Em 1994, Dunst et al. [1] redigiram um capítulo de livro intitulado Enabling and empowering families. Este capítulo viria a ser estruturante a guiar as práticas de intervenção precoce na infância. Em Portugal não foi exceção. Estes dois conceitos chave foram traduzidos, nalguma bibliografia nacional, por capacitar e empoderar as famílias. A interpretação destes conceitos pode pautar a atuação dos/as profissionais. Neste post, revemos as bases da teoria e relacionamos com a prática.

Capacitar ou sentir-se capaz?

Na perspetiva de Dunst et al. [2], o empowering das famílias é a construção interna de um sentido de controlo, poder e autoeficácia resultante de experiências críticas. Numa mudança de paradigma profissional, o/a profissional passa a partilhar o seu poder com todos/as os/as envolvidos/as. Enabling corresponde ao desenvolvimento, ou reforço, do sentimento de competência resultante de experiências significativas e enriquecedoras. Esta é uma perspetiva centrada na família. As escolhas e o envolvimento da família na obtenção de recursos e na concretização dos seus objetivos, resultarão num sentimento de autoeficácia [2]. Com efeito, no quadro da family systems intervention model [5], a palavra capacitar não é focada nos/as profissionais, ou seja, não “cabe aos profissionais capacitar ou ajudar a capacitar as famílias”.

Em alternativa, numa perspetiva centrada nos/as profissionais de intervenção precoce, estes/as profissionais apoiam as famílias a reconhecer os seus problemas e as suas dificuldades e cabe-lhes ajudá-las a superarem essas dificuldades, capacitando-as. Por exemplo, o/a profissional verifica que a família não apresenta rotinas regulares e desenvolvimentalmente adequadas para a criança. Face ao diagnóstico do/a profissional, este/a ajuda a família a reconhecer esta necessidade e capacita-a para desenvolver novas rotinas. Ora, se entendida numa lógica de práticas centradas na família, o papel ativo é desempenhado pela família e não pelos/as profissionais. Numa lógica de intervenção precoce de terceira geração, os/as profissionais OUVEM as preocupações e necessidades das famílias, ajudam a família a reconhecer as suas FORÇAS e as da criança, estabelecem com a família uma relação de CONFIANÇA e, posteriormente, um plano de intervenção em coresponsabilização e PARCERIA, unem esforços e valorizam as suas conquistas [3].

Os/as profissionais motivados/as para capacitar as famílias, referem frequentemente que as famílias “estão em negação” porque não reconhecem os seus problemas ou incapacidades (e os da criança), não implementam as soluções sugeridas e demoram a reconhecer que os/as profissionais têm razão [6]. No entanto, a proposta de Dunst et al. [3, 4] apresenta uma perspetiva distinta (Ver quadro 1).

Práticas centradas na famíliaImpacto nas crenças da família (empowering and enabling)Melhorias esperadas
Práticas relacionais – práticas baseadas nas forças, capacidades e competências da criança e dos elementos da equipa (família, profissionais e elementos da comunidade) e baseada em relações de confiança e apoio mútuo.  

Práticas participadas – todos/as os/as envolvidos/as na intervenção (criança, família, profissionais e outros) são envolvidos/as nas escolhas e tomadas de decisão.
Sentimento de controlo pessoal

Atribuições de autoeficácia  

Expectativas positivas sobre os resultados
Satisfação com a intervenção

Sensibilidade parental/cuidados

Qualidade do funcionamento e coesão da família

Recursos e apoios disponíveis à família

Bem-estar de todos/as

Comportamento da criança
Adaptado de Dunst et al. [3]

Capacitação profissional

Pode ser difícil tentar capacitar outros, até mesmo frustrante, mas podemos trabalhar na nossa capacitação (no nosso sentimento de eficácia e autoimagem de competência) através de formação profissional, participação em redes profissionais e aprendendo com as famílias. A capacitação profissional permitirá compreender a singularidade de cada criança e da sua família, ouvir as suas necessidades e preocupações e acompanhá-las na implementação das suas soluções.

A intervenção precoce de terceira geração procura dar voz, poder, força, confiança nas suas competências e sucesso na concretização dos seus objetivos às famílias, com vista a melhorar a qualidade de vida, bem-estar, relações e desenvolvimento da criança [1].

Algumas ideias para a prática. Fico a aguardar as suas!

  • Desenvolver um mapa de forças, conquistas e objetivos futuros com cada família;

  • Após cada visita domiciliária, fazer registos (notas de campo, diários reflexivos, etc.) sobre questões chave como:
    • o que aprendi hoje sobre e com a criança e a família que visitei?
    • que avanços observei no comportamento da criança e da família?
    • e que preocupações sinto?

  • Esta informação poderá “alimentar” a sessão seguinte com uma devolução positiva e construtiva à criança e à sua família.

  • Por outro lado, para além de fazer registos sobre a família, o/a profissional pode verificar como as suas conceções evoluíram ao longo do processo de intervenção. Na esteira dos princípios Touchpoint, podemos pensar: o que trago para a interação?

Referências

[1] Dunst, C. & Trivette, C. (2009). Capacity-building family-systems intervention practices. Journal of Family Social Work, 12, 119-143. Doi: 10.1080/10522150802713322.

[2] Dunst, C. J., Trivette, C. M., & Deal, A. G. (1994). Enabling and empowering families. In C. J. Dunst, C. M. Trivette, & A. G. Deal (Eds.), Supporting & strengthening families, Vol. 1. Methods, strategies and practices (pp. 2–11). Brookline Books. (Reprinted in modified form from C. Dunst et al, “Enabling and Empowering Families,” Cambridge, MA: Brookline Books, 1988).

[3] Dunst, C. J., Trivette, C. M., & Hamby, D. W. (2006). Technical manual for measuring and evaluating family support program quality and benefits (Winterberry Monograph Series). Winterberry Press.

[4] Dunst, C. J., Trivette, C. M., & Hamby, D. W. (2007). Meta-analysis of family-centered helpgiving practices research. Mental Retardation and Developmental Disabilities Research Reviews, 13, 370–378.

[5] Dunst, C. J., Trivette, C. M., & Hamby, D. W. (2010). Influences of Family-systems intervention practices on parent-child interactions and child development. Topics in Early Childhood Special Education, 30, 3-19. Doi: 10.1177/0271121410364250.

[6] Oliveira, A. (2018). Dificuldades dos pais na aceitação da deficiência dos seus filhos frente a descoberta do diagnóstico. Psicologia.pt – O Portal dos Psicólogos.

Capacitar as famílias ou criar oportunidades para se sentirem capazes?

Marina Fuertes

Marina Fuertes é Professora Coordenadora com Agregação da Escola Superior de Educação (Instituto Politécnico de Lisboa) e membro integrado do Centro de Psicologia da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP). É doutorada e mestre em Psicologia com pós-doutoramento na Harvard Medical School. Obteve vários financiamentos e prémios científicos tendo publicado diversos artigos – recentemente na Developmental Psychology.

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