Aprender a lidar com a adversidade é importante para um desenvolvimento saudável [1]. O stresse tóxico, provocado pela exposição a experiências adversas na infância, envolve a ativação forte e não aliviada do sistema de produção de stresse do corpo. Na ausência de suporte adulto protetor, o stresse tóxico tem efeitos prejudiciais a curto e a longo prazo [2].
Sem adultos sensíveis para proteger as crianças, o stresse causado pela extrema pobreza, pela negligência, pelo abuso ou pela depressão materna grave, pode alterar a arquitetura do cérebro em desenvolvimento, com consequências para a aprendizagem, para o comportamento e para a saúde física e mental da criança [3].
Descobrir o/a bebé pode ser um desafio crucial!
Para os/as educadores/as de infância (e outras pessoas que cuidam e educam), descobrir o/a bebé pode ser um desafio crucial! A descoberta do/a bebé representa, essencialmente, fazer a viagem pela diferença, identificando, logo nas primeiras horas de vida, as particularidades dessa pessoa em construção que tudo mobiliza, que todos influencia: o seu comportamento, forças, vulnerabilidades, emoções, competências.
O futuro das relações e dos caminhos de bem-estar constrói-se através de potenciadores de afetos. É deste modo que o/a bebé, descoberto/a no seu comportamento, gera a cascata de prevenção de risco e se assume como fonte central de resiliência à sua volta.
É a este nível que é urgente intervir. Uma efetiva política de saúde e educação, centrada na família, deverá partir da sua génese quando o/a bebé é sonhado e, a pouco e pouco, descoberto/a. É este um dos pontos de viragem da intervenção para a resiliência.
De facto, a resiliência:
(1) requer relacionamentos de apoio e oportunidades para a construção/aquisição de competências e aprendizagens [4],
(2) resulta de uma interação dinâmica entre predisposições internas e experiências externas [5],
(3) implica aprender a lidar com ameaças gerenciáveis ao nosso bem-estar físico e social [6],
(4) é variável de acordo com a suscetibilidade diferencial de cada criança (i.e., algumas crianças respondem de maneira mais extrema a experiências negativas e positivas) [7]; e
(5) pode ser desenvolvida em qualquer idade, mas quanto mais cedo melhor [1].
É nesta intervenção para o bem-estar que temos de investir para adequar uma política de saúde e educação à evidência científica e aos propósitos de uma sociedade e de uma cultura mais humanizadas.
Vale mesmo a pena investir na educação das crianças mais novas!
Alguns motivos:
- a extraordinária influência que as primeiras experiências têm na arquitetura cerebral durante os primeiros anos de vida de uma criança representam, simultaneamente, uma grande oportunidade e uma grande vulnerabilidade para o neurodesenvolvimento [8];
- apesar da importância dos genes, não há um pré-determinismo genético, mas sim uma interação dinâmica entre genes e ambiente, constituindo ambos fonte de potencial e crescimento, assim como de risco e disfunção [9];
- há uma base neurológica relacionada com a plasticidade neuronal e com os respetivos períodos críticos e sensíveis que aumentam o potencial do ambiente para produzir mudança [1, 6];
- cada dólar investido na primeira infância, pode haver um retorno entre 4 a 16 dólares no futuro [10] e, por isso, a prevenção é a melhor aposta!
- fatores de risco e a patologia do neurodesenvolvimento, através do consequente “empobrecimento ambiental” e redução de experiências disponíveis, podem condicionar mais disfunção [2].
As primeiras relações são assumidas hoje como críticas para o desenvolvimento saudável da criança, particularmente os primeiros três anos de vida (“os primeiros 1001 dias”; [11]). Este período constitui uma verdadeira janela de oportunidade para o estabelecimento de estratégias interventivas por parte dos/as profissionais de saúde e de educação que, sintónica e conjuntamente, se debruçam sobre a prevenção do risco e o atenuar da vulnerabilidade, num mundo que, de facto, está em mudança. A evidência científica acumulada aponta para três princípios essenciais para melhorar a vida de crianças e famílias [1, 6]:
(1) apoiar o estabelecimento de relações de apoio sensíveis para crianças e adultos;
(2) fortalecer competências essenciais de planeamento, adaptação e concretização de objetivos das crianças; e
(3) reduzir as fontes de stresse na vida das crianças e famílias.
Como tão bem referem Shonkoff e Phillips em 2000 [12], “O curso do desenvolvimento pode ser alterado em idades precoces através de intervenções eficazes que mudem o equilíbrio entre risco e proteção, alterando as desvantagens a favor de melhores resultados na adaptação” (p. 32). Assim se explica a importância do investimento nos primeiros anos de vida, a partir de uma abordagem pluridisciplinar onde convergem diferentes olhares sobre o/a bebé e a sua circunstância, e onde políticas de saúde e de educação, centradas na família, convergem com a evidência científica acumulada, no traçar do melhor caminho possível para que as potencialidades do “ser em construção” sejam atualizadas/cumpridas [13, 14].
Referências
[1] Hunt, X., & Tomlinson, M. (2018). Child developmental trajectories in adversity: environmental embedding and developmental cascades in contexts of risk. In Understanding uniqueness and diversity in child and adolescent mental health (pp. 137-166). Academic Press. https://doi.org/10.1016/b978-0-12-815310-9.00006-x
[2] Gunnar, M. R. (2020). Early adversity, stress, and neurobehavioral development. Development and psychopathology, 32(5), 1555-1562. https://doi.org/10.1017/s0954579420001649
[3] Freiberg, K., Homel, R., & Lamb, C. (2013). The pervasive impact of poverty on children: Tackling family adversity and promoting child development through the pathways to prevention project. In Pathways and Crime Prevention (pp. 250-270). Willan.
[4] Osher, D., Cantor, P., Berg, J., Steyer, L., & Rose, T. (2020). Drivers of human development: How relationships and context shape learning and development. Applied Developmental Science, 24(1), 6-36. https://doi.org/10.1080/10888691.2017.1398650
[5] Cantor, P., Osher, D., Berg, J., Steyer, L., & Rose, T. (2019). Malleability, plasticity, and individuality: How children learn and develop in context. Applied Developmental Science, 23(4), 307-337. https://doi.org/10.1080/10888691.2017.1398649
[6] Sciaraffa, M. A., Zeanah, P. D., & Zeanah, C. H. (2018). Understanding and promoting resilience in the context of adverse childhood experiences. Early childhood education journal, 46(3), 343-353. https://doi.org/10.1007/s10643-017-0869-3
[7] Belsky, J., Bakermans-Kranenburg, M. J., & Van IJzendoorn, M. H. (2007). For better and for worse: Differential susceptibility to environmental influences. Current directions in psychological science, 16(6), 300-304. https://doi.org/10.1111/j.1467-8721.2007.00525.x
[8] Nelson, C. A. (2000). The neurobiological bases of early intervention. In J. P. Shonkoff, & S. J. Meisels (Eds.), Handbook of early childhood intervention (pp. 204–227). Cambridge: Cambridge University Press.
[9] Meaney, M. J. (2010). Epigenetics and the biological definition of gene× environment interactions. Child development, 81(1), 41-79. doi: https://doi.org/10.1111/j.1467-8624.2009.01381.x
[10] Campbell, F., Conti, G., Heckman, J. J., Moon, S. H., Pinto, R., Pungello, E., & Pan, Y. (2014). Early childhood investments substantially boost adult health. Science, 343(6178), 1478–1485. https://doi.org/10.1126/science.1248429
[11] Leach, P. (Ed.). (2017). Transforming infant wellbeing: Research, policy and practice for the first 1001 critical days. Routledge.
[12] Shonkoff, J. P., & Phillips, D. A. (Eds.). (2000). From neurons to neighborhoods: The science of early childhood development. National Academy Press.
[13] Gomes-Pedro, J. (2017). Pensar a criança, sentir o bebé. Editor IN.
[14] Fuertes, M. (2016). Pais e filhos crescem juntos: Educação e desenvolvimento da criança nos primeiros seis anos. CreateSpace Independent Publishing Platform.
Website recomendado: https://developingchild.harvard.edu