“Um dia cheguei à creche e a educadora pediu para eu avisar a minha mulher que as fraldas do Miguel estavam a terminar. Já não era a primeira vez, e nessa semana a mãe estava no estrangeiro em trabalho (tal como tinha sido partilhado com a educadora). Naquele dia, com um sorriso nos lábios saiu-me: claro que sim, a mãe envia as fraldas no próximo avião. Devem ser melhores e chegar mais rápido, do que se eu as comprar no supermercado” (um pai real).

A parentalidade também inclui o pai

Embora a grande maioria dos estudos que abordam a temática da parentalidade se centrem na figura materna, a parentalidade não é sinónimo só de maternidade, nem se resume aos pais biológicos da criança. Ao papel de mãe está, tradicionalmente, associada a ideia de cuidador primário, em particular nos primeiros anos de vida, com uma visão errónea de que existe instinto materno, e de que a mulher naturalmente sabe cuidar melhor do que o homem [e.g., 1]. Tal, não só não está demonstrado, como é penalizador para ambos os cuidadores, tanto para mulheres, como para homens, esquecendo que ambos constroem e aprendem a ser, e a fazer. Ninguém nasce a saber comprar ou mudar uma fralda! Os afetos e o conhecimento do outro constroem-se no contexto de relações investidas e continuadas ao longo do tempo [2], e que podem ocorrer em diversas tipologias e organizações familiares [e.g., 3].

Tanto o pai, como a mãe, desempenham diversos papeis no sistema familiar e, em particular, na vida da criança. O modo como o pai constrói o seu papel, ao longo do tempo, será produto da sua história de desenvolvimento, de características individuais, de variáveis da família, e dos contextos socioeconómicos e culturais em que se encontra inserido [4].

Impacto do pai no desenvolvimento da criança

A investigação existente sobre as figuras parentais e o seu impacto no desenvolvimento da criança, é claramente desproporcional em termos do número de estudos que inclui o pai, ou mãe e pai em conjunto. Os resultados existentes indicam que os pais podem ser cuidadores sensíveis e disponíveis para as suas crianças, que se envolvem e interagem com as mesmas de modo semelhante, diferente e complementar às mães, variando os seus comportamentos em termos de frequência, intensidade e qualidade [4]. Mais, a qualidade das interações pai/criança e o que os pais fazem, tem um importante impacto ao longo dos anos, por exemplo, ao nível da qualidade da vinculação, na autorregulação emocional, na menor agressividade, nos baixos níveis de ansiedade, ou na competência social das crianças. Os seus comportamentos negativos preveem, por outro lado, comportamentos agressivos e externalizantes nas crianças, de modo independente das mães [e.g., 3; 1]. 

“O Pai não participa”

Para além da ideia de mãe como cuidadora primária, um argumento frequentemente utilizado para a não inclusão de pais nos estudos, programas de intervenção, ou no dia-a-dia das crianças, (e.g., nas rotinas de saúde ou da escola), é que é muito difícil, senão missão impossível, que os pais adiram. No entanto, seria importante começar por lhes perguntar, diretamente, se querem ou não participar. Um dos poucos estudos que procurou compreender o porquê da sua não inclusão na investigação pediátrica (e.g.), concluiu que 80% dos pais não o fizeram, porque tal não lhes tinha sido perguntado [5].

Alguns pontos para reflexão

Para uma maior inclusão e envolvimento do pai será importante:

  • Aumentar o conhecimento dos profissionais, que trabalham com crianças e suas famílias, sobre a importância do pai para o desenvolvimento da criança desde a primeira infância, ajudando deste modo, a desconstruir/construir crenças e atitudes positivas sobre o papel do pai.
  • Pensar que tende a existir uma clara desproporcionalidade no número de homens e mulheres a trabalhar nestas áreas, havendo assim claramente uma visão mais feminina sobre estes fenómenos.  
  • Reconhecer que os pais são tão capazes, quanto as mães, de cuidar dos seus filhos mesmo que “a cor da saia possa não combinar com a cor da camisola” (que não é proeza só dos pais), ou que as estratégias para fazer as coisas sejam distintas. Há que transmitir aos pais que são competentes, que a sua opinião importa, e é considerada pelos profissionais.
  •  Reconhecer que existem barreiras à sua participação, como por exemplo, horários de trabalho, e expectativas das entidades empregadoras face aos papeis de género. As barreiras colocam-se, tanto para mães, como para pais, mas de modo potencialmente distinto – há que o reconhecer e não o minimizar.
  • Sensibilizar o pai para os seus direitos como pai trabalhador como, por exemplo, o direito a faltar, até quatro horas, uma vez por trimestre, para se deslocar à escola, tendo em vista inteirar-se da situação educativa dos seus filhos [6].
  • Procurar envolver o pai mesmo se o casal estiver separado/divorciado ou em conflito, numa visão de que ambos são importantes para o desenvolvimento e bem-estar da criança [7] (com a exceção de situações sinalizadas pelo tribunal, embora tal se aplique tanto ao pai, como à mãe).
  • Em muitos contextos, a ausência ou menor presença do pai nas diversas atividades relacionadas com a criança, nomeadamente, na escola pode ser resultado do seu papel como pilar financeiro da família. Embora seja importante que o pai esteja envolvido em muito mais, há que não esquecer que os recursos financeiros são fundamentais para a sobrevivência das famílias, e para o acesso a diversos recursos de saúde e educação.

Mensagem escrita em colaboração com Carolina Santos – Aluna do programa doutoral no ISCTE-UL, Bolseira da Fundação para a Ciência e Tecnologia (SFRH/BD/138705/2018).

Referências

[1] Lamb, M. E. (2010). The role of the father in child development (5th ed., pp. 1-26). New Jersey: John Wiley & Sons.

[2] Monteiro, L. & Veríssimo, M. (2010). Análise do fenómeno de base segura em contexto familiar: A especificidade das relações criança/mãe e criança/pai. Textos Universitários de Ciências Sociais e Humanas. Lisboa: FCT, Gulbenkian. ISBN: 978-973-31-1307-5.

[3] Cabrera, N. J., Volling, B. L., & Barr, R. (2018). Fathers are parents, too! Widening the lens on parenting for children. Child Development Perspectives, 12(3), 152-157. http://dx.doi. org/10.1111/cdep.12275

[4] Cabrera, N. J., Fitzgerald, H. E., Bradley, R. H., & Roggman, L. (2014). The ecology of father‐child relationships: An expanded model. Journal of Family Theory and Review,6(4), 336–354. DOI: 10.1111/jftr.12054

[5] Davison, K. K., Charles, J. N., Khandpur, N. et al. (2017). Fathers’ perceived reasons for their underrepresentation in child health research and strategies to increase their involvement. Maternal Child Health Journal, 21(2), 267–274. DOI: 10.1007/s10995-016-2157-z

[6] Código do Trabalho, Decreto-Lei n.º 7/2009 de 12 de Fevereiro de 2009. Diário da República n.º 30/2009, Série I de 2009. Assembleia da República. Lisboa. https://dre.pt/pesquisa/-/search/602073/details/maximized

[7] Fletcher, R., May, C., St George, J., Stoker, L., and Oshan, M. (2014). Engaging fathers: Evidence review. Canberra: Australian Research Alliance for Children and Youth (ARACY). DOI: 10.13140/RG.2.1.1764.5608

Parentalidade: Onde anda o pai?

Lígia Monteiro

É doutorada pela UNL e ISPA-IU, sendo atualmente Professora auxiliar no Instituto Universitário de Lisboa – ISCTE, e investigadora integrada no CIS-IUL (grupo CED – Community, Education and Development). Tem formação na área da Psicologia Educacional e do Desenvolvimento, tendo participado em vários projetos de investigação onde estudou/a o impacto da Parentalidade (mãe e pai) e das dinâmicas familiares no ajustamento social e emocional da criança ao longo dos primeiros anos de vida.

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