Adaptado da publicação original de EvaDierickx, em kleutergewijs.be

Estes são dias incertos e de alguma ansiedade, para educadores e pais, mas também para crianças em idade pré-escolar. Nem o mais experiente virologista nos poderá dizer, com certeza, como será o futuro próximo. Assim, é também difícil transmitirmos certeza e previsibilidade às crianças. Aguardamos, cautelosamente, recomendações sobre como se poderão, as salas de jardim de infância, encher novamente, retomando gradualmente a naturalidade a que estávamos habituados.

Sabemos que, sem dúvida, esta crise poderá ter impacto na vida das crianças e dos seus educadores. Os profissionais não poderão alterar a situação que estamos a viver, mas podem dar espaço para lidar com as preocupações das crianças, e criar resiliência. Sabemos, através da investigação, que o ambiente da sala e as interações positivas com os pares e os adultos podem servir como um amortecedor contra os efeitos negativos do trauma [1].

Por isso, começamos a procurar o que sabemos e onde podemos oferecer alguma certeza ou orientação. Como pode então, enquanto educador, preparar-se para os primeiros dias depois do confinamento?

COLOQUE A SUA PRÓPRIA “MÁSCARA DE OXIGÉNIO”

Este período também foi stressante e/ou traumático para muitos de nós, adultos. De repente, tendo que dizer adeus às crianças e aos colegas, estabelecendo o ensino à distância o mais rápido e adequadamente possível, cumprindo o isolamento social, tendo família ou amigos que adoeceram, ou simplesmente a preocupação com o vírus… Embora os seus pensamentos iniciais possam ter sido direcionados para as crianças da sua sala, é importante cuidar de si, antes de cuidar dos outros. Por isso, coloque primeiro “a sua própria máscara”. Encontre formas de enfrentar este período: fazendo desporto, dançando ao som da sua música favorita, ou ligando para um amigo. Cuide também dos seus colegas: proteja-os e ouça com empatia. Passe também esta mensagem à família das crianças. As crianças são muito sensíveis aos sinais de stress. É importante proteger-se a si e às crianças, procurando relaxar e pedindo ajuda, se necessário [2].

ROTINA E PREVISIBILIDADE

Reconhecer a criança e os seus sentimentos, e dar-lhealguma sensação de previsibilidade, no dia-a-dia, é muito importante para as crianças mais novas. Dá-lhes uma visão mais estável do mundo e um sentimento de confiança, de que a vida está “de volta aos eixos”. O mais importante é voltar à rotina diária juntamente com as crianças, o mais rápido possível. Coloque o plano diário de tarefas ao nível dos olhos das crianças e consulte-a regularmente, para aumentar a previsibilidade ao longo do dia [3]. Procure não fazer muitas mudanças repentinas na sala, na decoração, ou nas actividades, mas procure dedicar algum tempo para que as crianças se voltem a acostumar à rotina normal e previsível do jardim de infância.

MANTENHA-SE CALMO, AFETUOSO E RECETIVO

Mais do que objetivos de aprendizagem e novos conteúdos de aprendizagem, devemos considerar, numa fase inicial, o que este período de confinamento significou para as crianças. Algumas crianças poderão ter passado um período agradável, com muita atenção dos pais e espaço para brincar. Mas, para outras, este período pode não ter sido tão divertido, podendo inclusivamente ter sido traumatizante.

Falar sobre um período traumático não é fácil para adultos. As crianças em idade pré-escolar ainda não possuem vocabulário e capacidade de auto-regulação suficientes para explicar tudo o que sentem. Para muitas crianças, a forma como se comportam é a única maneira de mostrarem como se sentem e o que pensam. Especialmente agora, procure não castigar, tentando compreender o que possa estar por trás de determinado comportamento. Profissionais responsivos e sensíveis deverão ser agora ainda mais sensíveis ao que uma criança quer dizer, tentando responder de forma apropriada e calma.

Existem crianças que jogam menos, ou que se retraem? Sente-se com a criança por um momento e convide-a a brincar em silêncio, consigo, ou a ler um livro. Dê à criança espaço para se habituar às mudanças pelas quais tem passado. Existem crianças que reagem com muita agressividade? Conforte-as e estabeleça limites de forma positiva. Dessa forma, a criança aprenderá que pode contar consigo para aprender a lidar com sentimentos mais intensos – “vejo que estás com muita raiva, mas vou ajudar-te para que não te magoes a ti ou aos outros”.

Utilize a linguagem para expressar o que vê, apoiar as ações das crianças e partilhar as suas interpretações. Por exemplo, a criança saberá que entendeu o que ela queria dizer quando lhe oferece vocabulário que pode ajudar a traduzir as suas experiências [3, 4].

Seja paciente e reconheça que as crianças podem responder à mesma situação de formas muito diferentes. O que poderia ser uma experiência traumatizante para uma criança pode já ter sido esquecido por outra criança. Aquilo de que todas as crianças precisam depois deste período, é principalmente, de um educador caloroso, calmo e receptivo. A investigação sugere que crianças que têm uma relação de confiança estável com um adulto protetor e atencioso sofrem menos stress e podem adaptar-se melhor [5, 6].

Como aliado dos pais, cuide das crianças e dê-lhes espaço para lidar com o período que passou, mas intervenha a tempo, se estiver preocupado/a. Discuta qualquer comportamento preocupante em tempo útil com os pais, com alguém da coordenação ou direção.

RESILIÊNCIA, DIVERSÃO E EMPATIA

As crianças aprendem muito com a forma como os adultos lidam com as situações. Portanto, modele a sua resiliência. Dê às crianças a oportunidade de contar (verbalmente ou através do brincar) como vivenciaram o período de isolamento, e conte também como o vivenciou. Partilhe que, às vezes, também pode ter ficado triste e ansioso/a, mas que está feliz por estarem todos juntos de novo. Mostre que valoriza realmente esta união e as pequenas coisas. Mostre que o medo não tomou conta de si ou das situações, e faça uma festa de regresso ao jardim de infância. Coloque música, ria. Aproveite a feliz (re)união de todos.

Pense também nas coisas boas ou bonitas que aconteceram durante o isolamento, juntamente com as crianças. Mencione como as pessoas se ajudam, como tentamos que haja felicidade nas nossas vidas, ou como indivíduos e organizações tentam encontrar soluções para continuar a apoiar os mais vulneráveis.

Pense em atividades nas quais as crianças em idade pré-escolar também possam ajudar ou apoiar outras pessoas. Por exemplo, sugira às crianças que, juntos, ofereçam cartões de melhoras para as pessoas no hospital, ou “escrevam” notas para idosos mais isolados. Este tipo de atividades dão às crianças alguma sensação de controle sobre a situação e ajudam a criar empatia [7, 5].

CAPACITE AS CRIANÇAS

A Covid19 mudou abrupta e intensamente a vida de todas as crianças, assim como da maioria dos adultos. Além da distância social e da higienização cuidadosa das mãos, não podemos controlar o curso da doença e das novas regras associadas. Esta experiência pode ter efeitos traumatizantes em crianças pequenas. Dar às crianças o controle das suas próprias vidas e consciencilizá-las para essa sensação é, agora, ainda mais importante. Uma forma de restaurar esse controle, para as crianças, é oferecer-lhes opções [5, 8], ou seja, situações em que as crianças possam assumir o controle – “Onde comemos a fruta?”; “O que queres desenhar e como queres fazer o desenho?”

Proporcione OPORTUNIDADES PARA AS CRIANÇAS SE EXPRESSAREM

Incentive as crianças a expressar as suas emoções – medo e raiva incluídos. Ajude-as a entender esses sentimentos, a nomeá-los, e a procurar formas saudáveis de os expressar [7].

Pode fazê-lo, por exemplo, através do jogo. Brincar é a linguagem das crianças em idade pré-escolar. Elas usam o jogo para expressar preocupações, fazer perguntas, processar emoções e controlar o mundo. Portanto, forneça diferentes materiais para trabalhar de forma divertida, como material de desenho e pintura, peças soltas ou, por exemplo, material para encenação. Procure não dar tarefas específicas por um momento, mas ver o que as crianças fazem, espontaneamente. Tente não intervir imediatamente se vir raiva, medo ou palavras como “morte” ou “quarentena”, numa situação de jogo. Ouça com atenção primeiro e ajude a expressar o que vê. Não intervenha se o jogo se tornar muito repetitivo ao longo do tempo, ou se permanecer muito negativo. Nesse caso, pode orientar as crianças no sentido controlar a história que estão a retratar, ou orientá-las para uma conclusão bem-sucedida dessa mesma história.

Que conselhos poderá, enquanto profissional de educação de infância, partilhar com pais e com outros profisisonais? Que estratégias considera mais adequadas, neste progressivo regresso à “normalidade”?

Referências

[1] Wentzel, K.R., A. Battle, S.L. Russell, & L.B. Looney. (2010). Social Supports
From Teachers and Peers as Predictors of Academic and Social Motivation. Contemporary Educational Psychology 35 (3): 193–202.

[2] Yeary, J. (2018). Rocking and Rolling. The Calm in the Storm: Supporting Young Children before, during, and after a Community Disaster or Trauma. Young children (73) 5. Geraadpleegd van https://www.naeyc.org/resources/pubs/yc/nov2018/supporting-young-children-community-disaster

[3] Wright, T. (2014). Too Scared to Learn: Teaching Young Children Who Have Experienced Trauma. Young Children 69 (5): 88–93.

[4] Bohlander, A. H., & Dombro, A. L. (2015). Shelter From the Storm: A Guide for Early Care and Education Providers.

[5] Bartlett, J. D., Griffin, J., & Thomson, D. (2020, 19 maart). Resources for Supporting Children’s Emotional Well-being during the COVID-19 Pandemic. Geraadpleegd van https://www.childtrends.org/publications/resources-for-supporting-childrens-emotional-well-being-during-the-covid-19-pandemic

[6] Shonkoff, J. P., Garner, A. S., Siegel, B. S., Dobbins, M. I., Earls, M. F., Garner, A. S., Wood, D. L. (2011). The Lifelong Effects of Early Childhood Adversity and Toxic Stress. Pediatrics, 129(1), e232–e246. https://doi.org/10.1542/peds.2011-2663

[7] NAEYC. 2018 (februari/maart). 11 Tips for Helping Children Who Have Experienced a Disaster. Geraadpleegd van https://www.naeyc.org/resources/pubs/tyc/feb2018/11x-tips-helping-children-disasters

[8] National Child Traumatic Stress Network Schools Committee. (2008). Child Trauma Toolkit for Educators. Los Angeles, CA, & Durham, NC: NCTSNSC. Geraadpleegd van www.nctsnet.org/nctsn_assets/pdfs/Child_Trauma_Toolkit_Final.pdf

Tradução e adaptação de Nadine Correia

Bem-vindo de volta! E quando os jardins de infância reabrirem?

Um comentário sobre “Bem-vindo de volta! E quando os jardins de infância reabrirem?

  • 28/05/2020 at 11:38
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    Aos pais que confiem, nos profissionais, que o amor que cada um sente pela profissão se vai repercutir no aconchego e segurança aos seus filhos.
    Aos educadores e Assistentes Operacionais que são chamados a uma missão, que vão sem medo, o medo pode travar-nos de tanta coisa boa. Teremos, todos de ser cautelosos, mas, nunca medroso!! somos profissionais do amor, da experimentação da vida, da coragem, somos tantas vezes as/os médicas/os que cura as feridas que outros não conseguem ver, agora seremos a força do recomeço, a coragem de embarcar e remar até ao final !

    Agarrem esta oportunidade em mostrar que está, mesmo tudo bem!!

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