A alimentação das crianças mais novas, em diversos contextos, é uma preocupação constante de profissionais de educação de infância e das famílias. Um conhecimento atualizado pode apoiar o desenvolvimento de práticas mais saudáveis. Assim, convidámos um nutricionista, o Dr. João Rodrigues, para escrever uma mensagem sobre um tema que lhe parecesse relevante, considerando a sua experiência no trabalho com crianças, famílias e outros profissionais. Em tempo de calor e férias (ou quase!), fica o convite para lerem e comentarem a mensagem “O lado agridoce dos refrigerantes e sumos sem açúcar”.
Apesar de estarmos a viver uma época dourada na nutrição, e a prova disso mesmo são os esforços que têm sido feitos no sentido de limitar a exposição das crianças ao consumo, publicidade e venda de produtos pouco saudáveis, o problema da má-alimentação está claramente longe de estar controlado. Se por um lado nunca houve tanta preocupação como agora, também não é menos verdade que nunca existiu tanta disponibilidade e variedade de produtos alimentares, com propriedades nutricionais muito diferentes…
Neste contexto, há algo que não deixa grande margem para dúvidas: os refrigerantes e sumos são uma das grandes ameaças nutricionais para as crianças!
De uma maneira geral, o consumo deste tipo de produtos alimentares inicia-se em idade pré-escolar. Devido a isso, a sensibilização dos pais, profissionais de educação de infância e das próprias crianças para os riscos associados ao seu consumo deve iniciar-se o mais precocemente possível.
De acordo com o estudo EPACI [1], em Portugal, quase 40% das crianças com 18 meses já consumiu ou consome regularmente refrigerantes com gás e, no caso dos refrigerantes sem gás, essa percentagem atinge quase 90%!!! Um dos principais argumentos utilizado no sentido de tentar que o consumo deste tipo de alimentos diminua significativamente tem a ver com o facto de se tratar de “calorias vazias”, ou seja, estas bebidas fornecem quantidades significativas de calorias provenientes das elevadas doses de açúcar que contêm, mas muito poucos (ou mesmo nenhuns!) nutrientes. Além do aporte calórico desnecessário, o consumo de quantidades excessivas de açúcar aumenta ainda o risco de aparecimento de cáries dentárias e pode causar alterações significativas no controlo do apetite das crianças e na sua apetência por doces no futuro. Uma das estratégias adotadas, para minimizar o impacto que o consumo destas bebidas pode ter no desenvolvimento das crianças, é a substituição do açúcar por adoçante [2]. Mas, será que esta é a verdadeira solução para o problema? Será que com este tipo de estratégias não estamos apenas a varrer o lixo para baixo do tapete, na esperança que ninguém o encontre? Parece-me que sim…
É pior a emenda que o soneto…
Do ponto de vista calórico, o consumo de bebidas doces com adoçante vai ter um impacto imediato nas crianças, pois a quantidade de calorias ingeridas nessa bebida vai ser significativamente menor. Contudo, a médio/longo prazo os benefícios podem não ser assim tão evidentes, pois o consumo de refrigerantes/sumos com adoçante parece estar associado a um aumento significativo do consumo de calorias e açúcar por parte das crianças e adolescentes [3]. E a explicação pode ser bem mais simples do que parece. A exposição continuada ao sabor doce faz com que aumente gradualmente a necessidade de as crianças consumirem alimentos doces [4].
É preciso mudar mentalidades!
Por isso, está na hora de se perceber que o principal problema dos refrigerantes e sumos não está no açúcar presente nos mesmos, mas sim no próprio consumo deste tipo de bebidas. Assim, a bebida de eleição deve ser a água e é preciso que pais e outros educadores/cuidadores se convençam disso.
Convém ainda referir que mesmo o consumo de sumo de fruta natural é algo a não ser incentivado como substituição dos refrigerantes porque, muitas vezes, essa opção implica o consumo de quantidades exageradas de fruta e de açúcar. A fruta deve ser consumida inteira, caso contrário perde-se uma parte importante da composição nutricional da mesma. Está na hora de alterar a forma como se encara este tipo de problemas, isto é, de perceber que, se as crianças consomem muitos alimentos doces, a maneira correta de lidar com essa situação é diminuir o consumo desses alimentos, e não substituindo o açúcar por outro tipo de alternativas com sabor doce.
Este é um trabalho árduo, que exige um esforço integrado entre o contexto familiar e os contextos de creche e jardim de infância. Criar uma verdadeira consciência alimentar nas crianças é a forma mais viável de garantir um futuro mais saudável.
Partilhe a sua experiência connosco:
1. O que pensa sobre o consumo de sumos e refrigerantes durante a infância?
2. Acha que o consumo de sumos e refrigerantes deve ser permitido esporadicamente nos jardins de infância?
3. Acha que os pais estão sensibilizados para o possível impacto que os sumos e refrigerantes podem ter no desenvolvimento das crianças?
4. Como podemos envolver mais os pais nas atividades de consciencialização para uma alimentação saudável nas crianças?
Referências
[1] Graça, P., Nogueira, P. J., Silva, A. J., Rosa, M. V., Alves, M. I., Afonso, D., Portugal, A. C., Somsen, E., Martins, J., Serra, L., & Oliveira, A. L. (2013) Portugal: Alimentação Saudável em Números. Direção Geral da Saúde.
[2] Sylvetsky, A. C., Jin, Y., Clark, E. J., Welsh, J. A., Rother, K. I., & Talegawkar, S. A. (2017). Consumption of low‐calorie sweeteners among children and adults in the United States. Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics, 17, 441‐448.
[3] Sylvetsky, A. C., Figueroa, J., Zimmerman, T., Swithers, S. E., & Welsh, J. A. (2019). Consumption of low-calorie sweetened beverages is associated with higher total energy and sugar intake among children, NHANES 2011-2016.Pediatric Obesity, e12535.
[4] Rother, K. I., Conway, E. M., & Sylvetsky, A. C. (2018). How non‐nutritive sweeteners influence hormones and health. Trends Endocrinology and Metabolism, 29, 455‐467.