O Manuel quando é contrariado faz birras, chora e atira com os objetos, chegando a bater nos colegas. É impaciente, tem pouco tempo de atenção, fazendo com que esteja sempre a mudar de atividade; comunica pouco e não toma a iniciativa.

Imagine uma professora do 1.º Ciclo a receber uma descrição como esta. A sua primeira reação poderá ser, “mas como vou eu ter tempo na minha sala para este aluno? Como vou gerir esta situação com os outros 25 alunos?”

As transições entre o jardim-de-infância e o 1.º Ciclo

Qualquer transição é um momento importante na vida de uma criança (e.g., a entrada para a creche ou para o jardim-de-infância) e a entrada para o 1.º Ciclo é-o, de um modo particular, para as crianças que necessitam de suportes adicionais [1]. Por isso, a sua transição deverá ser planeada entre o/a educador/a, a família e a criança.

As crianças, como a descrita no início, existem e, algumas vezes, são estes os comportamentos que usam para manifestarem os seus desejos e emoções. Mas também é evidente que a descrição não será muito útil para se apoiar a transição da criança, pois não dá informação acerca do que a família e o/a educador/a já sabem sobre como lidar com esses comportamentos.

FAP – Family Assessment Portfolio (Portfólios de Avaliação pela Família)

Numa visita à Escola Superior de Educação do Porto, no âmbito do Mestrado em Educação Especial, James R. Thompson, ex-presidente da Associação Americana da Incapacidade Intelectual e de Desenvolvimento, apresentou esta ferramenta, explicando que os FAP surgiram da necessidade de uma mãe a quem, com base em relatórios médicos, tinha sido recusada a entrada do filho com necessidades adicionais de suporte na escola. A mãe sentindo, também, que o filho era muito diferente do que os relatórios referiam, decidiu construir um portfólio com situações do quotidiano do filho para entregar na escola em vez do relatório (e o filho foi aceite). A partir deste exemplo, Thompson [3] desenvolveu um projeto de formação de educadores/as para ajudar as famílias a elaborarem os portfólios dos filhos. Definiu os FAP como um conjunto de materiais, criado pelas famílias, dando-lhes a oportunidade para comunicarem à escola a informação que consideram mais importante.

De um modo geral, o portefólio deverá incluir [3]:

  1. informações sobre a criança a partilhar com os pares e futuros/as professores/as;
  2. fotografias da criança em contextos variados;
  3. uma lista de coisas (as 10 mais importantes) a saber sobre a criança;
  4. a participação da família, dos/as amigos/as ou de outros intervenientes que a família considere pertinente (através de discurso ou imagem);
  5. uma descrição das atividades mais apreciadas pela criança;
  6. alguns exemplos do trabalho já desenvolvido e do que ela faz.

No caso do Manuel, os pais e a educadora poderiam ter registado no portefólio:

O Manuel precisa que lhe expliquem calmamente o que tem para fazer e o que vai acontecer a seguir. Como gosta muito de utilizar o computador, a educadora, no JI, aproveitou este interesse para criar um documento com a sequência das atividades e rotinas diárias, onde o Manuel indicava com entusiasmo o que ia fazendo, ao longo do dia, às vezes com o suporte da educadora, outras vezes de algum/a colega. Em conjunto com os pais, selecionou algumas fotografias suas para partilhar com os/as novos/as professores/as um bocadinho da sua história.

Proposta de Construção de um Portefólio de Avaliação pela Família

Recentemente, construímos um portefólio [2] que pode ser um exemplo útil de estratégia de transição para os/as alunos/as com necessidades adicionais de suporte. Este portefólio [2] foi construído pelo Simão e pela família e educadores/as.

Figura 1 – Página do livro que apresenta o Simão aos leitores
Figura 2 – Preferências do Simão
Figura 3 – Página que integra o tópico “O que consigo fazer” e apresentação de um trabalho realizado pela criança

Conclusão

A partir daqui o limite é a imaginação. Poderá elaborar o portefólio de diversas formas, não esquecendo o essencial, mas permitindo a participação da criança para que esta possa dar o seu cunho pessoal ao portefólio, através de um pequeno filme, de desenhos ou decorações, trabalhos realizados, histórias que queira partilhar, e outros pormenores que reflitam os seus gostos. Afinal, estamos a falar do livro da sua vida!

E no seu JI, como é preparada a transição para o 1.º Ciclo, particularmente de crianças que necessitam de suportes adicionais? Que sugestões daria para a elaboração de portefólios?

Referências

[1] Fabian, H., & Dunlop, A. (2006). Outcomes of a good practice in transition processes for children entering primary school. Education for All global Monitoring Report, 13, 1-21.

[2] Pinto, J. & Sanches-Ferreira, M. (2013). O Envolvimento da Família na Transição do Filho com Necessidades Adicionais de Suporte: a Contribuição de um Portefólio, Sensos.

[3] Thompson, J. R., Meadan, H., Fansler, K., Alber, S., & Balogh, P. (2007). Family Assessment Portfolios. A new way to jumpstart family/school collaboration. Teaching Exceptional Children, 39, 6, 19-25.

Vai começar o 1.º ciclo – E agora? Preparação de um portefólio de apoio à transição das crianças

Manuela Sanches-Ferreira

Doutorada em Psicologia pela Universidade do Porto, professora na ESE/IPP, na área de Educação Especial e Inclusão. Leciona disciplinas sobre avaliação e intervenção em contextos inclusivos, incapacidade intelectual, formação de professores e educação especial e inclusão. Os interesses profissionais centram-se na habilitação dos contextos por forma a facilitar o processo de ensino-aprendizagem de todos os alunos.

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