O brincar de crianças pequenas tem sido alvo do interesse de investigadores/as de várias áreas do saber [1,2]. O que é brincar e como é que este aparece associado ao desenvolvimento de competências – por exemplo, sociais e emocionais – e ao bem-estar geral de crianças pequenas são questões que ocupam os/as profissionais/as e investigadores/as. Neste texto, pretendo refletir como o brincar pode ser uma oportunidade de inclusão e como os/as educadores/as podem potenciar este processo.

O que é brincar?

Analisando a sua origem etimológica, brincar é uma palavra sem equivalente direto em outras línguas europeias. A sua etimologia não deriva do latim jocus (jogar) como no italiano, espanhol ou francês, mas sim do protogermânico blinken [3]. De certo modo, existe uma exclusividade desta palavra na língua portuguesa, que na sua origem expressava, brilhar, pular, entreter-se.
Retendo esta última ideia, brincar pode ser entendido, entre outras definições possíveis, como “o direito da criança se entreter livremente”, assumindo-se como um tempo de escolha próprio cujo propósito é o brincar em si mesmo [5].

Como pode uma criança brincar?

O que uma criança faz para se entreter é uma escolha construída com os outros, numa determinada relação com a cultura que a rodeia [6]. Seja na forma como descobre e inventa novas maneiras de brincar, seja aprendendo com outros, vai-se consciencializando que o pode fazer sozinha ou com pares e adultos.
Nesta co-construção da cultura lúdica infantil [6] está incluída toda a arte de saber brincar, com os seus ritmos, turnos de interação e regras. Ser capaz de partilhar esta cultura lúdica com os pares é uma poderosa forma de inclusão, uma vez que permite circular por todos os tipos de brincar através de uma negociação entre os seus interesses e os interesses dos outros. Assim, o brincar pode ser [7]:

  • Solitário: a criança brinca sozinha com materiais ou ações escolhidas livremente;
  • Paralelo: a criança brinca perto de um par, mas com pouca ou nenhuma interação com os pares;
  • Associativo: a criança brinca com um/a colega de forma desorganizada. Há algumas iniciações, respostas e partilha de brinquedos e materiais. Não são atribuídos papeis ou um tema de brincadeira específico;
  • Colaborativo: as crianças brincam com pares e adultos de forma conjunta e colaborativa, partilhando tarefas e materiais.

Todas estas formas de brincar são desejáveis, mas o brincar social está associado a mais interações sociais positivas e prazerosas e é um momento importante para o desenvolvimento de competências sociais e emocionais.

No entanto, algumas crianças enfrentam dificuldades quando tentam brincar com os pares e a sua persistência na utilização de estratégias inapropriadas de iniciação e manutenção [8] da brincadeira pode comprometer a sua inclusão no grupo [9]. Embora não existam estratégias universais, é possível encontrar algumas que têm sido consistentemente associadas a ambientes inclusivos.

O que é que se pode fazer para potenciar a brincadeira entre pares?

O que a investigação tem sugerido é que mais do que invadir o brincar das crianças com sugestões de atividades, brinquedos e/ou materiais, o/a educador/a pode [10]:

  • organizar os espaços (interior e exterior) valorizando a participação das crianças na sua construção e organização, tendo em consideração a sua sustentabilidade e o seu potencial inclusivo;
  • disponibilizar recursos acessíveis, facilmente transportáveis, presentes em quantidade e qualidade e com vários usos possíveis (por exemplo ferramentas de jardinagem, taças, latas, colheres, tenazes, lupas, sacos de pano, tecidos, tubos, entre outros) que facilitem diferentes oportunidades de exploração;
  • manter uma postura responsiva e disponível para se envolver nas brincadeiras.

A capacidade de um/a educador/a para configurar, observar, entrar e sair da brincadeira com sensibilidade e naturalidade é crucial para o sucesso do seu papel potenciador de brincadeiras conjuntas [11].

Neste capítulo, a sua participação nas brincadeiras das crianças com dificuldades na interação com os pares, através do recurso a sugestões individualizadas, parece contribuir para a consecução da brincadeira [12]. Por exemplo, num momento de brincadeira entre duas ou mais crianças, em que uma delas determina o tópico de interesse da brincadeira e outra não sabe ou consegue continuar a interação, o/a educador/a pode potenciar a interação por meio de pistas. Estas pistas podem, por exemplo:

  • Sinalizar as intenções das crianças [13]: quando as crianças parecem não entender o que esperam dela para que a brincadeira continue o/a educador/a pode dar pistas que permitam a brincadeira continuar (por exemplo, – “Parece-me que o João quer continuar a construir a torre. Podes colocar uma peça nova”; ou “Parece que a Maria não percebeu o que queres. Porque não lhe mostras e explicas o que pode fazer para continuar?”; ou ainda – “Parece que o Luís quer construir uma casa. Parece que ele gostava que o ajudasses a construir a casa”;
  • Explicitar a alternância de turnos [14]: quando as crianças têm dificuldade em cumprir a reciprocidade associada ao brincar, é importante explicitar como e quando agir – “Espera Manuel, o André ainda não terminou o que está a fazer. Quando ele terminar é a tua vez”; outro exemplo – “Rodrigo o Luís está a falar contigo e quer uma resposta. O que é que tu achas?”;
  • Expandir a comunicação: por vezes, é importante acrescentar ou ampliar o que as crianças dizem para facilitar a interação “O Tomás diz: – “eu quero!” a apontar para o carro do Miguel. A educadora Carla amplia a comunicação, dizendo: – “Tu queres brincar com o carro do Miguel. Podes pedir-lhe. Experimenta.”

Para refletirmos…

Se considerarmos o brincar como um tempo próprio da criança cujo objetivo é o brincar em si mesmo, importa que pensemos sobre a forma como nos relacionamos com esse tempo. Por exemplo,

  1. Como está o brincar presente na rotina diária da sua sala? Quem escolhe os/as parceiros/as de brincadeira e os temas de brincadeira?
  2. Brinca com as crianças? Como? Quem dirige?
  3. De que forma pode ou não um/a educador/a participar na brincadeira das crianças? Como o pode fazer sem dirigir o rumo da brincadeira? Faz sentido que o faça? Em que circunstâncias?
  4. Que outras estratégias se podem utilizar para potenciar a interação entre crianças em situações de brincadeira?

Partilhe a sua experiência e reflita connosco.

 

Tiago Almeida, Escola Superior de Educação de Lisboa

 

Referências

[1] Silva, A. N. (2017). Brincar e aprender. Aprender a brincar. In. T. Sarmento, F. I. Ferreira, & R. Madeira (Orgs.), Brincar e aprender na infância (pp. 11-37). Porto: Porto Editora.
[2] Kishimoto, T. (2010). Brinquedos e Brincadeiras na Educação Infantil. Anais do I Seminário Nacional: Currículo Em Movimento – Perspectivas Atuais (pp. 1-20). Belo Horizonte.
[3] Machado, J. P. (2003). Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa – Vol. 2. Lisboa: Livros Horizonte.
[4] Morais Silva, A. (1959). Grande Dicionário da Língua Portuguesa. Lisboa: Confluência.
[5] Almeida, T. (2018). O governo da infância: o brincar como técnica de si. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 70, 2, 1-15
[6] Brougère, G. (1998). A criança e a cultura lúdica. In T. Kishimoto (Org.), Brincar e as suas Teorias (pp. 19-32). São Paulo: Pioneira.
[7] Rubin, K., Bukowski, W. M., & Laursen, B. (2011). Handbook of Peer Interactions, Relationships, and Groups. New York: Guilford Press.
[8] Guralnick, M., Hammond, M., & Connor, R. (2003). Subtypes of nonsocial play: comparisons between young children with and without developmental delays. American Journal of Mental Retardation, 108(5), 347–362. http://doi.org/10.1352/0895-8017
[9] Guralnick, M. (2002). Involvement with peers: comparisons between young children with and without Down’s syndrome. Journal of Intellectual Disability Research: JIDR, 46(5), 379–393.
[10] Bilton, H., Bento, G., & Dias, G. (2017). Brincar ao Ar Livre. Porto: Porto Editora.
[11] Hoorn, J. V., Nourot, P. M., Scales, B., & Alward, K. R. (2003). Play at the center of the curriculum. Upper Saddle River, New Jersey: Pearson.
[12] Stanton-Chapman, T. L., & Hadden, D. S. (2011). Encouraging peer interactions in preschool classrooms: The role of the teacher. Young Exceptional Children, 14(1), 17–28. http://doi.org/10.1177/1096250610395458
[13] Stanton-Chapman, T. L., Kaiser, A. P., Vijay, P., & Chapman, C. (2008). A multicomponent intervention to increase peer-directed communication in head start children. Journal of Early Intervention, 30(3), 188–212. http://doi.org/10.1177/1053815108318746
[14] Stanton-Chapman, T. L., & Snell, M. E. (2011). Promoting turn-taking skills in preschool children with disabilities: The effects of a peer-based social communication intervention. Early Childhood Research Quarterly, 26(3), 303–319. http://doi.org/10.1016/j.ecresq.2010.11.002

De que forma pode um/a educador/a potenciar a brincadeira entre pares?

Tiago Almeida

Licenciado, Mestre e Doutorado em Psicologia Educacional. Atualmente é Professor Adjunto na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Lisboa. Tem como interesses o brincar de crianças pequenas com e sem incapacidade e o estudo da genealogia das representações de criança e infância. Adora ler romances russos nos intervalos de longas pedaladas de BTT.

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