Esta mensagem procura situar e problematizar a educação para a sustentabilidade para além da tradicional relação com a natureza. Um grande desafio para a investigação e para a prática na educação de infância e na educação para a sustentabilidade é a análise critica dos “regimes de verdade” [1] sobre as crianças, a infância, a natureza e a cultura e sobre como conseguimos “abraçar” outras pedagogias.

Nesse sentido, a Educação de Infância pode ser essencial na educação para a justiça, para a responsabilidade e para a inclusão social – contra o racismo, o preconceito e a opressão [2], encarando a sustentabilidade muito para além das dimensões ambientais. Enfrentar estes desafios nas políticas de Educação para a Infância é essencial para abordar de forma eficaz e global os pilares da sustentabilidade [3].

Problematizar o nexo natureza-sustentabilidade.

O contemporâneo (re)surgimento internacional da brincadeira em contextos de natureza [4, 5] tem ganho um rápido impulso com o apoio da comunicação social e de muitos governos de vários países europeus.

Não se contesta aqui nenhum argumento sobre a relevância de as crianças brincarem ativamente em ambientes naturais, mas importa que se vá além da ideia de brincar na natureza como educação para a sustentabilidade [6, 7]. Como vários autores referem [8, 9], as teorias pós-humanistas contemporâneas têm muito a oferecer no sentido de se questionarem e problematizarem visões romantizadas de crianças na natureza. 

Sobre isto, a investigação sugere que convém ir além dessa relação natureza-sustentabilidade, uma vez que não é suficiente simplesmente “estar na natureza” e “amar a natureza” para que as crianças pensem criticamente sobre todos os pilares da sustentabilidade. Paradoxalmente, esse gesto de (re)emersão na natureza pode até dificultar uma mudança pedagógica, caso se considera suficiente simplesmente estar em contacto com a natureza, e impedir que se aproveitem essas oportunidades significativas para refletir com as crianças sobre os valores, as controvérsias e os dilemas das inter-relações éticas entre o ser humano e o “mais-que-humano” [10]. 

O exame crítico de tais “regimes de verdade” indica como podemos contestar e mudar práticas pedagógicas tradicionais. Futuros sustentáveis exigem uma mudança reflexiva crítica e, em particular, pedagogias transformadoras [11] que ofereçam alternativas para envolver as crianças nos desafios locais e globais do mundo em que vivemos [12]. Tema que continuaremos a desenvolver em mensagens futuras, com exemplos concretos.

Alguns dos desafios que a investigação ilustra para esta mudança reflexiva de práticas são:

  • Como aproximar o discurso e a prática para uma educação para a sustentabilidade, aproveitando a recetividade das/os educadoras/es para aprenderem mais sobre a temática [13]?
  • Como pensar outras possibilidades de educação de infância para além das visões dominantes do mundo ocidental, incorporando práticas e ideologias locais e autóctones [14]?
  • Como pensar para além da cidadania, enquanto modelo a atingir no futuro, e focar a educação de infância e o trabalho com as crianças pequenas no aqui e agora, promovendo a sua participação ativa na construção da comunidade em que vivem [2, 12]?
  • Como ir além de pedagogias centradas no humano e promover uma pedagogia centrada no coletivo, estabelecendo relações entre vida, humanos e mais-do-que-humanos (água, terra, paisagens, flores, árvores, animais, etc.) [7]?

Voltaremos a cada um destes temas em mensagens futuras. Por agora, deixamos a problematização do que pode ser uma educação para a sustentabilidade para além da relação com a natureza. 

Para refletir…

As bases fundamentais para a Educação para a Sustentabilidade são a reflexividade e o pensamento crítico, a realização de possibilidades alternativas e de visões do mundo construídas sobre as relações entre o ser humano e o “mais-que-humano”, incluindo a justiça social e a democracia crítica.

Dito isto, importa que nos debrucemos sobre uma questão fundamental:

De que forma, e quantas vezes, problematizamos as nossas certezas sobre o que é e como é educar crianças pequenas nos nossos contextos de educação de infância?

Referências

[1] Dahlberg, G., & Moss, P. (2005). Ethics and politics in early childhood education. London: Routledge.

[2] Phillips, L. G., Ritchie, J., Dynevor, L., Lambert, J., & Moroney, K. (2020). Young children’s community building in action. Embodied, emplaced and relational citizenship. London: Routledge.

[3] UNESCO (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization) (2017). Sustainable development goals. Retrieved from www.un.org/sustainabledevelopment/

[4] Christiansen, A., Hannan, S., Anderson, K., Coxon, L., & Fargher, D. (2018). Place-based nature kindergarten in Victoria, Australia: No tools, no toys, no art supplies. Journal of Outdoor and Environmental Education., 21(1), 61–75.

[5] Williams-Siegfredsen, J. (2017). Understanding the Danish Forest School approach: Early year’s education in practice (2nd edn.). Abingdon, Oxon: Routledge.

[6] Elliott, S. (2017). An Australian perspective: Seeking sustainability in early childhood outdoor playspaces. In T. Waller (Ed.), Sage international handbook of outdoor play and learning (pp. 295–316). London: Sage.

[7] Elliott, S., & Davis, J. (2018). Challenging taken-for-granted ideas in early childhood education: A critique of Bronfenbrenner’s Ecological Systems Theory in the age of post-humanism. In A. Cutter-Mackenzie et al. (Eds.), Research handbook on childhoodnature. London: Springer International Handbooks of Education (online). doi:10.1007/978-3-319-51949-4_60-2

[8] Taylor, A. (2013). Reconfiguring the natures of childhood. Abingdon, Oxon: Routledge.

[9] Rooney, T. (2019). Weathering time: Walking with young children in a changing climate. Children’s Geographies17(2), 177–189.

[10] Elliott, S., & Young, T. (2015). Nature by default in early childhood education for sustainability. Australian Journal of Environmental Education, 32(1), 1–8.

[11] McLaren, P. (2015). Pedagogy of insurrection: From resurrection to revolution. New York: Peter Lang.

[12] Almeida, T., & Damásio, S. (2020). Cartografias Infantis: entre o espanto e a criação de outros mundos possíveis. Revista do Movimento da Escola Moderna, 8, 21- 28.

[13] Davis, J. (Ed.) (2015). Young children and the environment: Early education for sustainability (2nd Ed..). Melbourne, Victoria: Cambridge University Press.

[14] Gupta, A. (2013). Play–early childhood pedagogies and policies in a globalizing Asia. In O. F. Lillemyr, S. Dockett & B. Perry (Eds.), Varied perspectives on play and learning. Theory and research on early years education (pp. 213–230). Charlotte, N.C.: Information Age Publishing.

Educação para a sustentabilidade – para além da “emersão” na natureza

Tiago Almeida

Licenciado, Mestre e Doutorado em Psicologia Educacional. Atualmente é Professor Adjunto na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Lisboa. Tem como interesses o brincar de crianças pequenas com e sem incapacidade e o estudo da genealogia das representações de criança e infância. Adora ler romances russos nos intervalos de longas pedaladas de BTT.

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