Na mensagem De que forma pode um/a educador/a potenciar a brincadeira entre pares? vimos a definição de brincadeira, os diferentes tipos de brincar. Um dos tipos de brincadeira apresentada foi a brincadeira solitária, onde “a criança brinca sozinha com materiais ou ações escolhidas livremente”.
Porém, serão todas as brincadeiras solitárias iguais?
O que é a brincadeira solitária?
Os comportamentos de brincadeira não-social são descritos como a exibição, ao longo do tempo e em diferentes contextos, de comportamentos solitários na presença de potenciais parceiros de brincadeira (1). No entanto, a investigação tem revelado que existem vários tipos de brincadeira não-social, que parecem refletir diferentes motivações (1,2,3). Existem três tipos de brincadeira solitária, associados aos seguintes comportamentos e motivações:
Tipo de brincadeira não-social | Comportamentos | Motivação |
Solitário-Ativo | Ações sensoriomotoras repetidas com e sem objetos, barulhentas, incontroláveis; jogo ‘faz-de-conta’ solitário | Rejeição e isolamento por parte dos colegas (fonte externa) |
Solitário-Passivo | Exploração de forma tranquila de objetos, como desenhos e livros; jogos de construção como blocos ou legos | Baixa motivação para brincar em grupo; e preferência por brincar sozinho/a (fonte interna) |
Reticente-Ansioso | Mantém-se desocupado, em proximidade aos colegas; olha e segue atentamente as brincadeiras, sem tomar iniciativa para se juntar. | Alta motivação para brincar com os colegas, mas ficam ansiosas e com medo de serem rejeitadas, o que as leva a evitar a interação (fonte interna) |
O Papel das/os Educadoras/os
As interações entre pares proporcionam oportunidades essenciais para o desenvolvimento social, emocional, cognitivo e comportamental das crianças (4). Estas interações proporcionam oportunidades para praticar capacidades existentes, mas também para adquirir novas competências. Assim, as crianças que se isolam ou são isoladas de forma consistente perdem oportunidades para treinar e melhorar as suas competências (5).
É por isso essencial reconhecer estas dificuldades. Os profissionais de educação têm aqui um papel importante em identificar e trabalhar estes comportamentos, uma vez que, por norma, as crianças não os exibem em casa. Desta forma, estas dificuldades podem passar despercebidas aos pais.
Mas brincar sozinho, é sempre mau?
Curiosamente, a investigação tem demonstrado que os comportamentos do tipo solitário-passivo nem sempre correspondem a um desejo de brincar sozinho (6). Este tipo de brincadeiras – como ler, desenhar, puzzles – também é utilizado por crianças mais tímidas ou menos socialmente aptas, mas emocionalmente competentes, como estratégia para autorregularem as suas emoções negativas antes de regressarem ao grupo (7).
Para reflexão…
A integração no grupo é a tarefa central do desenvolvimento na idade pré-escolar, é por isso essencial estimular os comportamentos sociais na sala de atividades. Algumas crianças precisam de mais ajuda do que outras. Crianças que exibem comportamentos solitários de forma consistente, irão precisar de mais ajuda.
Como os diferentes tipos de comportamento não-social exprimem motivações diferentes, será importante ter isso em consideração no momento de planear e promover a brincadeira com os colegas. Isto é, a estratégia a utilizar com uma criança que evita as interações com os colegas por ansiedade/medo será diferente da estratégia a utilizar com uma criança que é excluída pelos colegas. Por exemplo:
– Crianças com comportamentos do tipo solitário-passivo: são facilmente convencidas a brincar com os outros, uma vez que não evitam/rejeitam os colegas (1,2).
– Crianças com comportamentos do tipo solitário-ativo: podem beneficiar particularmente de atividades de cooperação em pequenos grupos (2/3 crianças) – ex. artes e ofícios. Preferencialmente, uma atividade de interesse comum entre as crianças escolhidas e em que a criança ‘alvo’ seja hábil (8).
– Crianças com comportamentos do tipo reticente: Por exemplo, podem beneficiar de ajuda através de convites como “Vamos ver o que estão a fazer aqui/ali. O que estão a jogar? De que forma podes ajudar?”. Se a criança passeia pela sala sem parecer querer entrar num grupo específico, procure encaminhá-la para um grupo onde o seu contributo seja valorizado e possa contribuir para o sucesso da atividade (8).
Tem outras estratégias que utiliza na sua sala para encorajar as crianças a brincar com os colegas? Partilhe connosco as suas experiências.
Referências
(1) Coplan, R. J., Ooi, L., Kirkpatrick, A., & Rubin, K. H. (2015). Social and nonsocial play. In D. P. Fromberg and D. Bergen (Eds.), Play from birth to twelve: Contexts, perspectives, and meanings (3rd ed., pp. 75-86). Routledge.
(2) Coplan, R. J., Rubin, K. H., Fox, N. A., Calkins, S. D., & Stewart, S. L. (1994). Being alone, playing alone, and acting alone: distinguishing among reticence and passive and active solitude in young children. Child Development, 65(1), 129–137.
(3) Monteiro, L., Fernandes, M., Sousa, T., Torres, N., Rosado, A., & Santos, A. J. (2017). Análise fatorial confirmatória da versão portuguesa da escala Preschool Play Behaviour Scale para educadoras. PSICOLOGIA, 31(1), 27-36. https://doi.org/10.17575/rpsicol.v31i1.1157
(4) Coplan, R. J., & Arbeau, K. A. (2009). Peer interactions and play in early childhood. In K. H. Rubin, W. M. Bukowski, & B. Laursen (Eds.), Social, emotional, and personality development in context. Handbook of peer interactions, relationships, and groups (pp. 143–161). The Guilford Press.
(5) Cheah, C. S. L., Nelson, L. J., & Rubin, K. H. (2001). Nonsocial play as a risk factor in social and emotional development. In A. Göncü & E. L. Klein (Eds.), Children in play, story, and school (p. 39–71). The Guilford Press.
(6) Coplan, R. J., Prakash, K., O’Neil, K., & Armer, M. (2004). Do you “want” to play? Distinguishing between conflicted shyness and social disinterest in early childhood. Developmental Psychology, 40(2), 244–258. https://doi.org/10.1037/0012-1649.40.2.244
(7) Henderson, H. A., Marshall, P. J., Fox, N. A., & Rubin, K. H. (2004). Psychophysiological and behavioral evidence for varying forms and functions of nonsocial behavior in preschoolers. Child Development, 75(1), 251–263. https://doi.org/10.1111/j.1467-8624.2004.00667.x
(8) Hazen, N., Black, B., & Fleming-Johnson, F. (1984). Social acceptance: Strategies children use and how teachers can help children learn them. Young Children, 39(6), 26-36. http://www.jstor.org/stable/42643206
Este tema chamou-nos mais a atenção, porque achamos fundamental aprofundar os nossos conhecimentos relativamente ao desenvolvimento sócio-emocional e ao bem-estar da criança. O “brincar sozinho” é considerado um construto complexo e multifacetado e deve ser interpretado dessa forma como afirmam os autores Coplan & Ooi (2013). Para além disto, estes autores destacam a importância que as interações sociais com os pares têm para o desenvolvimento social, emocional e cognitivo da criança.
O “brincar sozinho” pode promover a criatividade e desenvolver capacidades comunicativas possibilitando ainda uma melhor aprendizagem no que toca à resolução de problemas. Ainda nesta perspetiva, outros autores referem a relevância dos contextos naturais como meio de aprendizagem e o apoio prestado pelo psicólogo como facilitador deste processo.
Como forma de incrementar o bem-estar da criança e dos que a rodeiam, num trabalho colaborativo entre Psicólogo-Equipa-Família será essencial uma boa comunicação entre estes elementos.
É de salientar a importância da intervenção precoce na detecção e atuação em comportamentos de brincadeira desadaptados que possam interferir futuramente com o bem-estar da criança. Assim, como futuras psicólogas acreditamos que para um melhor desenvolvimento pessoal,emocional e cognitivo , brincar assume um papel fundamental envolvendo a capacidade das crianças,potenciadas num contexto social em que possam aprender a relacionar-se com os outros , com o meio e consigo próprias.
Adriana Villaverde; Patrícia Magalhães; Bruna Branco, Maio de 2022, ISPA- Instituto Universitário, Mestrado Integrado em Psicologia Clínica, Unidade Curricular de Intervenção Precoce.
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