Participação como um direito: 3 aspetos importantes

  • O que é o direito à participação? Segundo a Convenção sobre os Direitos das Crianças [1], todas as crianças, independentemente da idade ou maturidade, têm o direito de expressar livremente as suas ideias e perspetivas, vendo-as respeitadas e consideradas, e participando assim nos assuntos e decisões que lhes dizem respeito. Por remeter para uma conceção da criança enquanto sujeito de direitos, dotado de agência e de competências para participar e influenciar decisões, o direito à participação das crianças é um dos mais revolucionários e inovadores [2, 3].
  • Porque deve ser promovido? A promoção deste direito é considerada um investimento no bem-estar das crianças, para além de contribuir para sociedades mais justas e democráticas [4]. Por este motivo, Instituições, como o Conselho da Europa [5], as Nações Unidas [6] e a União Europeia [7], recomendam que seja encorajada desde as idades mais precoces. O contexto de educação de infância é privilegiado para a promoção da participação, sendo esta descrita como um indicador importante da qualidade destes contextos [8, 9].
  • Porque não é ainda uma realidade? O direito à participação é um dos menos promovidos [10]. Tal deve-se à maior atenção dada, ao longo do tempo, aos direitos à provisão (e.g., acesso à saúde ou à educação) e à proteção (e.g., de abuso ou negligência), mas também a dificuldades sentidas pelos/as próprios/as profissionais (e.g., existência de barreiras à participação, como o volume de trabalho ou a falta de conhecimento sobre estratégias e práticas de participação diversificadas). Importa, por isso, refletir sobre formas práticas de promover a participação.

Como podem, então, os/as profissionais de educação de infância promover este direito? Já aqui escrevemos, anteriormente, sobre o direito à participação, as perspetivas de educadores/as de infância sobre este direito, ou ainda sobre as perspetivas das crianças relativamente às suas experiências em tempos de pandemia. Hoje propomos uma reflexão em torno de um modelo para promoção da participação.

O modelo de participação de Lundy: 4 dimensões fundamentais

Existem vários modelos de participação que a têm procurado definir, contribuindo para a sua implementação. O modelo de Lundy [11], amplamente utilizado nos contextos de proteção e de educação, é recomendado pela Comissão Europeia [12] e foi incluído, por exemplo, na Estratégia de Participação da Irlanda do Norte [13]. Assente no pressuposto de que os/as profissionais desempenham um papel fundamental na criação de oportunidades de participação, o modelo prevê a existência de quatro dimensões: espaço, voz, audiência e influência [11].

Especificamente,

  • A dimensão espaço sugere a necessidade de assegurar o acesso a um espaço seguro e inclusivo, que permita às crianças formar e expressar as suas ideias e perspetivas, de uma forma confortável;
  • A dimensão voz remete para a necessidade de informar as crianças e de as encorajar a expressarem as suas ideias, assegurando variadas formas de expressão (e.g., partilha de ideias, desenho, silêncios);
  • A dimensão audiência refere-se à importância de assegurar que adultos com responsabilidade nos processos de tomada de decisão constituem uma audiência para as ideias e propostas das crianças (e.g., realização de assembleias);
  • A dimensão influência, por seu turno, diz respeito à consideração efetiva das ideias das crianças, permitindo-lhes influenciar, sempre que possível, as decisões que lhes dizem respeito e sendo informadas sobre as consequências da sua participação.

Os contextos de educação de infância envolvem profissionais com diferentes funções, tais como educadores/as, assistentes e coordenadores/as, sendo a colaboração entre todos/as essencial para que exista uma visão partilhada e um alinhamento de objetivos e de estratégias favoráveis à participação das crianças. Neste sentido, a existência de uma dimensão organizacional, em paralelo às propostas pelo modelo, é igualmente crucial para que ocorra mobilização e envolvimento de toda a estrutura educativa. Iniciativas e ferramentas de desenvolvimento profissional, como as propostas pelo projeto Erasmus+ PARTICIPA, poderão ser particularmente úteis para que a participação das crianças possa ser, cada vez mais, uma realidade.

Propostas de reflexão

  • Na sua instituição e/ou na sua sala, existe um espaço participativo que encoraje a expressão das vozes das crianças? As crianças têm a oportunidade de se expressarem de múltiplas formas, de acordo com as suas características, necessidades e preferências?
  • Na sua instituição/sala, existe uma audiência das ideias e perspetivas das crianças, por parte dos/as adultos/as responsáveis por tomar decisões? As crianças são consideradas nas decisões que estão a ser planeadas e discutidas? Podem, efetivamente, exercer influência nos assuntos que lhes dizem respeito?
  • Os/as vários/as profissionais articulam e cooperam, entre si, para promoverem a participação das crianças (e.g., refletem em conjunto, partilham estratégias)? Existe, também, articulação com as famílias das crianças ou com a comunidade local, para que a participação possa ser promovida de uma forma transversal, nos diversos contextos?

Partilhe connosco as suas perspetivas e experiências!

Referências

[1] Nações Unidas (1989). The United Nations convention on the rights of the child. Nações Unidas.

[2] Corsaro, W. (2005). The sociology of childhood. Pine Forge Press.

[3] Lansdown, G. (2005). Can you hear me? The right of young children to participate in decisions

affecting them (Working papers in early childhood development No. 36). Bernard van Leer Foundation.

[4] Comissão Europeia (2013). Investing in children: Breaking the cycle of disadvantage. Official

Journal of the European Commission. Disponível em https://ec.europa.eu/social/main.jsp?catId=89&langId=pt&newsId=2061

[5] Conselho da Europa (2017). Young people’s access to rights. Recommendation CM/Rec (2016)7and explanatory memorandum. Disponível em https://rm.coe.int/1680702b6e

[6] Comité das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças. (2005). General comment No 7: Implementing child rights in early childhood. Disponível em https://www.refworld.org/docid/460bc5a62.html

[7] União Europeia (2021) Estratégia da União Europeia sobre os Direitos da Criança. Disponível em https://ec.europa.eu/info/law/better-regulation/have-your-say/initiatives/12454-Estrategia-da-UE-sobre-os-direitos-da-crianca-2021-24-_pt

[8] Correia, N., Carvalho, H., Durães, J., & Aguiar, C. (2020). Teachers’ ideas about children’s participation within Portuguese early childhood education settings. Children and Youth Services Review, 111, 104845. doi:10.1016/j.childyouth.2020.104845

[9] Sheridan, S. (2007). Dimensions of pedagogical quality in preschool. International Journal of Early Years Education, 15(2), 197-217. doi:10.1080/09669760701289151

[10] Habashi, J., Wright, L., & Hathcoat, J. D. (2012). Patterns of human development indicators across constitutional analysis of children’s rights to protection, provision, and participation. Social Indicators Research, 105(1), 63-73. doi:10.1007/s11205-010-9763-8

[11] Lundy, L. (2007). ‘Voice’ is not enough: Conceptualising Article 12 of the United Nations convention on the rights of the child. British Educational Research Journal, 33(6), 927-942. doi:10.1080/01411920701657033

[12] Comissão Europeia (s.d.). The Lundy model of child participation. Disponível em https://ec.europa.eu/info/sites/default/files/lundy_model_of_participation.pdf

[13] Tusla Child and Family Agency (2015). Toward the development of a Participation Strategy for Children and Young People. National Guidance & Local Implementation. Child and Family Agency. Disponível em https://www.tusla.ie/uploads/content/toward_the_development_of_a_participation_strategy_0.pdf

Promover a participação das crianças? Sim, mas como?

Nadine Correia

Investigadora no Iscte – Instituto Universitário de Lisboa. Licenciada e doutorada em Psicologia, com mestrado em Política Social. Tem como principais interesses de investigação o direito das crianças à participação, a qualidade dos contextos de educação de infância, e o desenvolvimento sociocognitivo das crianças.

2 comentários sobre “Promover a participação das crianças? Sim, mas como?

  • 21/04/2022 at 21:44
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    Somos alunas do Mestrado em Educação pré-escolar e 1ºCEB da Escola Superior de Educadores de Infância Maria Ulrich/ ISPA e foi nos proposto um trabalho na unidade curricular de Intervenção Precoce da docente Ana Teresa Brito, com o objetivo de pegar num tema do blog à nossa escolha, trabalhá-lo e fazer um comentário para colocar no blog. Para o nosso grupo fazia mais sentido dar resposta às perguntas que foram colocadas no artigo, do que fazer apenas um comentário acerca do tema. Para nós enquanto grupo achamos que ter um espaço participativo é importante, mas ainda mais importante é ter um tempo participativo, um debate em sala de aula também se torna interessante para ver como as crianças trabalham em grupo e a opinião que cada uma dá. O dar voz não significa apenas que a criança tem de falar, ela própria pode-se expressar de outras formas e estar a ser participativa e através disso o educador também consegue perceber as características de cada criança. Hoje em dia a participação da criança é cada vez mais tida em conta, mas mesmo assim ainda precisamos de melhor esse aspecto, porque a criança vai nos dizer aquilo que pensa, e a relação entre o educador e a criança torna-se mais forte porque a criança sente-se valorizada. As decisões de sala devem ser feitas com o grupo de crianças porque são elas que constituem aquela sala, tal como os trabalhos que vão fazer, não precisam de ser iguais para todos porque nem todas as crianças gostam de alguns trabalhos que são feitos em sala, os trabalhos devem ser feitos conforme o gosto da criança porque não é por um trabalho ser diferente que aquela criança não está a trabalhar o mesmo aspeto que o resto do grupo. Os profissionais devem de trabalhar em grupo, quer seja em coordenação com a instituição, mas também com a comunidade e as famílias. Nós como profissionais temos a obrigação de preparar as crianças para o “mundo”, para viverem em sociedade e por isso mesmo precisamos de todos neste caminho, principalmente precisamos do apoio das famílias para conseguirmos corresponder às expectativas. A preparação dos profissionais também é importante porque hoje em dia ainda existem muitos profissionais que não se centram na criança e não têm em conta a opinião da mesma, a questão é: como é que esses profissionais podem ser ajudados? Como é que nós podemos ajudar? Estamos sempre aprender uns com os outros. TRABALHO EM EQUIPA!

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    • 03/05/2022 at 12:13
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      Muito obrigada pelo comentário e pela escolha desta mensagem!
      A participação das crianças é de facto complexa, e a sua promoção implica a criação de condições para que possa ocorrer, sempre através de uma atitude positiva, atenta e sensível por parte dos profissionais, e de uma constante adequação às características, interesses e preferências das crianças (desde as idades mais precoces!). Para que se efetive e as crianças possam beneficiar de experiências de participação, é extremamente importante, como referem, o fornecimento de informação sobre este direito, tanto a adultos como às próprias crianças, e muita partilha (de objetivos, estratégias, recursos) e trabalho em equipa!
      Caso seja útil para o trabalho, poderei partilhar mais recursos sobre este tema. No âmbito do projeto PARTICIPA, referido na mensagem, será organizado, este mês, um evento precisamente para promover esta troca de recursos e de práticas, entre profissionais e outros interessados (mais informação em https://www.facebook.com/events/417707559686345).
      Deixamos, desde já, o convite à participação!
      Até breve!

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