Os direitos à participação estão consagrados na Convenção sobre os Direitos das Crianças [1] e constituem um dos 3Ps. De facto, desde as idades mais precoces, as crianças têm o direito de expressar as suas ideias sobre os assuntos que lhes dizem respeito, vendo-as consideradas, sempre que apropriado, e de acordo com a sua idade e maturidade. Em situações excecionais ou de emergência, como a que vivemos atualmente, a participação das crianças não deve ser descurada [2].

Ideias e experiências das crianças durante a pandemia – 5 dados de um estudo

Um estudo atualmente em curso, impulsionado pela associação britânica Froebel Trust e desenvolvido em parceria com o Centro de Investigação em Educação de Infância de Birmingham, procurou dar visibilidade às perspetivas de crianças com idades compreendidas entre os 2 e os 4 anos, bem como às dos/as seus/suas educadores/as, relativamente à pandemia de COVID-19. Selecionámos 5 aspetos evidenciados por este estudo: 

  1. Conhecimento detalhado sobre o vírus por parte das crianças, que são capazes de o descrever e de enumerar os seus efeitos (nomeadamente, os perigos para a saúde), mas também os passos necessários para o combater (como o uso de máscara e a lavagem das mãos).
  2. Resiliência e capacidade de adaptação das crianças face às alterações provocadas pela pandemia, embora muitas tenham manifestado satisfação ao regressarem à rotina, no seu contexto de educação de infância, e ao contacto próximo com os pares.
  3. Importância do brincar, tendo sido observadas algumas mudanças, tais como uma maior valorização dos espaços exteriores e um envolvimento das crianças em períodos de jogo mais prolongados e focados.
  4. Importância da língua materna, sendo que crianças que falavam mais do que uma língua, recorreram, com maior frequência, a profissionais de educação de infância que também falavam a sua língua materna.
  5. Diversas formas de expressão das crianças relativamente ao vírus e às suas experiências durante a pandemia, em função das suas características e preferências – partilhas através de histórias, música, desenhos, fotografias ou, mesmo, através de silêncios.

3 motivos para promover a participação das crianças e ouvir as suas perspetivas, em contexto de educação de infância

As crianças devem poder influenciar as diversas decisões que afetam as suas vidas, desde as idades mais precoces [3]. No entanto, os direitos à participação das crianças são, ainda, os menos assegurados [4]. Recordamos três motivos para ouvirmos as crianças e procurarmos conhecer as suas ideias e experiências sobre os assuntos que lhes dizem respeito, especificamente em contexto de educação de infância:

  1. Os/as profissionais de educação de infância são considerados/as gatekeepers, ou seja, agentes educativos responsáveis por garantir o acesso a experiências de participação [8]. Por outras palavras, o seu papel é fundamental para assegurar a criação de condições e de oportunidades para as crianças se expressarem, serem ouvidas e influenciarem os assuntos que lhes dizem respeito [9], nas variadas situações do dia-a-dia.
  2. Os benefícios da participação são reconhecidos, não apenas para as crianças, mas também para adultos e para as próprias instituições [10]. Ouvir as crianças e ter em conta as suas perspetivas relativamente à situação atual, poderá contribuir, não apenas para o seu bem-estar, como também para que adultos e instituições possam compreender, mais aprofundadamente, as suas experiências, e adotar práticas e estratégias que vão ao encontro das suas necessidades e interesses.
  3. Os contextos de educação de infância são fundamentais para o desenvolvimento das crianças e o exercício da participação é descrito como um importante critério para a sua qualidade [5]. Na Europa, em circunstâncias não excecionais, cerca de 95% das crianças passam, em média, cerca de 30 horas, por semana, em contextos de educação de infância [6]. Por este motivo, é crucial conhecer as suas necessidades, expectativas, opiniões e sugestões, incentivando a sua participação nas mais diversas atividades e circunstâncias [7].

Como tem promovido a participação das crianças, ouvido e considerado as suas perspetivas, durante este período de resposta à COVID-19?

  • Em que atividades as crianças têm apresentado maior, ou menor envolvimento?
  • Que níveis de participação tem conseguido assegurar?
  • As crianças têm sido informadas sobre possíveis atividades e projetos?  
  • Têm sido consultadas sobre as decisões que afetam o funcionamento do jardim de infância?
  • Têm colaborado e agido em parceria com os adultos ou tido oportunidade para tomarem a iniciativa e apresentarem as suas próprias propostas?

Referências

[1] Organização das Nações Unidas (1989). Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas. Nova Iorque: Nações Unidas.

[2] Eurochild (2020). Growing up in lockdown: Europe’s children in the age of COVID-19. 2020 Eurochild Report. Brussels: Eurochild. Disponível em https://www.eurochild.org/resource/growing-up-in-lockdown-europes-children-in-the-age-of-covid-19/

[3] Conselho da Europa (2021). Listen – Act – Change: Council of Europe handbook on children’s participation for professionals working for and with children. Estrasburgo: Conselho da Europa. Disponível em https://rm.coe.int/publication-handbook-on-children-s-participation-eng/1680a12699

[4] Such, C. (2014). History and development of children’s rights. In M. Kanyal (Ed.), Children’s rights 0-8: Promoting participation in education and care (pp. 7-25). New York, NY: Routledge.

[5] Sheridan, S. (2007) Dimensions of pedagogical quality in preschool. International Journal of Early Years Education, 15(2), 197-217. doi:10.1080/09669760701289151

[6] Comissão Europeia/EACEA/Eurydice (2019). Key Data on Early Childhood Education and Care in Europe – 2019 Edition. Eurydice Report. Luxembourg: Publications Office of the European Union.

[7] Lopes da Silva, I., Marques, L., Mata, L., & Rosa, M. (2016). Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar. Lisboa: Ministério da Educação, Direção-Geral da Educação (DGE). Disponível em https://www.dge.mec.pt/orientacoes-curriculares-para-educacao-pre-escolar

[8] Gal, T. (2017). An ecological model of child and youth participation. Children and Youth Services Review, 79, 57-64. doi:10.1016/j.childyouth.2017.05.029

[9] Lundy, L. (2007). ‘Voice’ is not enough: Conceptualising article 12 of the United Nations Convention on the Rights of the Child. British Education Research Journal, 33(6), 927–942. doi:10.1080/01411920701657033

[10] Sinclair, R. (2004). Participation in practice: Making it meaningful, effective and sustainable. Children & Society, 18, 106–118. doi:10.1002/chi.817

Links úteis

Participo… Porque tenho direito: Os direitos à participação em tempos de pandemia

Nadine Correia

Investigadora no Iscte – Instituto Universitário de Lisboa. Licenciada e doutorada em Psicologia, com mestrado em Política Social. Tem como principais interesses de investigação o direito das crianças à participação, a qualidade dos contextos de educação de infância, e o desenvolvimento sociocognitivo das crianças.

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