Na creche passa-se demasiado tempo a trocar fraldas?! Trocar as fraldas é tarefa para despachar e… “toda a gente sabe trocar fraldas”?!
Comentários como estes são comuns e encerram muitas ideias deturpadas sobre a creche e sobre o desenvolvimento nos primeiros anos de vida. Nesta mensagem, convido-vos a refletir sobre a importância das interações durante as rotinas de cuidados pessoais, como a troca de fraldas.
Trocar a fralda: cuidado pessoal e momento educativo privilegiado
Ao contrário do que se poderia pensar, trocar as fraldas em creche é altamente exigente e nem sempre valorizado, implicando uma série de cuidados antes, durante e após a mudança da fralda de cada criança, e que muitas pessoas desconhecem. Mas não é esse o foco desta mensagem, apesar de muito relevante. Então, trocar a fralda: cuidado pessoal e momento educativo privilegiado?
A troca da fralda, na creche ou em casa, a par de outros momentos de cuidados pessoais (e.g., ajudar a criança a adormecer, vestir, alimentar), pode ser um contexto educativo privilegiado, com interações calorosas que expandem as experiências da criança, promovem o desenvolvimento, reforçam laços afetivos e contribuem para a segurança e o bem-estar [1, 2, 3]. Em muitas creches, a troca de fraldas é um dos raros momentos de interação entre o/a adulto/a e uma única criança e, portanto, um dos poucos momentos de um-para-um, de atenção exclusiva, de proximidade e de reciprocidade.
Contudo, os resultados de alguns estudos relevaram que a qualidade das interações entre profissionais e crianças – tão importante para o desenvolvimento e bem-estar – tende a ser mais baixa durante as rotinas de cuidados pessoais [e.g., 4, 5], indicando a necessidade de uma melhor preparação e de maior intencionalidade nessas situações.
3 sugestões para as interações nos momentos de troca de fraldas
Durante a troca de fraldas,
o olhar,
a conversa e
a proximidade física,
num ambiente calmo, podem facilitar o estabelecimento de uma relação de confiança e podem ser estimulantes também do ponto de vista cognitivo.
Como aquela criança é o centro da atenção do/a profissional, a interação é diádica e o diálogo é individualizado, sendo mais fácil seguir as iniciativas da criança para comunicar, expandindo-as e utilizando linguagem rica e variada.
E não tenhamos receio de dar mimos!
O mimo não é demais e há evidências da importância do toque para o bebé, a vários níveis, como: a comunicação, a autorregulação emocional e a exploração do ambiente [e.g., 6].
Por que não fazer uma breve massagem, abraçar ou fazer cócegas na barriga ou nos pés? Devem, todavia, ser respeitadas as preferências das crianças e a diversidade cultural das crianças e das famílias porque a proximidade física é entendida de modo diferente noutras culturas. Algumas crianças não gostam de beijos; outras, por condições específicas (por exemplo, algumas crianças com Perturbação do Espectro do Autismo), podem sentir o toque de modo diferente ou evitar o contacto ocular.
A intencionalidade educativa nos momentos da troca de fraldas
Os bebés e as crianças estão a aprender em todos os momentos, inclusivamente enquanto comem, tomam banho ou trocam a fralda.
Em vários estudos tem sido demonstrado como estes momentos são fundamentais para a relação, para a exploração, para estimular a curiosidade, para a aprendizagem, isto é, para o desenvolvimento. Destaco, apenas como exemplo, um estudo realizado na Suécia em que se ilustrou como é possível, de uma forma intencional, mas também com espontaneidade, incluir nas conversas, durante a troca de fraldas, conceitos de numeracia, tornando esta rotina uma interessante oportunidade de aprendizagem [1].
Educuidar
Regresso à ideia de, na creche, educação e cuidados estarem interligados. Considerando a finalidade educativa da creche, parece-me proveitoso assumir as rotinas como momentos educativos, para aprendizagem em contexto natural. Alguns autores têm mesmo utilizado o termo “Educuidar” para representar esta indissociabilidade da educação e do cuidado [1, 7].
Concluindo, mudar a fralda é exigente e definitivamente não combina com o advérbio “SÓ” que utilizei no título!
Partilhe connosco a sua experiência:
- Como contempla os momentos de troca de fraldas na sua planificação?
- Na sua sala, como poderia ser descrita a troca de fraldas assumindo o ponto de vista da criança?
Referências
[1] Bussey, K., & Hill, D. (2017). Care as curriculum: Investigating teachers’ views on the learning in care. Early Child Development and Care, 187(1), 128-137. https://doi.org/10.1080/03004430.2016.1152963
[2] Palmér, H., Henriksson, J., & Hussein, R. (2016). Integrating mathematical learning during caregiving routines: a study of toddlers in Swedish preschools. Early Childhood Education Journal, 44, 79–87. DOI 10.1007/s10643-014-0669-y
[3] Portugal, G. (2011). No âmago da educação em creche: O primado das relações e a importância dos espaços. In Conselho Nacional de Educação (Org.), A educação das crianças dos 0 aos 3 anos. Estudos e seminários (pp. 47-70). Disponível em http://www.cnedu.pt/pt/publicacoes/estudos-e-relatorios/outros/786-educacao-das-criancas-dos-0-aos-3-anos
[4] Cadima, J., Barros, S., Bryant, D. B., Peixoto, C., Coelho, V., & Pessanha, M. (2020). Variations of quality of teacher–infant interactions across play and care routine activities: does adult involvement matter? Manuscrito submetido para publicação.
[5] Degotardi, S. (2010). High-quality interactions with infants: Relationships with early-childhood practitioners’ interpretations and qualification levels in play and routine contexts. International Journal of Early Years Education, 18(1), 27-41.
[6] Moszkowski, R. J., & Stack, D. M. (2007). Infant touching behavior during mother–infant face-to-face interactions. Infant and Child Development, 16(3), 307–319. DOI: 10.1002/icd.510
[7] Dias, D. (2012). O educuidar na creche e jardim-de-infância (Dissertação de Mestrado não publicada). Instituto Politécnico de Setúbal, Setúbal, Portugal. Disponível em https://comum.rcaap.pt/handle/10400.26/4316
Sou educadora e estou no berçário este ano. O ato de mudar a fralda é um momento de carinho e mimo individual. É um ato de amor e de privacidade. É um momento entre adulto criança de extrema importância. A qualidade não está na rapidez mas sim na quantidade de individualidade de mimo e atenção que oferecemos a cada muda de fralda, a cada criança.
Andreia, obrigada pelo seu comentário tão pertinente. Fico contente por ser educadora num berçário e felicito todas as creches que optam por terem educador/a de infância nas salas para bebés.
A muda da fralda são momentos deliciosos, momentos de troca de mimos, carinho e amor. Assim e só assim fará sentido, estes momentos deverão estar sempre presentes no ato da muda de fralda.
Sou Educadora e na minha prática pedagógica fui penalizada pela coordenadora de estágio, porque fui “apanhada” a trocar a fralda a uma criança. Educadora não troca fralda, isso é trabalho de auxiliar. Disse a coordenadora. Retorquiu e argumentei os benefícios para a criança numa troca de fralda ( tudo que acima é mencionado no texto). Acabou por me baixar a média 2 póntos. Uma fulana que não percebia nada de crianças, mas tinha a faca e o queijo na mão, como se costuma dizer.
A muda da fralda já é por si só uma intencionalidade, promover o cuidado individualizado, a higiene e a satisfação da necessidade. Mas ao tempo de dedicação podemos enriquecê-lo com outras intencionalidades: provocar a interação criança-adulto/ comunicar, através do diálogo e outras formas de comunicação verbais e não-verbais (por exemplo, lengalengas, músicas, que abordem vários conteúdos como partes do corpo, cores, animais…; onomatopeias; expressão faciais; entoações; …) ; alargar as relações de afetividade/ vínculo promovendo sobretudo a confiança , a segurança, a harmonia, de modo que o bebé/ criança se sinta segura, confiante para explorar tudo o que a rodeia respeitando, e ser respeitada, por todos os intervenientes da aprendizagem.