Despedidas na creche e no jardim de infância

O João tem chorado muito ao despedir-se da mãe, na chegada à creche. Alguém lhe sugeriu que fosse embora sem ele se aperceber, mas, ao discutir a situação com a profissional da sala, encontrou-se uma solução mais construtiva, que tornou a despedida relaxada para todos: quando chega à creche, a mãe entra na sala e brinca com o João por 5/10 min; depois leva-o até à janela e diz-lhe para ficar lá com a educadora, enquanto sai para lhe dizer adeus do outro lado do vidro.

As transições e as despedidas são inevitáveis! Ajudar as crianças e as famílias a lidar com algumas transições faz parte do dia-a-dia das creches e dos JI e pode ser considerado um indicador da sua qualidade [e.g., 1].

A transição para a creche/ para o JI

Resultados de estudos realizados em vários países [e.g., 2] mostram que, em creches que têm um conjunto amplo e variado de práticas de transição, as crianças revelam maior bem-estar emocional. De entre essas práticas de transição destacam-se: o aumento gradual do tempo passado na creche, durante os primeiros dias; o convite à família para passar algum tempo na sala; falar com a família acerca do que pode facilitar a adaptação da criança; etc.

A(s) despedida(s)

As crianças adaptam-se de forma diferente. Nesta fase desafiante, podem expressar as emoções através do choro, comportamentos mais agressivos, mais “birras”, afastamento, incómodo durante os cuidados pessoais [3]. Ao responder às crianças, é importante perceber que são reações comuns e, principalmente, que as primeiras transições e despedidas podem preparar a criança para lidar melhor com outras transições!

Aprender que é possível fazer despedidas saudáveis, que habitualmente fazem parte de separações temporárias, é algo que a criança levará consigo ao longo da vida [1, 4].

Porém, há profissionais e famílias que adotam práticas menos positivas, como, por exemplo, distrair a criança, enquanto a mãe ou o pai saem sorrateiramente. Se os familiares “fogem” quando a criança não está a ver e/ou se desvaloriza o que ela sente, a criança perde essa oportunidade de aprendizagem e pode criar um sentimento de insegurança que é mais difícil sanar do que o choro por estar a dizer “até logo” ou “queria estar contigo”!

A mãe e/ou o pai (ou os avós) “vêm já”?!

Pois, se calhar não é “já”, mas sim “depois do lanche” ou “quando anoitecer”. Com este tipo de discurso, a criança pode começar a perceber a organização do dia e ganha um sentido de estabilidade e segurança que lhe permite envolver-se ativamente nas interações, atividades e rotinas. Dizer “vem já”, quando não vem, não corresponde à realidade e… afinal, em que valores fundamentamos a relação com a criança e a educação?!

O que dizem as crianças?

Num estudo com 47 crianças (3-5 anos), estas revelaram valorizar a rotina de chegada à creche ou ao JI, destacando:

– o momento em que penduram no seu cabide a sua mochila, que é especial, representa a sua individualidade e faz a ligação entre a casa e a creche ou o JI;

– o cumprimento individual(izado) da educadora;

– o ritual de aproximação aos profissionais afastando-se dos pais (e.g., jogar ao cu-cu, surpreender a educadora com um brinquedo).

No mesmo estudo, concluiu-se ainda que os primeiros momentos do dia estabelecem o tom para o resto do tempo [5].

A comunicação com os pais

Às vezes, os pais também saem a chorar e ficam incomodados durante o dia! Reconhecer o seu sentimento, cuidar a comunicação e a parceria com os pais [6], convidá-los a entrar na sala (para conhecerem o que se faz, como o/a filho/a é tratado/a, como também tem mimo e atenção), enviar-lhes uma fotografia da criança já mais calma/sorridente, etc., podem proporcionar tranquilidade e confiança.

Outras ideias?

Além do que referi, podem ser dados outros exemplos: possibilitar que a criança guarde na sala, na “caixa dos miminhos”, um brinquedo que traz de casa; ter fotografias da família ao alcance da criança; telefonar aos pais durante o dia; incentivar o apoio entre as próprias crianças; e tantos outros. Contamos também com as suas ideias na caixa de comentários.

Referências

[1] Adams, E. J., & Parlakian, R. (2010). Movin’ on: Supportive transitions for infants and toddlers. Young Children, 65 (3), 54-55. Disponível em https://www.ucy.ac.cy/nursery/documents/YCRockNRoll0510.pdf

[2] Peixoto, C., Barros, S., Coelho, V., Cadima, J., Pinto, A. I., & Pessanha, M. (2017). Transição para a creche e bem-estar emocional dos bebês em Portugal. Psicologia Escolar e Educacional, 21(3), 427-436. https://dx.doi.org/10.1590/2175-35392017021311168

[3] National Center on Early Childhood Development, Teaching, and Learning. (n.d.). Supporting transitions: Using child development as a guide. Disponível em https://eclkc.ohs.acf.hhs.gov/sites/default/files/pdf/supporting-transitions-brief-one.pdf

[4] Balaban, N. (2011). Transition to group care for infants, toddlers and families. In D. M. Laverick & M. R. Jalongo (Orgs.), Transitions to early care and education, educating the young child (pp. 7-20). New York: Springer Science-Business Media.

[5] Grace, R., Walsh, R., & Baird, K. (2018). Connection, special objects and congruence: the perspectives of young children from disadvantaged communities on participation in early childhood education settings. Early Child Development and Care, 188 (8),1176-1189, DOI: 10.1080/03004430.2016.1251915

[6] Coelho, V., Barros, S., Pessanha, M., Peixoto, C., Cadima, J., & Pinto, A. I. (2015). Parceria família-creche na transição do bebé para a creche. Análise Psicológica, 33 (4), 373-389. doi:  http://dx.doi.org/10.14417/ap.1002

“A mãe volta [mesmo] já”? A transição e as despedidas na creche e no JI

Sílvia Barros

É professora na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto, na área de Psicologia. Tem doutoramento em Psicologia pela Universidade do Porto. Os seus principais interesses de investigação incluem: qualidade dos contextos de educação e cuidados, interações adulto-criança, envolvimento das crianças, formação de profissionais de educação de infância.

3 comentários sobre ““A mãe volta [mesmo] já”? A transição e as despedidas na creche e no JI

  • 02/10/2019 at 11:31
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    Grande iniciativa. Parabéns Sílvia e toda a equipa, alguns deles foram meus colegas na ESELx e são uma garantia da qualidade do blog

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    • 11/10/2019 at 08:57
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      Teresa, em meu nome e, também, da equipa agradeço o seu comentário. Esperamos, com este blogue, poder contribuir para a divulgação de conteúdos relevantes de uma forma que seja apelativa e útil para os profissionais de educação de infância. Teresa, um imenso bem-haja por tudo o que tem feito pela educação das crianças mais novas, em diversos contextos!

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  • 16/03/2023 at 13:05
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    Aqui pais de primeira viagem, com um bebé de quase seis meses que anda há 15 dias na creche 🙂 O que temos feito é sorrir e dar-lhe beijinhos ao entregá-lo à educadora/auxiliares – mimá-lo bastante na despedida, mostrando alegria 🙂 E quando ele vai tranquilo para o colo da educadora/auxiliares, sem olhar para nós ou reclamar querer ficar no nosso colo, não reclamamos, mesmo que tenhamos um bocadinho de ciúmes, pois até aqui ele era só nosso e estava só connosco e agora já começa a ir para o mundo <3

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