Memórias felizes

Qual é a sua memória mais antiga? Uma das primeiras memórias que tenho é de estar ao colo da  minha educadora da creche, numa cadeira de baloiço porque me doía muito a boca (acho que me estavam a nascer os dentes, não sei se foram os primeiros …).

Carole Peterson, professora e investigadora na Faculdade de Ciências da Memorial University (Canadá), analisou recentemente os resultados da sua própria investigação realizada há 20 anos acerca das primeiras memórias de infância. Os seus resultados sugerem que as pessoas são capazes de se lembrar de eventos de quando tinham dois anos e meio [1]. Adicionalmente, lembram-se de muitas coisas da primeira infância das quais não estão cientes [2].

Pensar em memórias antigas com frequência ajuda a nossa memória a recordar mais eventos daquele período e parece que essas memórias não são apenas episódios anedóticos a serem contados em reuniões de família ou amigos. William Chopik e Robin Edelstein mostraram que as memórias positivas da infância estão associadas a uma melhor saúde e a um maior bem-estar na vida adulta [3]. Isto é, quanto mais positivas forem essas memórias, maior a probabilidade de uma pessoa avaliar positivamente a sua própria saúde física e mental quando adulto. Na sua investigação, Chopik e Edelstein estudaram as perceções sobre as primeiras experiências de cuidado e a sua influência ao longo da vida. Mais especificamente, exploraram associações entre essas memórias e mudanças na autoavaliação da saúde, doenças crónicas e sintomas depressivos. Os investigadores descobriram que memórias ternurentas dos cuidadores na primeira infância estavam associadas a uma melhor autoavaliação da saúde e a menores sintomas depressivos em adultos. Curiosamente, estas associações entre as perceções de apoio dos cuidadores e o estado de saúde persistiram ao longo do tempo.

É importante ressaltar que não se trata apenas de memórias de situações específicas, como construir uma torre de blocos com um dos pais ou cuidadores, brincar no escorrega ou brincar às bonecas.

Nora Newcombe, professora de Psicologia na Temple University (Estados Unidos), sugere que cada um de nós tem dois tipos de memórias: memória explícita e memória implícita [4]. A memória explícita é a recordação consciente de momentos específicos, muitas vezes relacionados com um tempo e lugar específicos: por exemplo, brincar com um papagaio azul no jardim perto da creche. A memória implícita é uma memória inconsciente, muitas vezes emocional, que é desencadeada por eventos específicos, como a sensação de alegria ao passar por uma montra com papagaios. Esse tipo de memória acompanha-nos desde os primeiros meses de vida. Investigadores alemães, que estudam crianças a partir dos 3 meses de idade, descobriram que a memória implícita parece ser independente da idade e é caracterizada por relativa estabilidade [5].

O que é que isto significa para nós, adultos? Significa que devemos nutrir a qualidade das experiências das crianças desde os primeiros dias, para que as suas memórias – tanto explícitas quanto implícitas – sejam positivas e tragam um sorriso aos seus rostos. Isto  tem um grande impacto nas crianças!

Mensagem original escrita por Kamila Wichrowska (University of Warsaw), disponível em EarlyYearsBlog. Tradução de Carolina Santos.

Referências:

[1) Peterson, C. (2021). What is your earliest memory? It depends. Memory, 29(6), 811-822. https://doi.org/10.1080/09658211.2021.1918174

[2] https://www.sciencedaily.com/releases/2021/06/210614110824.htm

[3] Chopik, W. J., & Edelstein, R. S. (2019). Retrospective memories of parental care and health from mid- to late life. Health Psychology, 38(1), 84–93. https://doi.org/10.1037/hea0000694

[4] https://www.fatherly.com/health-science/when-do-memories-start-what-do-kids-remember/

[5] Vöhringer, I. A., Kolling, T., Graf, F., Poloczek, S., Faßbender, I., Freitag, C., Lamm, B., et al. (2018). The Development of Implicit Memory From Infancy to Childhood: On Average Performance Levels and Interindividual Differences. Child Development, 89(2), 370–382. https://do.org/i:10.1111/cdev.12749

Por que é importante ter boas memórias dos contextos de educação de infância?

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