Depois de alguns anos a trabalhar em investigação, decidi mobilizar tudo o que tinha aprendido para o trabalho na área da infância, tendo optado por um contexto de creche. Nunca tinha trabalhado nesta área e a creche em questão nunca tinha tido um/a psicólogo/a… Assim, o primeiro desafio que encontrei foi o de perceber como poderia contribuir para esta realidade…. Afinal, o que poderia fazer como psicóloga numa creche ou num jardim-de-infância?? Seria útil ou, mesmo, necessária??
Através de pesquisa, da observação do contexto e de conversas com a direção, com a equipa educativa e com colegas que trabalhavam nesta área, rapidamente percebi a utilidade que poderia ter, nomeadamente: com as crianças, com os pais/famílias, com a equipa educativa e com a direção.
De entre as muitas vantagens que descobri, destaco três:
1. O/a psicólogo/a pode contribuir ao nível da prevenção e da intervenção precoce, focando diferentes domínios do desenvolvimento infantil e a importância das interações sociais.
Os primeiros anos de vida são essenciais para o desenvolvimento… As primeiras experiências, especialmente as interações entre as crianças e os seus cuidadores (incluindo os/as educadores/as, está claro!), têm impacto na construção da arquitetura do cérebro. Experiências positivas na infância, com relações estáveis, acolhedoras e estimulantes, contribuem para a construção de um cérebro saudável [1]. Como psicóloga, é essencial trazer este tipo de conhecimento aos contextos de educação na primeira infância, alertando e sensibilizando os/as profissionais para a importância das primeiras experiências e relações. É também essencial focar a importância do bem-estar emocional como base do desenvolvimento (se a criança estiver emocionalmente segura, estará disponível para a aprendizagem, exploração e novas aquisições) e a importância da prevenção e da intervenção precoce, comprovadamente mais eficazes do que uma intervenção mais tardia e remediativa [1, 2, 3].
O/a psicólogo/a pode contribuir para a avaliação, observação e acompanhamento do desenvolvimento das crianças, para a identificação precoce de sinais que antecipem possíveis dificuldades e para a elaboração de planos de intervenção individuais. O/a psicólogo/a pode apoiar as famílias, as crianças e os/as profissionais durante o período de adaptação/integração na creche e na procura de estratégias que promovam o desenvolvimento integral da criança.
2. O/a psicólogo/a pode contribuir com “feedback” relativo à interação educador/a-criança e ao desenvolvimento das crianças, apoiando a equipa educativa.
Ao observar as interações de cada criança e do grupo, o/a psicólogo/a pode identificar aspetos que possam estar a escapar ao olhar do/a educador/a, quando está absorvido/a na gestão do grupo e dos comportamentos das crianças. Com efeito, o/a psicólogo/a pode ter um papel essencial na observação, promovendo a reflexão e discussão sobre as dinâmicas estabelecidas e as necessidades das crianças, e procurando estratégias que apoiem a equipa educativa (tanto a lidar com as crianças como com as famílias). Pode ainda observar a interação entre o/a educador/a e a criança (ex., analisando em que medida há suporte comportamental, emocional e das aprendizagens) contribuindo para a melhoria da mesma [4]. Assim, o/a psicólogo/a pode ajudar a promover o desenvolvimento como um todo, facilitando relações seguras, de forma a que a criança aprenda que tem valor, que é compreendida, que as suas necessidades serão satisfeitas, construindo a sua autoestima, confiança (em si e no mundo) e segurança, o que, por sua vez, poderá contribuir para a sua autorregulação e para a aquisição de competências em todas as áreas de desenvolvimento [5].
3. O/a psicólogo/a pode ser muito importante para ajudar as famílias e facilitar a comunicação casa-escola, contribuindo a nível do acompanhamento parental, da disponibilização de informação, de ações de sensibilização/capacitação.
Tal como as crianças, os adultos também necessitam de suporte. A experiência de se ser compreendido e cuidado, enquanto adulto, contribui para que se seja também mais capaz de cuidar dos outros [5]. Na relação com a família, o/a psicólogo/a pode facilitar a comunicação entre o contexto familiar e a creche/jardim de infância, bem como poderá ajudar a família a compreender e a lidar com diferentes desafios, mudanças e aquisições do desenvolvimento e aprendizagem das crianças. Com efeito, na educação de infância, a família é uma referência essencial para a criança e o/a psicólogo/a pode contribuir para promover uma aproximação efetiva entre o contexto familiar e a creche/jardim de infância [6].
Em jeito de conclusão, descobri que “Assegurar serviços de creche de elevada qualidade às crianças e suas famílias, deverá ser uma prioridade” [7, p.49] e que o/a psicólogo/a pode efetivamente contribuir nesse sentido.
E, na sua instituição, existem psicólogos/as? Que benefícios encontra na parceria psicólogo/a-educador/a? Já sentiu necessidade de refletir sobre as potencialidades e dificuldades das crianças ou de discutir estratégias com um/a psicólogo/a? Já sentiu que o “feedback” de um/a psicólogo/a foi essencial para as suas práticas? Que desafios encontra nesta parceria psicólogo/a-educador/a?
[1] Center on the Developing Child (2007). The science of early childhood development (InBrief). Disponível em www.developingchild.harvard.edu.
[2] ZERO TO THREE (1992). Heart Start: The emotional foundations of school readiness. Washington, DC: Author.
[3] National Research Council and Institute of Medicine (2000). From neurons to neighborhoods: The science of early childhood development. Committee on Integrating the Science of Early Childhood Development. Jack P. Shonkoff and Deborah A. Phillips, eds. Board on Children, Youth, and Families, Commission on Behavioral and Social Sciences and Education. Washington, D.C.: National Academy Press.
[4] Hamre, B. K., & Pianta, R. C. (2007). Learning opportunities in preschool and early elementary classrooms. In R. C. Pianta, M. J. Cox, & K. L. Snow (Eds.), School readiness and the transition to kindergarten in the era of accountability (pp. 49-83). Baltimore, MD, US: Paul H Brookes Publishing.
[5] Early Head Start National Resource Center, & ZERO TO THREE (2000). The foundations for school readiness: Fostering developmental competence in the earliest years. Washington, DC: Early Head Start National Resource Center @ ZERO TO THREE.
[6] Vieira, V., Hansen, J., & Vieira, M. L. (2009). Psicologia escolar na educação infantil: Atuação e prevenção em saúde mental. Barbarói, 31, 72-92.
[7] Portugal, G. (2010). No âmago da educação em creche: O primado das relações e a importância dos espaços. In Atas do Seminário Educação das Crianças dos 0 aos 3 anos, Lisboa (pp. 47-60).
Ao meu ver, as crianças só poderiam sair do seio da família, para estudos, após os 07 anos de idade. A criança mais nova não tem estrutura pra entender que aquele espaço estranho, com pessoas estranhas, é uma transição no seu crescimento. Geralmente ela interpreta como abandono. Acredito ainda que a internação de crianças em creches, seja um fator condicionante e extremamente prejudicial às crianças, então, ter psicólogos nas creches, comprometidos com a saude mental delas, é o mínimo.