“Eu acho (…) que os miúdos são sempre desafiantes (…) tudo aquilo que nós fazemos aqui no jardim de infância é super importante para eles”. Estas foram afirmações de uma educadora de infância com quem falámos, sobre os desafios e oportunidades do trabalho com diferentes grupos de crianças.

Trabalhar com qualquer grupo de crianças impõe desafios! Mas serão estes desafios semelhantes em todos os contextos? Terão os jardins de infância em contextos socialmente desfavorecidos os recursos adequados para responder às necessidades de todas as crianças?

Em mensagens anteriores, abordámos a relevância da qualidade dos contextos educativos para o desenvolvimento positivo das crianças. Nesta mensagem, abordamos a relação entre a composição dos grupos e a qualidade das interações entre os/as educadores/as de infância e as crianças.

Há uma relação entre a qualidade das interações entre educadores/as e crianças e a composição do grupo?

Em primeiro lugar, convém salientar que são ainda poucos os estudos sobre este tema [1], apesar de se reconhecer as potenciais implicações para a organização dos grupos e para as práticas educativas. No entanto, alguns estudos realizados nos Estados Unidos da América e na Europa sugerem que, em grupos com um elevado número de crianças em situações de desvantagem sociocultural, a qualidade das interações entre educadores/as e crianças parece ser menor [1]. Neste caso, consideram-se crianças em desvantagem sociocultural, aquelas que vivem em situação de pobreza, cujas famílias são imigrantes ou  pertencem a grupos minoritários e crianças que falam outra língua (que não a língua maioritária).

Uma vez que são necessárias interações de elevada qualidade para se obterem efeitos positivos no desenvolvimento cognitivo, linguístico social e emocional  das crianças [2], estes resultados são preocupantes, pois indicam que os potenciais benefícios podem não estar a ser experienciados pelas crianças que mais precisam [1].

O que pode explicar esta relação negativa?

“Isto é um diamante completamente em bruto. (…) este tipo de grupos são completamente desafiantes em todos os aspetos. (…) a nível de comportamento, a nível de regras, a nível de formação pessoal e social”. Estas foram afirmações de uma educadora de infância com quem falámos, sobre os desafios de trabalhar com crianças em contextos socialmente desfavorecidos.

Crianças que vivem em situações de desvantagem sociocultural podem estar expostas, nos seus contextos próximos, a fatores que dificultam o seu desenvolvimento social e comportamental, correndo um maior risco de exibirem dificuldades emocionais e comportamentais [3]. Paralelamente, alguma investigação internacional sugere que contextos educativos em áreas de maior desvantagem sociocultural tendem a aceder a menos recursos e a receber profissionais menos experientes e/ou com menos qualificações [4]. Nestes casos, sem os recursos e os apoios adequados a uma gestão eficaz do grupo e à promoção do desenvolvimento destas crianças, os/as educadores/as de infância poderão ver reduzida a sua capacidade para estabelecerem interações de elevada qualidade [5].

Como podemos assegurar interações de elevada qualidade nos grupos com mais crianças em desvantagem sociocultural?

A qualidade das interações entre educadores/as e crianças, em salas de jardim-de-infância integradas em contextos mais desfavorecidos, poderá ser promovida de múltiplas formas, incluindo:

  • interações pautadas pelo apoio emocional – demonstrações de afeto e respeito; atenção e responsividade às necessidades emocionais e de aprendizagem das crianças; oportunidades de aprendizagem guiadas pelos interesses das crianças [6].
  • comunicação, às crianças, de expectativas de comportamento claras para cada atividade; proatividade e redirecionamento de comportamentos desafiantes, baseados no reforço de comportamentos positivos e uso de pistas subtis [6].
  • oportunidades de desenvolvimento profissional para educadores/as de infância – poderão ser mais ou menos formais (e.g., mentoria, supervisão/intervisão, consultadoria, trabalho de equipa) [7].
  • reforço do número e formação dos/as auxiliares de ação educativa [8].
  • alocação de educadores/as de infância mais experientes [5] e daqueles/as reconhecidos/as pelas suas práticas pedagógicas de elevada qualidade, que promovem o desenvolvimento transversal de competências nas crianças e ajudam a reduzir desigualdades [6].

O que é preciso para apoiar os jardins de infância e os/as educadores/as de infância responsáveis por grupos com um elevado número de crianças em desvantagem sociocultural? Partilhe connosco as suas experiências e as suas perspetivas.

Referências

[1] Aguiar, A. L., & Aguiar, C. (2020). Classroom composition and quality in early childhood education: A systematic review. Children and Youth Services Review, 115, 1-26. doi: 10.1016/j.childyouth.2020.105086

[2] Helburn, S. W., & Howes, C. (1996). Child care cost and quality. The Future of Children Financing Child Care, 6(2), 62-82.

[3] Buyse, E., Verschueren, K., Doumen, S., Van Damme, J., & Maes, F. (2008). Classroom problem behavior and teacher-child relationships in kindergarten: The moderating role of classroom climate. Journal of School Psychology, 46, 367–391. doi:10.1016/j.jsp.2007.06.009

[4] Knight, D. S. (2017). Are school districts allocating resources equitably? The every student succeeds act, teacher experience gaps, and equitable resource allocation. Educational Policy, 33(4), 615-649. doi: 10.1177/0895904817719523.

[5] Ansari, A., & Pianta, R. C. (2018). The role of elementary school quality in the persistence of preschool effects. Children and Youth Services Review, 86, 120–127. doi:10.1016/j.childyouth.2018.01.025

[6] Pianta, R. C., La Paro, K. M., & Hamre, B. K. (2008). Classroom Assessment Scoring System Manual: Pre-K. Baltimore, MD: Brookes.

[7] Tonga, F. E., Eryiğit, S., Yalçın, F. A., & Erden, F. T. (2019). Professional development of teachers in PISA achiever countries: Finland, Estonia, Japan, Singapore and China. Professional Development in Education, 1-17. doi: 10.1080/19415257.2019.1689521

[8] Kuger, S., Kluczniok, K., Kaplan, D., & Rossbach, H. G. (2016). Stability and patterns of classroom quality in German early childhood education and care. School Effectiveness and School Improvement, 27(3), 418–440. doi:10.1080/09243453.2015.1112815

Contextos socialmente desfavorecidos: Desafios e recursos acrescidos?

Ana Lúcia Aguiar

Mestre em Psicologia Social e das Organizações, encontra-se a concluir o doutoramento em Psicologia, centrado na associação entre a composição da sala e a qualidade em contextos de educação pré-escolar. Os seus principais interesses de investigação incluem a qualidade em contextos de educação pré-escolar, a formação de profissionais de educação de infância e a intervenção precoce na infância.

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