Frequentemente, os/as educadores/as ao apresentarem ou descreverem os comportamentos de algumas crianças com necessidades adicionais de suporte, referem: gosta de brincar sozinho/a, isola-se, gosta de passear pela sala e observar o que os/as colegas estão a fazer, vê-se que gosta de estar na sala, os/as colegas gostam muito dele/a, é muito bem aceite.
Este texto foca a interação entre pares e a sua importância para a promoção do sentido de pertença e de bem-estar de todas a crianças e, de modo particular, da criança com necessidades adicionais de suporte, apresentando, no final, um programa de treino de pares para ensinar, de um modo simples, os pares a iniciarem e manterem a interação .
O ideal da escola inclusiva, inscrito na interface entre uma agenda de direitos e um conjunto de teorias e de conhecimentos passíveis de pragmatizar esse ideário, conduziu a que cada vez mais crianças com funcionamentos diversos interajam no mesmo tempo e no mesmo espaço, funcionando o jardim-de-infância como o contexto onde, por vezes, estabelecem as primeiras interações com pares com funcionamento diferente do seu. Contudo, sabemos hoje que, se frequentar um jardim-de-infância é importante, sendo a condição necessária para cumprir a universalidade do direito aos espaços educativos comuns a todas as crianças, está longe de ser a condição suficiente para garantir uma experiência educativa de qualidade.
O que nos diz a investigação acerca das interações entre pares com e sem incapacidade?
Terão os/as educadores/as razão, quando descrevem, como referimos no início deste texto, o padrão habitual das interações das crianças com necessidades adicionais de suporte, como são aceites, gostam de estar, mas interagem pouco?
Vejamos, então, o que alguns estudos sobre as interações entre pares com funcionamento diverso no jardim-de-infância nos mostram:
- Fazer parte de um grupo inclusivo não é suficiente para promover, ou manter, nas crianças com desenvolvimento típico atitudes positivas em relação aos pares com incapacidade [1].
- As crianças com desenvolvimento típico, que têm atitudes positivas e aceitam os/as colegas, mostram maior intenção para interagir com os/as colegas com necessidades adicionais de suporte [2], mas nem sempre o fazem, pois ter atitudes positivas em relação aos outros não conduz necessariamente ao comportamento em si [3].
- As crianças com desenvolvimento atípico não interagem com frequência com os pares, pois, tendencialmente, não tomam a iniciativa [4].
- Quando os pares com desenvolvimento típico iniciam as interações ou quando os adultos (pais e/ou educadores/as) as facilitam, a situação pode melhorar [2].
- As crianças com desenvolvimento atípico tendem a desenvolver a sua competência social quando têm oportunidades para interagirem com os pares com desenvolvimento típico [5,6].
- As atitudes negativas e a baixa aceitação dos pares com incapacidade podem ser alteradas num curto espaço de tempo através da combinação da exposição direta e indireta (i.e., vídeos, fotografias…) à incapacidade, estando esta exposição associada ao desenvolvimento de atitudes positivas [1,7].
- Os /as educadores/as que têm em conta a disposição da sala, o acesso aos materiais e que planificam atividades que não limitam a participação das crianças com incapacidade , contribuem para o desenvolvimento das relações entre os pares, com e sem incapacidade [8].
Uma análise conjunta destes resultados sugere a existência de predisposição para a interação dos pares com desenvolvimento típico com os colegas com incapacidade, e que o/a educador/a pode funcionar como um facilitador dessa interação, contribuindo para um contexto promotor de desenvolvimento para todos. Dito de outro modo, a intervenção intencional dos/as educadores/as, é fundamental para promover ou manter nas crianças com desenvolvimento típico atitudes positivas em relação aos pares com incapacidade.
Não admira, por isso, que ensinar competências de interação às crianças com desenvolvimento típico seja uma das estratégias mais utilizadas para promover a interação entre pares. Essas competências vão desde ensinar a iniciar e manter as interações até à promoção da aceitação e da amizade [9].
De entre os vários programas de intervenção mediada pelos pares existentes, para este texto escolhi o Stay, Play and Talk (Fica, Brinca e Fala), por ser fácil – as sessões de treino ocorrem durante as atividades – e por produzir resultados evidentes e duradouros nas interações sociais das crianças [10,11].
O programa decorre em três fases:
1- Fica com o/a teu/tua amigo/a: ensine a ir ter com o/a colega; chamar por ele/a; se não responder, tornar a chamar; convidar para brincar; se responder sim, deixar escolher a brincadeira, ou perguntar ao que quer brincar. Ensinar que para brincar é preciso, antes de tudo, ir ter com o/a amigo/a e permanecer junto dele/a.
2- Brinca com o/a teu/tua amigo/a: ensine a criança a brincar com o/a amigo/a, ou a envolver-se com brinquedos idênticos ou no mesmo jogo. Ensinar que para brincar em conjunto, é preciso partilhar os brinquedos, esperar que o/a colega inicie o jogo ou iniciar e ajudar o/a colega a jogar;
3- Fala com o/a teu/tua amigo/a: ensine a falar sobre a brincadeira, sobre o que estão a fazer, a fazer sugestões ou a responder aos esforços do/a amigo/a para comunicar. Ensinar que para manter o brincar é preciso falar acerca do que está a ocorrer.
Este programa pode ser desenvolvido com todas as crianças, como treino de sensibilização e de promoção das interações no grupo, ou pode ser utilizado de um modo particular com alguns pares para servirem de mediadores nas interações com colegas com necessidades adicionais de suporte mais específicas.
Sugerimos a visita ao site do programa, onde estão disponíveis as estratégias de implementação com vídeos específicos para cada fase.
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Manuela Sanches-Ferreira, Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto
Referências
[1] Favazza, P. C., & Odom, S. L. (1997). Promoting positive attitudes of kindergarten-age children toward people with disabilities. Exceptional Children, 63, 405–418.
[2] Hong, S., Kwon, K., & Jeon, H. (2014). Children’s attitudes towards peers with disabilities: Associations with personal and parental factors. Infant and Child Development, 23, 170–193. doi: 10.1002/icd.
[3] Dyson, L. L. (2005). Kindergarten children’s understanding of and attitudes toward people with disabilities. Topics in Early Childhood Special Education, 25(2), 95-105. doi: 10.1177/02711214050250020601.
[4] Odom, S., Zercher, C., Li, S., Marquart, J., Sandall, S., & Brown, W. (2006). Social acceptance and rejection of preschool children with disabilities: A mixed-method analysis. Journal of Educational Psychology, 98, 807–823. doi: 10.1037/0022-0663.98.4.807
[5] Guralnick, M. J., Neville, B., Hammond, M. A., & Connor, R. T. (2007). The friendships of young children with developmental delays: A longitudinal analysis. Journal of Applied Developmental Psychology, 28(1), 64–79. doi: 10.1016/j.appdev.2006.10.004
[6] Kwon, K.-A., Elicker, J., & Kontos, S. (2011). Social IEP objectives, teacher talk, and peer interaction in inclusive and segregated preschool settings. Early Childhood Education Journal, 39(4), 267–277. doi:10.1007/s10643-011-0469-6
[7] Nikolaraizi, M., Poonam, K., Favazza, P., Sideridis, G., Koulousiou, D., & Riall, A. (2005). A cross-cultural examination of typically developing children’s attitudes toward individuals with special needs. International Journal of Disability, Development, and Education, 52(2), 101-119. doi: 10.1080/10349120500086 348.
[8] Han, J., Ostrosky. M., & Diamond, K. E. (2006). Children’s attitudes toward peers with disabilities: Supporting positive attitude development. Young Exceptional Children, 10(1), 2-11. doi: 10.1177/109625060601000101
[9] Favazza, P.C., Ostrosky, M., & Mouzourou, C. (2016). The making friends program: Supporting acceptance in your K-2 classroom. Baltimore, Maryland: Paul H. Brookes Publishing
[10] Correia, D. P. (2012). Promoção de competências sociais e comunicativas através do treino de pares mediadores, em crianças com SAAC’s, em contexto de jardim-de-infância. (Dissertação de Mestrado não publicada). Instituto Politécnico do Porto, Porto, Portugal.
[11] Alferes, A. M. O. P. (2006). Programa de treino de pares mediadores com uma aluna com perturbações do espectro do autismo: estudo dos efeitos na qualidade das interacções sociais (Dissertação de Mestrado não publicada). Universidade do Porto, Porto, Portugal.