Na mensagem anterior sobre o Decreto-Lei n.º 54/2018 [1], baseando-nos em evidência sobre o desenvolvimento da criança [2, 3], afirmámos que o desenvolvimento e as aprendizagens não ocorrem em sessões de terapia, mas através da repetição constante e sistemática das competências que pretendemos desenvolver ou cimentar, em contextos e rotinas naturais e com os adultos significativos, que passam uma grande parte do dia com a criança [4, 5, 6]. Os/as profissionais de educação de infância estão numa posição privilegiada para desenvolver esta intervenção. No entanto, será impossível que sozinhos/as consigam planeá-la e levá-la a cabo, sendo fundamental uma colaboração estreita com os/as profissionais de apoio, tais como docentes de educação especial e os profissionais da equipa multidisciplinar de apoio à educação inclusiva, do centro de apoio à aprendizagem, das equipas locais de intervenção precoce na infância e das equipas de saúde escolar.
Passamos a apresentar 3 sugestões para que os/as profissionais de educação de infância possam tirar o máximo proveito do apoio de outros/as profissionais, sabendo que expetativas podem ter em relação a este apoio. Pense numa criança da sua sala que necessite de apoio, independentemente do nível da medida que necessita (universal, seletiva ou adicional), e considere as seguintes sugestões como forma de estruturar a sua intervenção:
1. Analisar como cada rotina/atividade da sala se ajusta às necessidades da criança
- Analise cada um dos diferentes momentos e atividades/rotinas da sua sala e, para cada um deles, identifique o que todos, adultos e crianças, estão a fazer, o que a criança alvo está a fazer e como participa. Perceber o nível do envolvimento, o grau da independência e a qualidade das relações sociais estabelecidas constituem bons indicadores da adequação da rotina ou atividade.
- Como se ajusta este momento/atividade à criança? O que se pretende que ela realize? O que acha que ela vai conseguir fazer em seguida?
- O/a profissional de apoio pode suportar este processo através de perguntas específicas (ou mesmo de uma entrevista baseada nas rotinas) que ajudam a aprofundar a reflexão sobre estes momentos/atividades, e através da observação de momentos específicos. Quando realizada por um elemento externo, esta observação pode trazer outra visão.
2. Definir objetivos
- No decorrer da avaliação, e em conjunto com o/a profissional de apoio, identifique e priorize os objetivos que se pretende atingir;
- Escreva os objetivos de forma funcional, ou seja, de forma a enfatizar a participação da criança numa rotina/atividade diária, especificando, de forma clara (i.e., mensurável e observável) o que a criança irá fazer.
- Especifique critérios de aquisição, de generalização e de tempo (i.e., durante quanto tempo a criança tem de demonstrar a competência para que esta seja considerada adquirida) significativos, ou seja, que mostrem melhorias no seu comportamento funcional [5].
3. Intervir
3.1. A intervenção:
- É o conjunto de estratégias utilizadas por si, nas rotinas diárias, durante os intervalos que decorrem entre as visitas do/a profissional de apoio.
- Nas sessões de apoio, deve trabalhar com o/a outro/a profissional na procura de estratégias eficazes para atingir os objetivos através de três tarefas interrelacionadas [7]:
- resolver problemas (i.e., encontrar novas estratégias),
- procurar suporte para utilizar as estratégias esclarecendo dúvidas, demonstrando como tem feito e pedindo feedback; e
- aprender técnicas específicas com o/a profissional de apoio através de formação ou coaching.
- Na condução das tarefas acima mencionadas, o/a profissional de apoio poderá mobilizar conhecimentos específicos de diferentes áreas de formação (e.g., avaliações, estratégias), tendo em conta as necessidades específicas, suas e da criança, podendo este trabalho passar por [5, 6]:
- observação adicional da criança em determinadas rotinas;
- alguma avaliação específica;
- procura de estratégias, avaliação e ajuste das estratégias que têm sido utilizadas (a maior parte do tempo nas sessões de apoio deveria ser despendida nisto);
- demonstrações/modelagem de técnicas específicas; e
- avaliação da concretização dos objetivos e da possibilidade de complexificar o objetivo ou passar a outros objetivos.
3.2. As estratégias:
- São selecionadas de acordo com a sua possível eficácia, devem ser adequadas às suas características e às da criança e exequíveis em termos de requisitos do contexto (e.g., horários) e dos recursos existentes.
- Para cada objetivo discutido, devem ser especificadas quais as tarefas a realizar, quem fica responsável por cada uma delas, onde e quando as tarefas serão realizadas, que recursos são necessários e antecipados o seu início e conclusão [7].
- Em cada sessão, é necessário analisar como decorreu a utilização das estratégias anteriormente selecionadas e ajustá-las ou modificá-las quando necessário [5].
Abordámos nesta mensagem um modelo de prestação de serviços colaborativo, indireto e triádico, cujo objetivo final deverá ser a adequação de cada uma das atividades ou rotinas da sala às necessidades de envolvimento, de independência e de relações sociais positivas da criança, de forma a que esta possa obter o máximo proveito das oportunidades naturais de desenvolvimento e de aprendizagem da sala de jardim de infância, participando de forma cada vez mais autónoma na vida social do grupo. Como vê esta forma de trabalho? O que gostaria de ver aprofundado sobre este assunto? Partilhe experiências e dúvidas.
Tânia Boavida, ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa
Referências
[1] Decreto-Lei n. 54/2018. Presidência do Conselho de Ministros, Educação. Diário da República, 1ª série n.º 129 – 6 de julho de 2018, pp. 2918-2928.
[2] Nacional Institute of Child Health and Human Development Early Child Care Research Network (2006). Child care effect sizes for the NICHD Study of Early Care and Youth Development. American Psychologist, 61, 99-116. doi: 10.1037/0003-066X.61.2.99
[3] Shonkoff, J.P., & Phillips, D. (Eds.) (2000). From neurons to neighborhoods: The science of early childhood development. Washington, DC: National Academy Press.
[4] Dunst, C. J. (2007). Early intervention for infants and toddlers with developmental disabilities. In S. L. Odom, R. H. Horner, M. Snell, & J. Black (Eds.), Handbook of developmental disabilities (pp. 161–180). New York, NY: Guilford Press.
[5] McWilliam, R. A. (2010). Routines-based early intervention: Strategies for supporting young children with disabilities. Baltimore, MD: Paul H. Brookes.
[6] Boavida, T., Aguiar, C., & McWilliam, R. A. (2018). A intervenção precoce e os contextos de educação de infância. In M. Fuertes, C. Nunes, D. Lino, & T. Almeida (Org.), Teoria, práticas e investigação em intervenção precoce (pp. 7-23). Lisboa: CIED/Escola Superior de Educação de Lisboa. https://www.eselx.ipl.pt/sites/default/files/media/2018/ebook2_compressed.pdf.
[7] Buysse, V., & Wesley, P. W. (2005). Consultation in early childhood settings. Baltimore, MD: Paul H. Brookes.