Vinculação e toma de antibiótico

A investigação indica que a toma de antibióticos é mais frequente nalguns grupos de crianças. Com efeito, crianças sem problemas crónicos ou condições agudas de saúde, mas com uma vinculação insegura-ambivalente parecem ter uma probabilidade 25 vezes maior de tomarem antibiótico do que o conjunto das crianças seguras e inseguras-evitantes. Tal sucede no curto período de tempo dos primeiros nove meses de vida [1]. A razão é desconhecida! Será que os antibióticos podem afetar o processamento neurológico e levar ao desenvolvimento de uma vinculação insegura-ambivalente (hipótese 1) ou será que o contexto de vida e o comportamento dos bebés com este padrão de vinculação é mais propício à toma de antibióticos (hipótese 2)?

 A primeira hipótese pode parecer estranha, mas na verdade diversos estudos em animais têm mostrado que os antibióticos podem estar associados ao desenvolvimento de perturbações neurológicas [2,3]. Por exemplo, observou-se uma associação entre o uso de antibióticos no primeiro ano de vida e certos efeitos neurocognitivos nos anos seguintes, incluindo problemas de ansiedade ou depressão. Mas esta hipótese perde força quando investigação recente comparou bebés de termo (nascidos com mais de 37 semanas de gestação) e de muito-extremo pré-termo (nascidos com menos de 32 semanas de gestação), tendo verificado que o aumento da probabilidade de toma de antibiótico sucede em bebés ambivalentes de termo e em bebés evitantes de muito-extremo pré-termo [4]. No entanto, é improvável que os antibióticos atuem de formas contraditórias em bebés de termo e de muito-extremo pré-termo. Ou seja, ora favorecendo a vinculação ambivalente associada à externalização de emoções no caso dos bebés de termo, ora a vinculação evitante associada à internalização no caso dos bebés de extremo pré-termo.

Assim, importa considerar a segunda hipótese. Bebés com uma vinculação ambivalente externalizam mais as suas emoções e apresentam comportamentos contraditórios e dificuldade de regulação emocional quando comparados com outros bebés [5]. Em situações de doença (mesmo em condições ligeiras), este/as bebés parecem inconsoláveis e em sofrimento [6,7]. Ora, é possível que este estado de aflição provoque preocupação e ansiedade nos pais e nas mães e que, por essa razão, procurem respostas rápidas e eficazes. Com efeito, estas variáveis parentais estão associadas com a toma de antibióticos [1,8]. Quando questionadas, algumas mães referem que quando os/as filhos/as estão doentes não hesitam em solicitar antibióticos, e consideram ser uma resposta rápida e eficaz para qualquer doença infeciosa. Mas não é bem assim….

Porque não devemos solicitar um antibiótico desnecessariamente?

Os antibióticos são necessários e eficazes contra doenças bacterianas. No entanto, não atuam em vírus. Portanto, não ajudam a curar gripes, constipações nem outras doenças virais como a Covid-19, herpes, etc. Embora sejam excelentes fármacos no combate a infeções bacterianas, também têm desvantagens individuais e ambientais. Ao nível individual, a toma prolongada de antibióticos pode causar alguns danos, nomeadamente neurológicos, asma, diabetes tipo-1, ou outros. Ao nível global, podem perturbar o ambiente. De facto, o mau uso dos antibióticos ajuda a propagar bactérias resistentes a antibióticos. Essas bactérias têm então oportunidade de se replicar no nosso corpo enquanto tomamos antibióticos, acabando por ser disseminadas para o ambiente sempre que defecamos, por exemplo. Como resultado, atualmente muitas bactérias patogénicas são resistentes a antibióticos, mesmo a antibióticos mais recentes. Assim, mais de 1 milhão de pessoas morrem todos os anos devido a infeções por bactérias resistentes a antibióticos e estima-se que quase 5 milhões de pessoas morrem indiretamente devido a causas associadas à resistência a antibióticos [9].

Porque devemos tomar a caixa do antibiótico até ao fim?

Por vezes, ao terceiro ou quarto dia a tomar antibiótico já nos sentimos bem. Se nesse momento pararmos de tomar o fármaco, ainda há milhões de bactérias patogénicas por eliminar. Estas bactérias poderiam recomeçar a expandir-se no nosso corpo, juntamente com muitas já resistentes ao antibiótico. Os sintomas podem reaparecer, mas agora com uma quantidade de bactérias resistentes muito maior. Desta vez, o antibiótico poderá já ter um efeito diminuto ou mesmo nulo.  Para além do prejuízo pessoal, desta forma ajudamos a propagar bactérias resistentes a antibióticos.

Pode ser útil…

  1. Ajudar a tranquilizar os familiares quando os bebés estão doentes.
  2. Relatar aos familiares os sintomas da criança de forma fidedigna e rigorosa (e.g., medir a temperatura mais do que uma vez por dia)
  3. Aconselhar os pais a relatarem aos médicos os sintomas da criança de forma fidedigna.
  4. Cumprir as indicações médicas e as instruções para a toma de fármacos.
  5. Solicitar informação e aconselhamento sobre o uso de antibióticos às autoridades locais de saúde, e implementar essas medidas no jardim de infância ou creche.
  6. Ajudar a combater a desinformação sobre a toma de antibiótico.

Ajude a proteger os antibióticos, eles são um bem da humanidade!

Mensagem de Marina Fuertes (Professora Coordenadora com Agregação da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Lisboa) e Francisco Dionisio (Professor Associado com Agregação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa)

Referências

  1. Fuertes, M., Gonçalves, J. L., Faria, A., Lopes-dos-Santos, P., Conceição, I. C., & Dionisio, F. (2022). Maternal sensitivity and mother-infant attachment are associated with antibiotic uptake in infancy. Journal of Health Psychology, 27(9), 2197–2210. https://doi.org/10.1177/1359105320941245
  2. Duong, Q. A., Pittet, L. F., Curtis, N., & Zimmermann, P. (2022). Antibiotic exposure and adverse long-term health outcomes in children: A systematic review and meta-analysis. Journal of Infection, 85(3), 213–300. https://doi.org/10.1016/j.jinf.2022.01.005
  3. Volker, E., Tessier, C., Rodriguez, N., Yager, J., & Kozyrskyj, A. (2022). Pathways of atopic disease and neurodevelopmental impairment: Assessing the evidence for infant antibiotics. Expert Review of Clinical Immunology, 18(9), 901–922. https://doi.org/10.1080/1744666X.2022.2101450            
  4. Fuertes, M., Faria, A., Gonçalves, J. L., Antunes, S., & Dionisio, F. (2023). The Association between Prematurity, Antibiotic Consumption, and Mother-Infant Attachment in the First Year of Life. Antibiotics, 12(2), Article 2. https://doi.org/10.3390/antibiotics12020309
  5. Ainsworth, M. D. S., Blehar, M., Waters, E., & Wall, S. (1978). Patterns of attachment—A Psychological Study of the Strange Situation. Lawerence Erlbaum
  6. Andrews, N. E., Meredith, P. J., & Strong, J. (2011). Adult attachment and reports of pain in experimentally-induced pain. European Journal of Pain, 15(5), 523–530. https://doi.org/10.1016/j.ejpain.2010.10.004
  7. Feeney, J. A. (2000). Implications of attachment style for patterns of health and illness. Child Care Health and Development, 26(4), 277–288. https://doi.org/DOI 10.1046/j.1365-2214.2000.00146.x
  8. Stern, J. A., Beijers, R., Ehrlich, K. B., Cassidy, J., & de Weerth, C. (2020). Beyond Early Adversity: The Role of Parenting in Infant Physical Health. Journal of Developmental and Behavioral Pediatrics: JDBP, 41(6), 452–460. https://doi.org/10.1097/DBP.0000000000000804
  9. Murray, C. J., Ikuta, K. S., Sharara, F., Swetschinski, L., Aguilar, G. R., Gray, A., Han, C., Bisignano, C., Rao, P., Wool, E., Johnson, S. C., Browne, A. J., Chipeta, M. G., Fell, F., Hackett, S., Haines-Woodhouse, G., Hamadani, B. H. K., Kumaran, E. A. P., McManigal, B., … Naghavi, M. (2022). Global burden of bacterial antimicrobial resistance in 2019: A systematic analysis. The Lancet, 399(10325), 629–655. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(21)02724-0              

Qual a relação entre a vinculação do bebé, o stress materno e a toma de antibiótico?

Marina Fuertes

Marina Fuertes é Professora Coordenadora com Agregação da Escola Superior de Educação (Instituto Politécnico de Lisboa) e membro integrado do Centro de Psicologia da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP). É doutorada e mestre em Psicologia com pós-doutoramento na Harvard Medical School. Obteve vários financiamentos e prémios científicos tendo publicado diversos artigos – recentemente na Developmental Psychology.

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