A entrada para o primeiro ciclo do ensino básico representa uma das mais importantes etapas na vida de qualquer criança. Ajudá-la a estar preparada para esta transição é alvo de intenso investimento por parte de educadores, professores, psicólogos e famílias.

O desenvolvimento das funções executivas nos primeiros anos auxilia a criança na transição para o 1.º ciclo [1], havendo várias formas de o potenciar nas creches e nos jardins-de-infância. Nesta mensagem, definimos funções executivas e partilhamos algumas ideias para a sua promoção na educação de infância.

O que são as funções executivas?

As funções executivas são um conjunto de competências cognitivas, de ordem superior, utilizadas no controlo dos pensamentos e das ações [2], destacando-se as seguintes:

  • Controlo inibitório, que é definido como a capacidade da criança para inibir comportamentos dominantes e automáticos em detrimento de respostas mais adequadas ou que lhe foram solicitadas.

Exemplo: O João faz 5 anos de idade. Chegou o dia da tão desejada festa de aniversário. Os pais do João oferecem-lhe um embrulho multicolorido, com um laço prateado. Dizem-lhe que é uma surpresa especial. Alguém toca à campainha. Os pais correm para a porta para dar as boas-vindas aos convidados, deixando o João sozinho na sala, por momentos. Antes, avisam-no de que o embrulho não deve ser aberto. O João não pode, tão pouco, espreitar o seu conteúdo. Boas competências de controlo inibitório irão permitir ao João resistir ao impulso de mexer no embrulho, e, dessa forma, seguir as instruções dada pelos pais.

  • Memória de trabalho, que diz respeito à capacidade da criança para guardar e manipular mentalmente informação durante um breve período de tempo.

Exemplo: A educadora Susana convida as crianças a participarem num jogo novo. Depois de ouvirem atentamente a lista de frutos nomeados pela educadora, as crianças devem encontrar e ordenar os cartões com as imagens desses mesmos frutos. Depois de todos terminarem, a instrução repete-se e uma nova lista de frutos é apresentada oralmente às crianças. A memória de trabalho é um dos processos cognitivos exigidos para a realização, com sucesso, deste jogo, permitindo às crianças reterem por um período de tempo o nome dos frutos e a sua ordem de apresentação.

  • Flexibilidade cognitiva, que é definida como a capacidade da criança para alternar, de forma flexível, o curso das suas ações ou dos seus pensamentos, de acordo com as mudanças de exigência da tarefa.

Exemplo: O cantinho das construções é o espaço da sala preferido da Clara. Antes do almoço, a educadora Rita pede à Clara que arrume as peças que estão espalhadas pelo chão. Informa a Clara de que as peças quadradas devem ser guardadas na caixa de papelão; já as restantes peças, com formas diversas, devem ser guardadas nas caixas com uma cor correspondente. Para realizar com sucesso esta tarefa, a Clara terá que alternar, do ponto de vista cognitivo, entre as duas instruções dadas pela educadora, em função da peça a arrumar.

Exemplos de atividades para promover as funções executivas

O estudo das funções executivas em crianças é uma área recente da investigação, que tradicionalmente teve como foco a idade adulta e a adolescência. Todavia, está hoje bem documentado que as funções executivas têm a sua origem na primeira infância e evidências empíricas sugerem que a manifestação de tais competências ocorre muito precocemente, antes dos dois anos de idade, e até mesmo durante o primeiro ano de vida. Todavia, é entre os 3 e os 5 anos que ocorre a maturação mais rápida das funções executivas [2, 3]. A isto, acresce o facto de estas funções serem especialmente sensíveis à estimulação ambiental e às experiências interpessoais precoces, melhorando com a prática [4, 5].

Assim, intervir precocemente nas funções executivas surge como uma importante estratégica para prevenir futuras dificuldades de aprendizagem e de ajustamento.

A educação de infância, ao envolver a participação da criança em atividades educativas diversificadas, incluindo atividades mais e menos estruturadas, constitui-se como um importante contexto onde a criança pode exercitar as suas funções executivas, bem como pô-las em prática para a resolução de problemas diversos. Para beneficiar das atividades educativas, a criança deve ser capaz de inibir respostas face aos estímulos distratores, estar atenta e seguir as instruções dadas pelo educador, manter e manipular mentalmente essas informações e regras, bem como permanecer envolvida nas tarefas, organizá-las e priorizá-las.

De seguida, apresentamos um conjunto de estratégias e jogos, a implementar naturalmente no dia-a-dia, sugeridos pelo Center on the Developing Child, da Universidade de Harvard [6], visando a promoção das funções executivas entre os 3 e os 5 anos de idade. 

Brincar ao faz de conta!

Quando brincam ao faz de conta, as crianças elaboram um plano, estabelecem regras, mantêm essas regras em mente, inibem impulsos para se manterem na personagem, e, quando estão em grupo, cooperam uma com as outras.

Ideias:

1) ler livros, fazer visitas de estudo, ver vídeos, de forma a fornecer às crianças os conhecimentos que elas necessitam para informar o seu jogo simbólico;

2) providenciar às crianças brinquedos que as motivem a brincar ao faz de conta, e apoiá-las na construção de adereços, o que as estimulará a elaborar planos, conjugar e ajustar ideias, e a manterem o foco atencional;

3) ajudar as crianças a elaborarem planos de jogo (por exemplo, quem será quem, quem fará o quê), o que implicará cooperação entre elas, mas também que pensem antes de agir e que mantenham em mente as regras previamente definidas.

Contar histórias

Todas as crianças adoram uma boa história. Quando as crianças contam histórias têm de manter em mente e manipular informações e eventos.

Ideias:

1) estimular as crianças a contarem as suas próprias histórias, a partir de desenhos ou pequenos livros construídos pelas mesmas, o que implicará competências de planeamento;

2) convidar as crianças a contarem uma história em grupo, com cada criança a acrescenta à vez algo à história, o que estimulará a sua memória de trabalho (pois têm de manter em mente o que foi dito pelas outras crianças antes), mas também a flexibilidade cognitiva (pois vão ter de se adaptar a possíveis mudanças na linha da história);

3) apoiar as crianças a encenar histórias, o que estimulará o controlo dos impulsos para se manterem nas personagens e na linha da história, a memória de trabalho e as competências de planeamento.

Mexer o corpo

Jogos de movimento e dança estimulam as funções executivas. Quando sincronizam os movimentos do corpo às palavras e aos sons da música, as crianças estão a treinar o controlo dos impulsos e a memória de trabalho.

Ideias:

1) providenciar às crianças brinquedos e jogos (por exemplo, de obstáculos, de equilíbrio) que as motivem a estar em movimento, e que sejam progressivamente mais complexos, obrigando-as a ajustar o comportamento e a persistir;

2) convidar as crianças a alternarem entre movimentos rápidos, lentos e paragens, o que estimulará o controlo dos impulsos, mas também a flexibilidade cognitiva, se tiverem de alternar entre instruções num jogo, por exemplo;

3) cantar e dançar músicas cuja letra se repete ou acrescenta (por exemplo, a música “Mestre André”), e que, por isso, são particularmente úteis para estimular a memória de trabalho;

4) cantar e dançar músicas que impliquem seguir uma coreografia, o que também permitirá estimular a atenção.     

De vez em quando, fazer jogos mais calmos!

Jogos mais tranquilos oferecem igualmente oportunidades ótimas para promover as competências executivas, no dia-a-dia.

Ideias:

1) fornecer às crianças jogos para classificar ou o loto ou o bingo, mas alternando as regras ou pedindo-lhes para fazerem o contrário da instrução, com vista a estimular a flexibilidade cognitiva e o controlo inibitório;

2) dar às crianças puzzles progressivamente mais complexos, estimulando as suas competências de planeamento;

3) cozinhar com as crianças como estratégia para treinar o controlo inibitório (os ingredientes seguem-se uns aos outros, e as crianças têm de esperar) e a memória de trabalho (a preparação obriga a reter e a cumprir um conjunto de instruções, sequencialmente apresentadas).

Um convite à partilha!

As estratégias e os jogos acima enumerados são apenas alguns exemplos sobre como promover as funções executivas. Estas funções podem ser estimuladas nas atividades e rotinas diárias das crianças, considerando sempre os seus interesses e ritmos próprios. Agora, convidamos-vos a partilhar as vossas ideias e outros exemplos sobre como promover as funções executivas na educação de infância. O desafio está lançado: vamos construir a “nossa” lista!

Referências

[1] Zelazo, P. D., Blair, C. B., & Willoughby, M. T. (2016). Executive function: Implications for education. National Center for Education Research: Institute of Education Sciences US. Department of Education, Washington, DC. http://ies.ed.gov/ (setembro de 2022).

[2] Zelazo, P. D. (2015). Executive function: Reflection, iterative reprocessing, complexity, and the developing brain. Developmental Review, 38, 55–68. http:// dx.doi.org/10.1016/j.dr.2015.07.001

[3] Bernier, A., Beauchamp, M. H., & Cimon-Paquet, C. (2020). From early relationships to preacademic knowledge: A sociocognitive developmental cascade to school readiness. Child Development91(1), e134–e145. https://doi.org/10.1111/cdev.13160.

[4] Blair, C., & Raver, C. C. (2015). School readiness and self-regulation: A developmental psychobiological approach. Annual review of psychology66, 711–731. https://doi.org/10.1146/annurev-psych-010814-015221.

[5] Doellinger, P., Soares, I., Sampaio, A., Mesquita, A., & Baptista, J. (2017).  Prematuridade, funções executivas e qualidade dos cuidados parentais: Uma revisão sistemática. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 33, 1-9. doi: 10.1590/0102.3772e3321.

[6] Center on the Developing Child at Harvard University (2014). Enhancing and practicing executive function skills with children from infancy to adolescence. www.developingchild.harvard.edu (setembro de 2022).

O que são as funções executivas?

Joana Baptista

Professora no ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa. É Licenciada e Doutorada em Psicologia pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto. Os seus principais interesses de investigação centram-se nos efeitos das experiências precoces, como a qualidade das interações, no desenvolvimento socioemocional e cognitivo de bebés e crianças.

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