Pense numa sala de jardim de infância. E se colocássemos câmaras na cabeça de algumas crianças, de modo a registar como os conflitos se desenrolam? Foi o que fez um grupo de investigadoras da universidade de Ohio State (1) visando analisar quais as intervenções dos/as educadores/as que eram mais eficazes para a resolução de conflitos entre crianças de 3 até cerca de 5 anos de idade.
Câmaras nas cabeças das crianças e do/a educador/a
Esta metodologia de investigação inovadora permitiu obter informação sobre os conflitos do ponto de vista das crianças. As imagens fornecem uma visão do mundo social e da experiência autêntica de cada criança. Além disso, a perspetiva do/a educador/a foi, também, registada e analisada. Por detrás de cada intervenção do/a educador/a está um processo complexo de tomada de decisão. Lidar com os conflitos que ocorrem entre as crianças é um processo difícil, que não deve ser minimizado, e que exige atenção e muita energia por parte dos/as educadores/as. As imagens obtidas, mostraram, também, que muitos conflitos são breves, e que ocorrem com muita frequência. Os/as educadores/as intervinham em menos de metade dos conflitos e as suas intervenções focavam-se, essencialmente, nos conflitos intensos e bidirecionais.
Como é que os/as educadores/as reagem ao conflito?
As investigadoras identificaram 3 tipos de respostas:
- Intervenções destinadas terminar o conflito: a gestão do conflito é abordada externamente – pelo/a educador/a – através de comentários, advertências, ou referências às regras da sala, sem envolver especificamente as crianças ou considerando os seus pontos de vista.
- Intervenções mediadoras: as crianças têm a oportunidade de explicar os seus pontos de vista, e o porquê do conflito, de tentar encontrar soluções por si próprias, ou de chegar a um acordo.
- Sem intervenção: o/a educador/a não se apercebe da ocorrência do conflito, ou deixa que este ocorra sem interferir.
O que funciona melhor?
Verificou-se que a estratégia mais utilizada foi tentar que o conflito terminasse imediatamente, embora conduzisse aos piores resultados. Esta estratégia resultou em perdas – perda de soluções, separação de crianças, retirada de um brinquedo … Talvez surpreendentemente, não intervir funcionou melhor do que querer que o conflito acabasse imediatamente. A estratégia mais eficaz revelou ser a mediação. Através desta, as crianças chegam, mais frequentemente, a soluções em que ambas beneficiam/ganham, ou a acordos mútuos. A mediação é mais eficaz do que não intervir.
Mensagem: considerar os conflitos como uma oportunidade de aprendizagem.
Os conflitos fornecem oportunidades para desenvolver competências como a tomada de perspetiva e a compreensão social. As crianças que têm oportunidade de construir soluções, com o apoio do adulto, para os conflitos que, naturalmente, emergem num grupo de jardim de infância são mais competentes a formar e manter relações de amizade. Contrariamente, crianças que não têm estas oportunidades apresentam mais comportamentos desajustados e dificuldades nas relações sociais (2, 3, 4). Será, assim, importante dar oportunidade às crianças para explicarem o que originou o conflito, os seus pontos de vista, e apoiá-las na resolução autónoma dos conflitos, ou na procura de uma solução de acordo.
Mensagem original escrita por Astrid Cornelis (Thomas More, Bélgica). Tradução e adaptação de Lígia Monteiro.
Referências
(1) Myrtil M.J., Lin T., Chen J., Purtell K.M., Justice L., Logan J., Hamilton H. (2021). Pros and (con)flict: Using head-mounted cameras to identify teachers’ roles in intervening in conflict among preschool children. Early Childhood Research Quarterly, 55, 230-241. https://doi.org/10.1016/j.ecresq.2020.11.011
(2) Chen, D. W. (2003). Preventing violence by promoting the development of competent conflict resolution skills: exploring roles and responsibilities. Early Childhood Education Journal, 30(4), 203-208. https://doi.org/10.1023/A:1023379306124
(3) Gower, A., Lingras K., Mathieson L., Kawabata Y., Crick N. (2014). The role of preschool relational and physical aggression in the transition to kindergarten: Links with social-psychological adjustment. Early education and development 25 (5), 619-640. https://doi.org/10.1080/10409289.2014.844058
(4) Sebanc A. (2003). The friendship features of preschool children: links with prosocial behavior and aggression. Social Development, 12(2), 249-268. https://doi.org/10.1111/1467-9507.00232