Na semana passada comemorámos o Dia dos Namorados, em que se faz a ode ao amor. Esta semana trazemos-lhe um amor diferente: O “amor profissional”.
“As famílias com as quais trabalhamos diretamente, que conhecem o nosso trabalho, percebem que há uma relação de muito amor, porque nós damos amor, nós transmitimos isso e, para mim, educar é amar”.
Esta foi uma afirmação de uma educadora de infância, no decorrer de um grupo focal sobre profissionalismo em salas de berçário. Numa mensagem anterior, já aqui se escreveu sobre a importância da qualidade dos contextos educativos para o desenvolvimento na infância, salientando-se as dimensões de processo e de estrutura. Dentro da dimensão de processo, as interações que se estabelecem entre profissionais e crianças são consideradas determinantes-chave da qualidade dos contextos de educação de infância, enfatizando-se, assim, a criação de vínculos afetivos entre crianças e profissionais [1].
Mas será que podemos ou devemos incluir a palavra “amor” para caracterizar os vínculos afetivos entre profissionais e crianças? Serão esses relacionamentos uma forma de amor? Será que podemos ou devemos contemplar o amor como um dos aspetos do profissionalismo em educação de infância? Estas podem ser questões controversas mas se servirem para refletirmos sobre as interações que estabelecemos com as crianças sob os nossos cuidados ou sobre os aspetos do profissionalismo em educação de infância, então, já cumprimos o objetivo!
Afinal o que é o amor profissional?
Ao examinar as fronteiras entre o amor e o profissionalismo, Page [4] conceptualiza o “amor profissional”.
Este é constructo bastante complexo uma vez que a definição de amor é situacional – situada nas experiências e contextos dos que nele participam – pessoal [4] e, simultaneamente, relacional, correspondendo àquilo que as pessoas dizem ser relativamente a um “outro” ou a algo, podendo ser analisado à luz de diferentes perspetivas.
Dando liberdade às diferentes definições de amor, ao invés de o situar dentro de um ponto de vista único, podemos dizer que o “amor profissional”, sendo diferente do amor familiar dos pais, é uma outra forma de amor, resultante da construção e manutenção de relacionamentos afetivos, autênticos e recíprocos que se estabelecem entre crianças, profissionais e pais [4].
Este constructo, ao contemplar as figuras paterna e materna enquanto unidade, implica a existência de um acordo mútuo entre todos os envolvidos no “triângulo do amor” – criança, profissional e pais – que pode surgir explicitamente através da comunicação verbal, baseada na premissa que o amor e o cuidado são aspetos imprescindíveis na educação da criança ou através de meios mais implícitos, como por exemplo, através dos valores e missão da instituição educativa [4].
De acordo com esta perspetiva [4], importa que o profissional:
- Saia do seu quadro de referências pessoais de forma a refletir sobre as consequências das suas interações com os “outros” incluídos no “triângulo do amor”. Um passo exigente que implica autoconsciência e capacidade de reflexão – intelectual e emocional – de forma contínua e crítica;
- Se descentralize de si e das suas necessidades, agindo de acordo com as necessidades dos “outros”;
- Mergulhe nas necessidades dos “outros” investindo continuamente na intimidade emocional do relacionamento privilegiando a autenticidade e a reciprocidade [4].
Dando centralidade à necessidade de o profissional ser intelectual e emocionalmente capaz, de forma a reconhecer os desafios que essa proximidade profissional acarreta, assim como as tensões que pode gerar nos outros, particularmente nos pais, o “amor profissional” deve ser conceptualizado como um aliado do amor familiar uma vez que é seu complementar e facilitador dos relacionamentos que se estabelecem entre todos os envolvidos no “triângulo do amor” [4].
Ainda assim, de acordo com a complexidade que caracteriza a prática pedagógica em creche e jardim de infância consideramos que o amor, por si só, não é suficiente. É necessário formação académica – conhecimentos teóricos e prática supervisionada – conhecimento experiencial e oportunidades de desenvolvimento profissional contínuo que incentivem o pensamento crítico e a reflexão sobre estes relacionamentos que se afiguram cada vez mais complexos [5].
Concorda com esta perspetiva? Considera que o “amor profissional” deve ser um aspeto central do profissionalismo e do discurso pedagógico dos/as profissionais que trabalham em educação de infância? Como descreve o que sente pelas crianças que estão sob os seus cuidados? Considera que os pais querem que os profissionais amem os seus filhos?
Mensagem escrita por Bárbara Tadeu, em parceria com Marina Fuertes
Referências
[1] Portugal, G. (2011). No âmago da educação em creche: O primado das relações e a importância dos espaços. Conselho Nacional de Educação: A educação das crianças dos 0 aos 3 anos. Estudos e seminários, 47-70. Lisboa: CNE. Disponível em http://www.cnedu.pt/pt/publicacoes/estudos-e-relatorios/outros/786-educacao-das-criancas-dos-0-aos-3-anos
[2] Elfer, P. (2015). Emotional aspects of nursery policy and practice: Progress and prospect. European Early Childhood Education Research Journal, 23(4), 497-511. Disponível em https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/1350293X.2013.798464
[3] Osgood, J. (2010). Reconstrucing professionalism in ECEC: The case for the critically reflective emotional professional. Early Years, 30(2), 119-133. Disponível em https://www.tandfonline.com/doi/10.1080/09575146.2010.490905
[4] Page, J. (2018). Characterising the principles of professional love in early childhood care and education. International Journal of Early Years Education, 26 (2), 125-141. Disponível em https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/09669760.2018.1459508
[5] Elfer, P. (2015, 22 maio). Love is no longer all you need [Blog]. Disponível em https://www.nurseryworld.co.uk/opinion/article/love-is-no-longer-all-you-need
Naturalmente que em tudo o que fazemos temos de colocar amor. Ainda mais numa profissão como a nossa, que todos os dias recebe amor incondicional das pessoas pequenas que nos preenchem os dias.
Todos temos dias cinzentos ou menos conseguidos, mas mesmo nesses dias, em que pode faltar algo na nossa prática, o amor deve estar lá. Como mãe, nada me faz mais feliz do que saber que os meus filhos são amados na escola e como Educadora, sei que amo as crianças que vão passando por mim , cada uma à sua maneira. Amo-as e a minha forma de lhes dar esse amor é tentar que sejam felizes no tempo que passam comigo na creche. As suas famílias precisam também de sentir que os seus filhos são amados por nós, claro que em dimensões diferentes, não há só um tipo de amor…. É importante para mim passar essa segurança aos pais das crianças da creche.
Obrigada Andreia pela sua reflexão tão cheia de amor. Ao apresentar as suas perspetivas enquanto profissional e enquanto mãe dá um enorme contributo para a discusssão sobre esta temática. Amor, felicidade e segurança são, sem dúvida, três palavras-chave que enriquecem esta discussão. Muito obrigada.
Parabéns pelo artigo e pela abordagem que faz sobre uma matéria tão sensível e tão pertinente no âmbito do contexto educativo da creche. Para mim, aquilo que é mais importante e que mais valorizo na minha intervenção educativa é a qualidade da vinculação , pois esta dimensão tem um enorme impacto nas interações entre crianças e adultos e consequentemente favorece um processo de aprendizagem e de estabilidade emocional muito mais eficaz, numa fase tão precoce do desenvolvimento das crianças.
Olá Helena, obrigada pelas suas tão atenciosas palavras. Ainda assim, tenho de referir que o mérito é todo da Professora Jools Page que foi quem conceptualizou o constructo do amor profissional, eu apenas o proponho enquanto reflexão. Obrigada pela sua partilha e pela articulação que faz entre qualidade da vinculação, interações e aprendizagens, ou seja, entre cuidados e educação.