O desenvolvimento das crianças encontra-se fortemente associado à qualidade das interações que elas estabelecem com as pessoas importantes da sua vida, dentro e fora da família. Nesta mensagem, discutiremos como essas interações são relevantes para o desenvolvimento da arquitetura cerebral e como a educação de infância pode ter um impacto relevante neste processo [1, 2, 3].

O que é a arquitetura cerebral?

A arquitetura do cérebro é composta por biliões de conexões entre neurónios em diferentes áreas do cérebro. Essas conexões permitem a comunicação rápida entre neurónios especializados nas mais diversas funções cerebrais [4]. 

Os primeiros anos de vida são os mais ativos para o estabelecimento destas ligações neurais, embora se possam formar novas conexões ao longo da vida. As ligações não utilizadas são eliminadas. Como este processo dinâmico nunca pára, é impossível determinar que percentagem do desenvolvimento cerebral ocorre numa determinada idade. Mais importante de reter, é que a qualidade das conexões que se formam precocemente fornece a base para as que se formam posteriormente [5].

Sobre o tema existem vários recursos que pode consultar no sitio em linha do Center of Developing Child da Harvard Medical School.

Influência da educação no desenvolvimento da arquitetura cerebral?

É possível referir um conjunto de implicações baseadas em evidências que nos fazem refletir sobre o trabalho desenvolvido nos contextos de educação de infância. Deixamos cinco particularmente dignas de consideração:

  • A “simples” interação de “dar e receber” entre adultos e bebés – as crianças interagem através de tagarelices, expressões faciais e gestos e os adultos respondem com o mesmo tipo de vocalizações e gesticulações – constrói e fortalece a arquitetura do cérebro [12]. 
  • A “qualidade” em educação de infância pode também ser considerada quando analisamos o efeito das interações entre a criança e os adultos no desenvolvimento infantil. A importância de garantir que estas interações sejam estimulantes, responsivas e recíprocas orienta a discussão para as competências relacionais dos/as educadores/as e a sua relação com o desenvolvimento da arquitetura do cérebro [9, 10, 11].
  • Interações seguras e estáveis com educadores/as tendem a promover a regulação da satisfação das necessidades das crianças. Esta estabilidade e segurança, quando ocorrem num contexto com rotinas diárias previsíveis e estáveis, podem contribuir para o desenvolvimento saudável da arquitetura do cérebro, [13].
  • O conceito de prontidão escolar não se traduz exclusivamente na promoção de competências numéricas e de literacia. Pelo contrário, aparece associado à capacidade de as crianças formarem e manterem interações positivas com adultos e outras crianças e, ainda, de desenvolverem competências sociais e emocionais para cooperarem com os outros [6, 7]. 
  • É importante que os nos contextos de educação de infância as crianças sejam envolvidas em interações recíprocas de aprendizagem com adultos e pares, em vez de num trabalho “pré-académico” que siga uma agenda determinada apenas pelos adultos [8, 12].

Para refletirmos…

  1. Nos nossos contextos de educação de infância, valorizamos suficientemente a qualidade das interações entre adultos e crianças, ou focamo-nos sobretudo no desenvolvimento de competências “pré-académicas”?
  2. Como equilibramos e/ou gerimos as expectativas das famílias quanto à “prontidão escolar” focada no desenvolvimento de competências académicas e na aprendizagem de conteúdos?

Referências

[1] Collins, W.A., & Laursen, B. (1999). Relationships as developmental contexts. The Minnesota Symposia on Child Psychology, Vol. 30. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates. 

[2] Dunn, J. (1993). Young children’s close relationships: Beyond attachment. Newbury Park, CA: Sage Publications.

[3] Reis, H. T., Collins,W. A. & Berscheid, E. (2000). Relationships in human behavior and development. Psychological Bulletin, 126(6), 844-872. 

[4] Dawson, D., & Fischer, K. W. (Eds.) (1994). Human behavior and the developing brain. New York: Guilford Press.

[5] Panksep, J. (1998). Affective neuroscience. New York: Oxford.

[6] Pianta, R. C., Steinberg, M., & Rollins, K. (1997). The first two years of school: Teacher-child relationships and deflection in children’s school adjustment. Development and Psycholopathology, 9, 63-79.

[7] Stipek, D. (2004). The early childhood classroom observation measure. Unpublished manuscript, Stanford University.

[8] Waldfogel, J.,Higuchi, Y., & Abe, M.(1999). Family leave policies and women’s retention after childbirth: Evidence from the United States, Britain, and Japan. Journal of Population Economics, 12, 523-545.

[9] Phillips, D., Mekos, D., Carr, S., McCartney, K., & Abbott- Shim, M. (2000). Within and beyond the classroom door: Assessing quality in childcare centers. Early Childhood Research Quarterly, 15(4)475-496.

[10] NICHD Early Child Care Research Network (1996). Characteristics of infant childcare: Factors contributing to positive caregiving. Early Childhood Research Quarterly, 11(3)269-306.

[11] NICHD Early Child Care Research Network (2000). Characteristics and quality of childcare for toddlers and preschoolers. Applied Developmental Science, 4(3), 116-125.

[12] Shonkoff, J. P., & Phillips, D. (Eds.) (2000). From neurons to neighborhoods: The science of early childhood development. Committee on Integrating the Science of Early Childhood Development.Washington, DC: National Academy Press. 

Arquitetura do cérebro e Educação de Infância
Marcações            

Tiago Almeida

Licenciado, Mestre e Doutorado em Psicologia Educacional. Atualmente é Professor Adjunto na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Lisboa. Tem como interesses o brincar de crianças pequenas com e sem incapacidade e o estudo da genealogia das representações de criança e infância. Adora ler romances russos nos intervalos de longas pedaladas de BTT.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *