A prevalência de depressão clínica em adultos, cujos pais se divorciaram quando tinham entre 0 e 4 anos, é superior comparativamente a indivíduos em que os pais se separam noutras idades [1]. Em crianças mais pequenas, o divórcio pode ter quatro consequências: i) a exposição ao conflito que desencadeia a sensação de insegurança, ii) desestabilização das rotinas, iii) prejuízo da qualidade de vida e, iv) prejuízo da condição económica da criança  [revisão em 2]. Contudo, as relações parentais cordiais, de confiança e estáveis, entre pais separados, estão associadas à resiliência para comportamentos antissociais e problemas de saúde mental. [3]. As crianças precisam de reconhecer e viver na aliança dos pais.

Mas não apenas as crianças são apanhadas na complexa teia emocional do divórcio, também os/as educadores/as correm esse risco!

Num artigo intitulado “Apanhado no meio: perspetiva do educador de infância acerca do seu trabalho com pais divorciados”, 15 educadoras foram entrevistadas sobre a sua prática [2]. Os resultados indicam que as educadoras:

  • passam mais tempo a tentar comunicar com os pais divorciados do que com outros pais;
  • tendem a identificar-se com um dos progenitores;
  • sentem-se confusas e impotentes para estabelecer pontes e base de acordo entre os pais, embora sintam que o devem fazer;
  • não recebem formação ou apoio especifico nesta área.

Neste estudo, as educadoras referem sentirem-se de “coração partido” ao observar o desalento das crianças, e desejam oferecer-lhes um local seguro, conforto e afeto. Estas profissionais sentem-se, muitas vezes, “injustamente arrastadas” para os conflitos dos pais. Para esse efeito, tentam estabelecer limites e regras claras para se protegerem e protegerem as crianças. Tal implica, por vezes, reunir separadamente acabando por serem confrontadas com versões distintas dos mesmos acontecimentos e pedidos contraditórios por parte dos pais.

Geralmente, o sentimento de impotência e frustração dos/as profissionais toma lugar, resultando num distanciamento na relação com os pais. Sabendo que os pais e os/as educadores/as devem estabelecer relações de confiança e respeito mútuo, o que fazer?

Sem receitas, partilho dados da investigação.

Para ajudar as crianças

Alguns estudos indicam que atividades artísticas e promotoras da criatividade, facilitam a expressão e a resolução de emoções num ambiente seguro [4]. Outros estudos indicam que as relações positivas entre pares e com os/as educadores/as promovem bem-estar, autoconfiança e segurança capaz de ajudar na resolução de problemas emocionais e comportamentais decorrente do divórcio dos pais [revisão em 5].

Na relação com os pais, os educadores podem…

  1. Pedir ajuda ou encaminhar situações para serviços de psicologia e aconselhamento [6]. Não tente mediar a relações entre os pais, tente estabelecer acordos com fins educativos (na festa de natal – se os pais não conseguem/querem estar os dois juntos, combine os horários da presença de cada um, garantido aos dois o acesso à festa bem como a oportunidade da criança a ter a presença dos dois).
  2. Agir preventivamente e com regras claramente definidas. Por exemplo, pedir aos pais para informarem através de um documento escrito e assinado, os dias, horários e pessoas encarregues de entregar e ir buscar a criança.
  3. Regras iguais. Por exemplo, informar os dois pais sempre, em simultaneamente, e pelos mesmos canais. Não dar a informação a um pai e pedir para informar o outro.
  4. Reconhecer a importância dos dois pais. Por exemplo, pedindo autorizações (e.g., visitas de estudos) aos dois pais, sempre que necessário.
  5. Em cada decisão, considerar o melhor interesse da criança.
  6. Centrar a comunicação na resolução e não no problema.

Ficamos a aguardar a partilha das vossas experiências e aprendizagens. O que fez que resultou melhor?

Referências

[1] Kravdal, Ø, & Grundy, E. (2019). Children’s age at parental divorce and depression in early and mid-adulthood. Population Studies, 73(1), 37-56, DOI: 10.1080/00324728.2018.1549747

[2] Levkovich, I., & Eyal, G. (2020). ‘I’m caught in the middle’: preschool teachers’ perspectives on their work with divorced parents. International Journal of Early Years Education, DOI: 10.1080/09669760.2020.1779041. Acesso ao artigo no link:  https://doi.org/10.1080/09669760.2020.1779041Published

[3] Marquardt, E. (2006). Between two worlds: The inner lives of children of divorce. New York, NY: Three Rivers Press.

[4] Somody, C., & Hobbs, M. (2007). A creative intervention with elementary school children experiencing high conflict parental divorce. Journal of Creativity in Mental Health, 2, 71-87. DOI:10.1300/J456v02n03_0

[5] Oren, D., & Hadomi, E. (2020). Let’s Talk Divorce – An Innovative Way of Dealing with the Long-Term Effects of Divorce through Parent-Child Relationships. Journal of Divorce & Remarriage, 61(2), 148-167. Doi: 10.1080/10502556.2019.1679593

[6] Atiles, J. T., Oliver M.I., & Brosi, M. (2017). Preservice teachers’ understanding of children of divorced families and relations to teacher efficacy. Educational Research Quarterly, 40(3), 25-49.

Ajudem-me a ajudar-vos: quando os pais estão separados

Marina Fuertes

Marina Fuertes é Professora Coordenadora com Agregação da Escola Superior de Educação (Instituto Politécnico de Lisboa) e membro integrado do Centro de Psicologia da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP). É doutorada e mestre em Psicologia com pós-doutoramento na Harvard Medical School. Obteve vários financiamentos e prémios científicos tendo publicado diversos artigos – recentemente na Developmental Psychology.

Um comentário sobre “Ajudem-me a ajudar-vos: quando os pais estão separados

  • 12/05/2022 at 17:55
    Permalink

    No âmbito da Unidade Curricular Opcional de Intervenção Precoce, escolhemos o presente artigo como base para o nosso comentário em grupo, considerando que retrata um tema atual e fundamental. Este é um tópico que toca bastante dois elementos do grupo, uma vez que têm os pais separados desde muito novas. Na verdade, identificamos duas experiências um pouco distintas, tendo por um lado, um elemento do grupo sentido que de x em x tempo havia um progenitor “favorito” aos olhos dos professores e educadores e, por outro lado, um outro elemento que viu os seus pais a reunirem-se frequentemente com a educadora mas de forma separada.
    Assim, através do artigo, foi-nos possível refletir sobre o desafio que tanto educadores e professores enfrentam, bem como, os psicólogos, no que refere ao divórcio de um casal e como é que este acontecimento impacta diretamente a sua forma de trabalhar e de estabelecer interações com os pais e com as crianças. Numa perspetiva mais centrada nos educadores e professores, foi possível verificar que os mesmos enfrentam dificuldades acrescidas no que refere a interação com pais que se encontram divorciados, uma vez que, como o artigo refere, os educadores mencionaram que passam mais tempo a tentar comunicar com os pais divorciados do que com os outros pais; que têm tendência a identificar-se com um dos progenitores; que se sentem confusos e impotentes no que diz respeito ao estabelecimento de uma relação entre eles e os desejos dos pais; e, por último, relatam que possuem falta de formação e apoio mais específico dentro da área (Fuertes, 2021).
    Consideramos, deste modo, importante refletir sobre a relevância da intervenção de um psicólogo quando existe uma situação de divórcio, nomeadamente assente num trabalho colaborativo, em equipa inter/transdisciplinar. Este assume particular relevância tanto no âmbito da consultoria colaborativa como diretamente com famílias e crianças, sempre que se justificar,
    Catarina Mota, Matilde Heijselaar e Raquel Ferreira com Ana Teresa Brito, Maio de 2022, ISPA – Instituto Universitário, Mestrado Integrado em Psicologia da Educação, Unidade Curricular de Intervenção Precoce.

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