Apenas contextos de boa qualidade podem ter efeitos positivos no desenvolvimento das crianças a nível social, cognitivo e da linguagem, e no posterior desempenho académico, como referi na minha mensagem anterior, dedicada ao conceito de “crianças em risco”.

Mas, o que se entende por qualidade dos contextos educativos?

A qualidade é fundamental
O que procurar num berçário de qualidade? [1]

Não existe uma definição única de qualidade, uma vez que todas as definições refletem necessidades e prioridades, valores e crenças, e as ideologias daqueles que organizam os serviços [2].

Apesar da relatividade do conceito, os resultados da investigação sobre o desenvolvimento das crianças têm revelado um conjunto de componentes da qualidade, altamente relacionados entre si, que se encontram associados aos resultados positivos das crianças. Assim, falamos de:

  •  qualidade estrutural – engloba características do ambiente de prestação de cuidados, muitas vezes dependentes de diretrizes governamentais (e.g., dimensão do grupo de crianças, rácio adulto-crianças, formação dos/as profissionais, espaço disponível por criança) [3, 4];
  • qualidade de processo – integra as experiências que são disponibilizadas às crianças nesse contexto, isto é, as interações com os adultos que se ocupam delas, o seu envolvimento com os materiais e as atividades que promovem a aprendizagem. A qualidade de processo pode ser considerada a medida de qualidade mais proximal [5, 6], isto é, as crianças que frequentam contextos educativos de elevada qualidade preenchem o seu tempo com atividades lúdicas com os adultos e pares e exploram os materiais de forma adequada à sua idade e estádio de desenvolvimento.

E a qualidade é fundamental porque…

Os resultados de numerosos estudos têm demonstrado que a qualidade dos contextos educativos é fundamental por se encontrar associada ao desenvolvimento social, cognitivo, das funções executivas e da linguagem das crianças [7]. As crianças que frequentam contextos educativos de elevada qualidade, geralmente, são mais seguras do ponto de vista emocional, mais auto-confiantes, mais competentes no uso da linguagem, apresentando, também, um maior desenvolvimento cognitivo [8]. Foram também encontrados efeitos positivos nos indicadores de sucesso a longo prazo, na adolescência e na idade adulta, nomeadamente no aumento nas taxas de emprego, na diminuição nas taxas de delinquência / criminalidade e de gravidez na adolescência [9, 10].

Por outro lado, as crianças integradas em contextos de baixa qualidade encontram-se em risco de apresentarem, a longo prazo, resultados desenvolvimentais mais “pobres”, incluindo apatia, falta de competências escolares e comportamentos inadequados [8]. Estes resultados reforçam a importância, para o desenvolvimento das crianças, de contextos educativos ricos em experiências que envolvem a linguagem falada ou escrita, onde são fornecidas às crianças oportunidades para explorarem o ambiente e providenciados modelos construtivos de linguagem, de leitura e de aprendizagem.

Alguns recursos úteis

Vários documentos e recursos podem apoiar o desenvolvimento de práticas educativas de elevada qualidade, dos quais destaco:

Para além destes, nas mensagens publicadas neste blogue têm também sido apresentadas práticas e sugestões que poderão contribuir para a promoção da qualidade dos contextos educativos.

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Referências

[1] Barros, S., Cadima, J. Pessanha, M., Pinto, A. I., Bryant, D., Peixoto, C., & Coelho, V. (abril, 2015). Brochura para pais: O que procurar num berçário de elevada qualidade. [Parents brochure: What to look for in a high-quality infant classroom?] Disponível em www.familiacreche.ese.ipp.pt   

[2] Bairrão, J. (1998). O que é a qualidade em Portugal. In Ministério da Educação (Ed.), Qualidade e projecto na educação pré-escolar. Lisboa: Departamento de Educação Básica/Gabinete para a Expansão e Desenvolvimento da Educação Pré-escolar do Ministério da Educação.

[3] Bairrão, J., Leal, T., Abreu-Lima, I., & Morgado, R. (1997). Educação Pré-Escolar. In Ministério da Educação (Ed.), Estudos temáticos. Vol II: A evolução do sistema educativo e o PRODEP. Lisboa: Departamento de Avaliação, Prospectiva e Planeamento.

[4] Pessanha, M., Aguiar, C., & Bairrão, J. (2007). Influence of structural features on Portuguese toddler child care quality. Early Childhood Research Quarterly, 22(2), 204-214. doi: 10.1016/j.ecresq.2007.02.003.

[5] Bryant, D. M., Burchinal, M., & Zaslow, M. (2011). Empirical approaches to strengthening the measurement of quality: Issues in the development and use of quality measures in research and applied settings. In M. Zaslow, I. Martinez-Beck, K. Tout, & T. Halle (Eds.), Quality measurement in early childhood settings (pp. 33–47). Baltimore, MD: Brookes.

[6] Helmerhorst, K. O. W., Riksen-Walraven, M., Vermeer, H. J., Fukkink, R. G., & Tavecchio, L. W. C. (2014). Measuring the interactive skills of caregivers in childcare centers: Development and validation of the Caregiver Interaction Profile Scales. Early Education and Development, 25, 770–790. http://dx.doi.org/10.1080/10409289.2014.840482

[7] Weiland, C., Ulvestad, K., Sachs, J., & Yoshikawa, H. (2013). Associations between classroom quality and children’s vocabulary and executive function skills in an urban public prekindergarten program. Early Childhood Research Quarterly, 28, 199-209. doi:10.1016/j.ecresq.2012.12.002

[8] Helburn, S. W., & Howes, C. (1996). Child care cost and quality. The Future of Children Financing Child Care, 6(2), 62-82.

[9] Burchinal, M., Magnuson, K., Powell, D., & Hong, S. S. (2015). Early childcare and education. In M. Bornstein, R. Lerner, & T. Leventhal (Eds.), Handbook of child psychology and developmental science (Vol. IV) (pp. 223–267). New York, NY: Wiley Press.

[10] Vandell, D. L., Belsky, U., Burchinal, M., Steinberg, L., NICHD, & ECCRN (2010). Do effects of early child care extend to age 15 years? Results from the NICHD Study of Early Child Care and Youth Development. Child Development, 81 (3), 737-756. http://dx.doi.org/10.1111/j. 1467-8624.2010.01431.x

[11] Lopes da Silva, I. (Coord.) (2016). Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar. Lisboa: Ministério da Educação/Direção-Geral da Educação (DGE).

[12] Instituto de Segurança Social (2010). Manual de Processos-Chave – Creche (2ª Edição). Lisboa: ISS, I.P.

[13] National Association for the Education of Young Children (2009). Developmentally appropriate practice in early childhood programs serving children from birth through age 8. Positions statement. Washington, D.C.: NAYEC.

[14] Organisation for Economic Co-operation and Development (2019). Providing quality early childhood education and care: Results from the Starting Strong Survey 2018. Paris: TALIS, OECD. https://doi.org/10.1787/301005d1-en.

A qualidade é fundamental? Eis a questão!

Manuela Pessanha

Doutorada em Psicologia pela Universidade do Porto, em 2006, com a tese “Vulnerabilidade e resiliência no desenvolvimento dos indivíduos: Influência da qualidade dos contextos de socialização no desenvolvimento das crianças”. Docente na Escola Superior de Educação, Politécnico do Porto, na área de Psicologia, lecionando disciplinas na área da Psicologia do Desenvolvimento e da Educação.

Um comentário sobre “A qualidade é fundamental? Eis a questão!

  • 23/11/2021 at 23:51
    Permalink

    A brochura publicada em 2021 “Planear e Avaliar na educação pré-escolar” da responsabilidade do Ministério da Educação/Direção-Geral da Educação (DGE) é um documento bem estruturado para o educador de infância, que se sustenta nas Orientações Curriculares para a educação pré-escolar. Traz um novo olhar face à educação de infância , no que toca à tarefa de planear e avaliar, colocando a avaliação como ” um direito fundamental de cada criança e jovem”.

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