Querer ser livre é também querer livres os outros.
Simone de Beauvoir

Comemoramos, este ano, 50 anos de Liberdade. Esta foi uma das maiores (re)conquistas do 25 de abril de 1974 e é sempre conveniente lembrar que a Liberdade não está garantida, é frágil e não é oferecida.

A nível mundial, milhões de pessoas encontram-se privadas de liberdade, veem os seus direitos serem negados, estando sujeitas a todas as formas de repressão e de opressão.

Nesta mensagem, e na sequência de uma outra publicada anteriormente acerca da Democracia no jardim de infância, refletirei acerca de como as crianças desenvolvem, e aprendem, o significado de Liberdade.

O que é Liberdade

Liberdade é uma palavra com múltiplos significados e interpretações e deve ser entendida tendo em conta o contexto sociocultural e a subjetividade de quem a vive e dela fala, sendo, portanto, relativa e utópica [1].

Liberdade pode ser definida como a independência do ser humano, a autonomia, a autodeterminação, a espontaneidade e a intencionalidade [1, 2]. Liberdade significa luta e resiliência, mas pode ser também respeito pela liberdade do outro, direito à própria liberdade (de circulação, de expressão, de opinião, de discordância), luta pelos próprios direitos e pelos dos outros, por um mundo mais justo, menos ameaçador e menos violento [1, 2, 3].

Liberdade é um direito

A Liberdade e outros direitos fundamentais encontram-se consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem [4] e na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança [5] que, no artigo 19.º, inclui o direito da criança à liberdade de expressão, de opinião e de acesso à informação. No entanto, muitas vezes são colocadas barreiras na vida das crianças que restringem, ou limitam, a aplicação dos seus direitos na prática. Estes constrangimentos à liberdade das crianças verificam-se, também, no domínio da educação, com base, entre outros, no pressuposto de “(in)capacidade”. Esta justificação exigiria, no entanto, uma análise do que significa ser “(in)capaz” e de como essa “(in)capacidade” se pode traduzir em privilégios ou restrições [6].

Aprender o que é a Liberdade

A Educação para os valores

De forma geral, o conceito de Liberdade é abordado no âmbito dos valores, entendidos como princípios que orientam as ações humanas, dependendo a sua compreensão da perspetiva adotada, isto é, se se tratam de valores relativos ao pensamento e ação humanos ou de valores universais relacionados com o contexto [7].

Neste sentido, em diversos estudos é referida a necessidade de se perceber como os/as educadores/as de infância transmitem às crianças valores, como a liberdade, a igualdade e a fraternidade.

Os resultados de um estudo desenvolvido nos países nórdicos [7] evidenciaram que os/as educadores/as de infância utilizavam abordagens que dependiam dos valores que transmitiam:

  • abordagens comunicativas, orientadas para o consenso e a reciprocidade – por exemplo, com valores como o cuidado e o respeito pelo outro;
  • abordagens estratégicas, orientadas para um objetivo – por exemplo, com as regras definidas pelos/as educadores/as.

Num outro estudo desenvolvido na Ucrânia [8], com crianças de 3-6 anos de idade, as suas famílias e educadores/as, utilizando contos de fada, a ênfase foi colocada na uniformização dos métodos de educação moral e ética e no desenvolvimento de um modelo educativo que contribuísse para a compreensão de valores morais básicos. Os resultados apontaram que:

  • as crianças identificavam, com maior frequência, valores como a felicidade, a paz, a cooperação e a honestidade, tendo a beleza, a bondade e a amizade sido também referidas;
  • a disponibilidade, a humildade, a tolerância, a hospitalidade e o respeito raramente foram referidos pelas crianças.

Em Portugal, nas Orientações Pedagógicas para a Creche [9] e nas Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar [10], a Educação para os valores é referida em várias áreas, como Identidade Pessoal, Social e Cultural e Formação Pessoal e Social. No entanto, a Liberdade não é mencionada de forma explícita, embora se considere essencial a promoção do autoconhecimento para que as crianças consigam expressar emoções, fazerem escolhas, gostarem de si próprias e serem empáticas, pois,

  • as crianças que se conhecem a si próprias, serão mais confiantes, desenvolvendo-se em liberdade [6, 9, 10].

A Educação pelos direitos

Uma outra abordagem, “Educação pelos Direitos” [11], pretende aprofundar o conhecimento sobre os direitos da criança, o que implica a adoção de um conjunto de práticas educativas, criando ambientes inclusivos, participativos e respeitadores de todos/as e preparando as crianças para serem cidadãos/cidadãs ativos/as, informados/as e responsáveis. As crianças desenvolveriam, desta forma, competências, como a autorregulação, o autoconhecimento, a empatia e o envolvimento social, adquirindo os conhecimentos necessários para compreenderem quem são, como se sentem e como podem interagir com os outros.

Com esta abordagem procura-se:

  • capacitar as crianças e todos os atores envolvidos na defesa e promoção dos direitos da criança nos seus contextos de vida;
  • promover a participação da criança na vida da comunidade através do desenvolvimento de competências e valores, como tolerância, liberdade, igualdade e solidariedade para a vida plena em sociedade [11].

Concluindo, e desejando que as nossas crianças continuem a crescer e a viver em plena liberdade, celebrar o 25 de abril é sempre necessário e oportuno, podendo ser o mote para abordarmos os valores e os direitos e de que forma a nossa liberdade pode ter impacto nas pessoas que nos rodeiam.

Nesta perspetiva, deixo uma proposta para reflexão: temos conseguido transmitir às crianças o conceito de Liberdade? Temos-lhes dado espaço, e criado oportunidades, para serem, e se sentirem, plenamente livres?

Referências

[1] Goldenstein, E. (2019). O amplo sentido da palavra liberdade. Ide41(67-68), 45-53. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31062019000100004&lng=pt&tlng=pt

[2] Lenninger, S. (2021). Narratives and the semiotic freedom of children. Sign Systems Studies, 49(1-2), 216–234. https://doi.org/10.12697/SSS.2021.49.1-2.09

[3] Gillett-Swan, J., & Sargeant, J. (2018). Assuring children’s human right to freedom of opinion and expression in education. International Journal of Speech-Language Pathology, 20(1), 120–127. https://doi.org/10.1080/17549507.2018.1385852

[4]United Nations. (1948). Universal declaration of human rights. http://www.un.org/en/universal-declarationhuman-rights/

[5] UNICEF (2019). Convenção sobre os Direitos da Criança e protocolos facultativos. Comité Português para a UNICEF. https://unicef.pt/media/2766/unicef_convenc-a-o_dos_direitos_da_crianca.pdf

[6] Brando, N. (2020). Children’s abilities, freedom, and the process of capability-formation. Journal of Human Development and Capabilities, 21(3), 249–262. https://doi.org/10.1080/19452829.2020.1767547

[7] Sigurdardottir, I., Williams, P., & Einarsdottir, J. (2019) Preschool teachers communicating values to children. International Journal of Early Years Education, 27(2), 170-183. https://doi.org/10.1080/09669760.2019.1602516

[8] Zdanevych, L. V., Syrova, Y. V., Kolosova, S. V., Pyvovarenko, M. S., & Kurhannikova, O. O. (2020). Instilling the system of values in preschool children in the cultural and educational space. Universal Journal of Educational Research, 8(11B), 5991-5999. DOI: 10.13189/ujer.2020.082235

[9] Marques, A. (coord.), Azevedo, A., Marques, L., Folque, M. A., & Araújo, S. B. (2024). Orientações Pedagógicas para Creche. Ministério da Educação/Direção-Geral da Educação (DGE).

[10] Silva, A. (Coord.), Marques, L., Mata, L., & Rosa, M. (2016). Orientações pedagógicas para a educação pré-escolar. Ministério da Educação/Direção-Geral da Educação (DGE).

[11] Comité Português para a UNICEF (2022). Escolas pelos Direitos da Criança – Manual de Apoio à Prática. Comité Português para a UNICEF.

Aprender o que é a Liberdade: A propósito dos 50 anos do 25 de abril

Manuela Pessanha

Doutorada em Psicologia pela Universidade do Porto, em 2006, com a tese “Vulnerabilidade e resiliência no desenvolvimento dos indivíduos: Influência da qualidade dos contextos de socialização no desenvolvimento das crianças”. Docente na Escola Superior de Educação, Politécnico do Porto, na área de Psicologia, lecionando disciplinas na área da Psicologia do Desenvolvimento e da Educação.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *