Este texto tem como objetivo discutir o lugar das crianças pequenas e, especificamente da Educação de Infância nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) definidos em 2015 pelas Nações Unidas. Podemos pensar esta relação em dois eixos:

  1. como é que o investimento na educação de infância e no desenvolvimento e aprendizagem das crianças pequenas se traduz, por si só, num ODS; e,
  2. o que se pode fazer no contexto educativo para sensibilizar as gerações futuras para os ODS.

Neste texto irei debruçar-me sobre o primeiro ponto e, numa próxima mensagem, discutiremos o segundo.

Os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) que estiveram em vigor entre 2000 e 2015 foram muito importantes para a agenda de ação prevista até 2030. Para a infância, os ODM consideravam apenas indicadores para a mortalidade infantil e para a mortalidade materna que, embora importantes, são insuficientes para garantir o bem-estar futuro de crianças e famílias. Por um lado, não é possível que ocorram avanços no desenvolvimento sustentável nas próximas décadas sem que múltiplas gerações contribuam para esse propósito. Por outro, para além da sobrevivência, as crianças têm o direito a prosperar, desenvolver todo o seu potencial e a viver num mundo sustentável [1].

Relação entre o desenvolvimento na infância e o desenvolvimento sustentável.

A saúde, a aprendizagem e o comportamento das crianças durante os primeiros anos são a base para aumentar, por um lado, a probabilidade de sucesso escolar e, por outro, a sua capacidade para participar na comunidade e na sociedade. Além disso, o crescimento e o desenvolvimento das crianças pequenas são profundamente influenciados pelas oportunidades de aprendizagem, educação, recursos económicos e interações proporcionados por adultos – quer se encontrem esses adultos em casa, em serviços ou noutros contextos da comunidade.

Alguns dos campos que mais têm contribuído para estas evidências são as neurociências, a psicologia, a sociologia, a antropologia, entre outros. As neurociências têm ilustrado como é que a arquitetura do cérebro se desenvolve nos primeiros anos de vida através de um processo que é extremamente sensível à influência externa. As experiências em casa, noutros ambientes de cuidado, como as creches e os jardins de infância, ou nas comunidades, interagem com os genes influenciando o desenvolvimento da arquitetura do cérebro, estabelecendo uma base importante para o futuro.

A psicologia, estuda e discute como é que as crianças desenvolvem um conjunto de competências, incluindo cognitivas (linguagem, alfabetização, matemática), socio-emocionais (empatia, comportamento pró-social), persistência, atenção, autorregulação e as funções executivas (controlo voluntário da atenção e do comportamento) [2,3,4].

A sociologia e a antropologia mostram o papel que o contexto e a cultura podem desempenhar no desenvolvimento infantil. A economia ilustra como é que este investimento se traduz em maior retorno e menor gasto no combate a doenças e criminalidade [5,6].

Todas estas evidências têm contribuído para que mais de 65 nações tenham desenvolvido, nos últimos 15 anos, políticas abrangentes para a infância. Portugal, por exemplo, aprovou a universalidade da educação pré-escolar para as crianças de 3, 4 e 5 anos até 2019.

Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e Educação de Infância. Que relação?

Atualmente, existem dados que suportam os benefícios de investir na educação de infância e é reconhecida a sua relação com o desenvolvimento sustentável, uma vez que não beneficia apenas crianças, mas também sociedades. Idealmente, este investimento na educação de infância traduzir-se-á em crianças melhor educadas, mais saudáveis e num futuro próspero e pacífico [7].

A meta 4.2 que está no objetivo 4 – Garantir uma educação inclusiva e equitativa de qualidade e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos – afirma que até 2030 todas as crianças deverão ter acesso a programas de educação de infância de qualidade antes do início da aprendizagem formal. Mais especificamente, a meta 4.2 especifica dois indicadores [8]:

  1. A proporção de crianças com menos de 5 anos, que se estão a desenvolver de acordo com o esperado para a idade em termos de saúde, aprendizagem e bem-estar psicossocial;
  2. A percentagem de crianças que frequentam programas de educação de infância no ano anterior à educação formal.

Para quem desejar aprofundar os ODS, existe um curso online gratuito e legendado em Português, disponibilizado pela SGD Academy (iniciativa da UN Sustainable Development Solutions Network) sobre este tema: ‘The Best Start in Life: Early Childhood Development for Sustainable Development’.

Para refletirmos

O acesso a educação de infância é muito importante, mas não é suficiente, importa que exista uma educação de infância de qualidade e inclusiva. Como pensa que se podem articular o desenvolvimento infantil, a educação de infância e o desenvolvimento sustentável na promoção de ambientes educativos inclusivos? Que aspetos do desenvolvimento sustentável fazem parte das suas intenções educativas?

Partilhe connosco as suas reflexões.

Referências

*Foto da Matthew Henry retirada de BURST.

[1] Chan, M. (2013). Linking child survival and child development for health, equity and sustainable development. The Lancet.381, 1514-1515.

[2] Harvard Center on the Developing Child (2007). The science of early childhood development: Closing the gap between what we know and what we do. Cambridge

[3] Duncan, G. J., Dowsett, C. J., Claessens, A., Magnuson, K., Huston, A. C., Klebanov, P., … & Japel, C. (2007). School readiness and later achievement. Developmental psychology, 43, 1428.

[4] Alves Martins, M., & Niza, I. (2007). Psicologia da aprendizagem da linguagem escrita. Lisboa: Universidade Aberta.

[5] Young, M.E. (2014). Addressing and Mitigating Vulnerability across the Life Cycle: The Case for Investing in Early Childhood. United Nations Development Programme, Human Development Report Office, Occasional Papers Series.

[6] Heckman, J. J. (2006). Skill formation and the economics of investing in disadvantaged children. Science, 312, 1900-1902.

[7] Consultative Group on Early Childhood Care and Development (2012). Placing early childhood on the global agenda. Toronto: Ryerson University.

[8] https://sustainabledevelopment.un.org/sdgs

[9] Dahlberg, G., Moss, P. & Pence, A. (2002). Qualidade na educação da primeira infância: perspectivas pós-modernas. Porto Alegre: Artmed

A educação de infância e os objetivos de desenvolvimento sustentável

Tiago Almeida

Licenciado, Mestre e Doutorado em Psicologia Educacional. Atualmente é Professor Adjunto na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Lisboa. Tem como interesses o brincar de crianças pequenas com e sem incapacidade e o estudo da genealogia das representações de criança e infância. Adora ler romances russos nos intervalos de longas pedaladas de BTT.

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