos e crianças se relacionam entre si?

– O que se pode fazer para promover um clima emocional (mais) positivo no grupo?

– Como se pode proporcionar suporte emocional a cada uma das crianças, para que todas possam aprender a lidar melhor com as suas emoções, assim como com as diversas pessoas e com o seu contexto?

– Numa investigação realizada na Suécia, com crianças dos 3 aos 5 anos e seus/suas educadores/as, verificou-se que os/as profissionais dirigiam o seu riso quase três vezes mais frequentemente a outros adultos do que às crianças [6]. Como poderá cada adulto criar – e aproveitar melhor – oportunidades para partilha de emoções com as crianças e para rir mais com elas?

Deixo aqui mais perguntas do que respostas, na certeza de que as/os educadoras/es e assistentes encontrarão estratégias para fazer a criança (mais) feliz na creche e no JI, em consonância com as OCEPE e os documentos orientadores da educação em creche. As interações sensíveis, empáticas, calorosas e individualizadas são um bom ponto de partida [1, 3, 5].

E, já agora, o que fez hoje pelo seu próprio bem-estar emocional?

Referências

[1] Laevers, F., & Declercq, B. (2018). How well‐being and involvement fit into the commitment to children’s rights. European Journal of Education Research, Development and Policy, 53, 325–335. https://doi.org/10.1111/ejed.12286

[2] Laevers, L., Daems, M., De Bruyckere, G., Declercq, B., Moons, J., Silkens, K., Snoeck, G. & Van Kessel, M. (2005). SICS (ZIKO). Well-being and involvement in care. A process-oriented self-evaluation instrument for care settings. Brussel: Kind & Gezin. Disponível em https://expertisecentrum.cego.be/resources/?lang=en

[3] Peixoto, C., Barros, S., Coelho, V., Cadima, J., Pinto, A. I., & Pessanha, M. (2017). Transição para a creche e bem-estar emocional dos bebês em Portugal (Transition to daycare and emotional well-being of babies in Portugal). Psicologia Escolar e Educacional, 21(3), 427-436. https://dx.doi.org/10.1590/2175-35392017021311168

[4] Araújo, S. B., Barros, S., Silva, A., & Rosário, R. (2021). Covid-19 pandemic and educational services for children ages 0-3 in Portugal: health measures, pedagogical practices and well-being. The Social Observatory. Available at https://oobservatoriosocial.fundacaolacaixa.pt/en/-/covid-19-pandemic-and-educational-services-for-children-ages-0-3-in-portugal-health-measures-pedagogical-practices-and-well-being

[5] Kalliala, M. (2011). Look at me! Does the adult truly see and respond to the child in Finnish day-care centres?. European Early Childhood Education Research Journal, 19(2), 237–253. https://doi.org/10.1080/1350293X.2011.574411

[6] Cekaite, A., & Andrén, M. (2019). Children’s laughter and emotion sharing with peers and adults in preschool. Frontiers in Psychology, 10, 852. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2019.00852

Vamos (re)começar? O foco no bem-estar emocional das crianças em creche e em jardim de infância

Sílvia Barros

É professora na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto, na área de Psicologia. Tem doutoramento em Psicologia pela Universidade do Porto. Os seus principais interesses de investigação incluem: qualidade dos contextos de educação e cuidados, interações adulto-criança, envolvimento das crianças, formação de profissionais de educação de infância.

2 comentários sobre “Vamos (re)começar? O foco no bem-estar emocional das crianças em creche e em jardim de infância

  • 24/05/2022 at 16:42
    Permalink

    O tema abordado neste artigo é de extrema relevância para a promoção de um bom desenvolvimento e bem-estar da criança. A passagem do ambiente familiar para a creche / JI representa uma grande mudança, tanto para a criança como para a própria dinâmica e sistema familiar. Desta forma, enquanto pais, educadores e psicólogos, devemos ter um papel ativo e, colaborativamente, proporcionar uma transição o mais natural e o menos stressante possível.
    A promoção do bem-estar das crianças deverá ser um objetivo comum a todos os que com elas interagem e assumem um papel ativo na promoção do seu desenvolvimento e educação. Como o artigo sublinha, a observação dos sinais de bem-estar na criança permite compreender como é que a criança experiencia uma determinada situação, ao invés de existir uma maior preocupação no resultado que se pretende atingir.
    No artigo, a autora Sílvia Barros (2021) sugere algumas questões que nos permitem avaliar o bem-estar através da observação direta, o que possibilita a avaliação da criança no seu meio natural com a menor interferência possível. Para a promoção do bem-estar da criança, deve-se ter em conta a importância do trabalho em equipa entre pais, psicólogos e educadores e como a harmonia entre estes três elementos do sistema poderão beneficiar o seu desenvolvimento. É também fundamental apoiar e respeitar as decisões tomadas pela família bem como o seu timing ao longo processo, devendo o profissional contribuir para o melhor apoio à criança e sua família – deverá ser o profissional a adaptar-se e potenciar as forças do sistema e não o sistema a adaptar-se ao profissional – desta forma, como a investigação demonstra, a parceria e colaboração potenciarão o bem-estar de todos.
    Enquanto futuras psicólogas, é fulcral a identificação de fatores de risco (tal como referido no artigo) bem como os fatores de proteção da criança que são essenciais para poderemos fazer uma intervenção eficaz e adequada às particularidades de cada criança e família.
    Mariana Meireles, 26720 | Leonor Oliveira, 26725 | Marta Teixeira, 26495 com Ana Teresa Brito, Maio de 2022, ISPA – Instituto Universitário, Mestrado Integrado em Psicologia Clínica, Unidade Curricular de Intervenção Precoce.

    Responder

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *