A Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC) [1] estabelece que esses direitos deverão estar garantidos em todas as circunstâncias e que, em situações de crise, quando as crianças se encontram particularmente em risco, deverão ser reforçados pelos estados. Efetivamente, nas situações de crise ou de emergência, os Direitos Humanos, particularmente os das crianças, encontram-se mais ameaçados e não apenas por quem sistemática e intencionalmente sempre os ignorou.

Nesta mensagem, inspirada pela emergência decorrente da pandemia por COVID-19 cujas implicações ainda não são completamente conhecidas, refletirei sobre os efeitos dos tempos de crise, ou de emergência, na vida das crianças, nomeadamente no que respeita ao exercício dos seus direitos.

Os direitos das crianças e a sua categorização

Os direitos das crianças não podem ser dissociados dos direitos humanos em geral, pois estes aplicam-se a todas as pessoas, independentemente da sua idade, devendo ser perspetivados de forma abrangente e articulada [2].

Embora não seja aceite de forma unânime, os direitos das crianças podem ser organizados em três tipos, ou categorias, sendo referidos como os direitos à provisão, à proteção e à participação e comummente designados como os “3 P’s” [3].

  • Na categoria Provisão encontram-se incluídos os artigos que reconhecem os direitos das crianças à saúde, à educação, à segurança social, à vida familiar, à cultura, ao lazer, entre outros [3].

  • Os direitos relativos à Proteção incluem, entre outros, os direitos de as crianças serem protegidas contra a discriminação, o abuso físico e sexual, a exploração, o uso de substâncias e o conflito [3].

  • Finalmente, os direitos à Participação dizem respeito aos direitos civis e políticos das crianças. Reconhecem o seu direito a um nome e a uma identidade, a serem consultadas, à integridade física, ao acesso à informação, à liberdade de expressão e de opinião e a desafiarem decisões tomadas em seu nome [3].

A ameaça aos direitos das crianças em tempos de emergência

O termo emergência aplica-se a todas as situações de crise derivadas de causas naturais (por exemplo, terramoto ou tsunami), de conflito armado (internacional ou interno) e de situações de saúde pública (epidemia ou pandemia) que possam conduzir à suspensão, ao adiamento ou ao impedimento do exercício dos direitos humanos [4]. Situações prolongadas, ou recorrentes, de emergência representam um risco agravado para todos os indivíduos, podendo ter efeitos devastadores na vida e no desenvolvimento dos que já anteriormente se encontravam em desvantagem devido a fatores de caráter sociocultural ou outros [4], acentuando desigualdades e discriminações.

Em contexto de crise, pode parecer aceitável alienar os direitos das crianças sob o pretexto de se garantir, prioritariamente, a sobrevivência das comunidades [5]. No entanto, a CDC, sublinhando a importância da manutenção desses direitos em situação de emergência, enfatiza, não apenas o facto de as crianças serem vulneráveis e de requererem proteção e provisão, mas também de serem capazes de “formar e de expressar opiniões, de participar nos processos de tomada de decisão e de influenciar soluções, para intervirem como parceiras no processo de mudança e na construção da democracia” [5, p.698].

Garantir e reforçar os direitos das crianças em tempos de emergência

Num artigo publicado recentemente [6] são analisados alguns dos efeitos da pandemia por COVID-19 nas vidas das crianças que, por se encontrarem em situação de risco sociocultural ou biológico, poderão ser particularmente afetadas por esta crise que apresenta, também, contornos sociais, económicos e políticos. Como forma de resposta, e no sentido de mitigar os efeitos diretos e indiretos da pandemia, são apresentadas estratégias de intervenção alicerçadas nos direitos consagrados na CDC e que possibilitam o desenvolvimento de políticas e de práticas que privilegiem os direitos das crianças, de forma a:

  • serem protegidas de danos, isto é, “responder a riscos adicionais de violência, de exploração e de abuso contra as crianças, aumentados pela redução da permanência no contexto escolar e da vigilância das autoridades” [6, p. 3];

  • terem acesso a cuidados de promoção da saúde, ou seja, “garantir o acesso universal a cuidados de saúde materna, neonatal e infantil de qualidade, assim como medidas preventivas de saúde, incluindo imunização, no sentido de manter as crianças saudáveis, respondendo também às necessidades apresentadas pela COVID-19” [6, p.3];

  • serem vistas, ouvidas, obterem respostas, sendo-lhes dadas oportunidades para participarem ativamente, isto é, “dar visibilidade e oportunidade de participação às crianças durante esta pandemia; encorajar, privilegiar e ouvir as suas vozes e/ou as dos seus representantes” [6, p. 3].

Na literatura [e.g., 5, 7] são também referidos variados exemplos de envolvimento e de participação das crianças em processos de recuperação de situações de catástrofe. Assim, o envolvimento e a participação das crianças são essenciais para a recuperação das comunidades a curto, médio e longo prazo. As crianças têm ideias muito claras acerca das informações, dos conhecimentos e das competências necessários para que as comunidades estejam mais bem preparadas para futuras emergências [5]. Na verdade, uma vez que, nessas situações, as crianças são, muitas vezes, as mais afetadas, “ignorar a sua capacidade [e contributo] significa minar a da comunidade como um todo para lidar com a situação” [6, p.51].

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Referências

[1] UNICEF (2019). Convenção sobre os Direitos da Criança e protocolos facultativos. Comité Português para a UNICEF. Disponível em https://unicef.pt/media/2766/unicef_convenc-a-o_dos_direitos_da_crianca.pdf

[2] Lundy, L. (2019). Editorial. A lexicon for research on international children’s rights in troubled times. International Journal of Children’s Rights, 27, 595-601. doi:10.1163/15718182-02704013

[3] Quennerstedt, A. (2010). Children, but not really humans? Critical reflections on the Hampering effect of the “3 p’s”. International Journal of Children’s Rights, 18, 619–635. doi:10.1163/157181810X490384

[4] Muñoz, V. (2010). Protecting Human Rights in emergency situations. In K. M. Cahill (Ed.), Even in chaos. Education in times of emergency (pp. 9-25). Fordham University Press and The Center for International Humanitarian Cooperation. Disponível em https://research.library.fordham.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1006&context=human_affairs

[5] Penrose, A., & Takaki, M. (2006). Children’s rights in emergencies and disasters. Lancet, 367, 698–99. doi:10.1016/S0140-6736(06)68272-X

[6] Raman, S., Harries, M., Nathawad, R., Kyeremateng, R., Seth, R., Lonne, B., & Child Health (ISSOP) COVID-19 Working Group (2020). Where do we go from here? A child rights-based response to COVID-19. BMJ Paediatrics Open, 4, e000714. doi:10.1136/bmjpo-2020-000714

[7] Jabry, A. (2003). After the cameras have gone. Children in disasters. Jobham House: Plan. Disponível em http://www.childreninachangingclimate.org/uploads/6/3/1/1/63116409/after_the_cameras_have_gone_plan.pdf

Alerta! Os direitos das crianças estão em risco

Manuela Pessanha

Doutorada em Psicologia pela Universidade do Porto, em 2006, com a tese “Vulnerabilidade e resiliência no desenvolvimento dos indivíduos: Influência da qualidade dos contextos de socialização no desenvolvimento das crianças”. Docente na Escola Superior de Educação, Politécnico do Porto, na área de Psicologia, lecionando disciplinas na área da Psicologia do Desenvolvimento e da Educação.

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