Os primeiros anos de vida são ricos em aprendizagens e aquisições. Na sua relação dinâmica com o mundo físico, sensorial e social, o cérebro recolhe inúmeras informações (regras, conceitos, atributos), aprende a causalidade (a relação entre as coisas) e estabelece previsões [1]. Para este processo cognitivo contribuem as regras sociais. De facto, a criança (desde bebé) tem de aprender essas regras e descobrir como atuar de acordo com elas, sem descurar as suas próprias necessidades e interesses. É um processo difícil e exigente mas estruturante quer do desenvolvimento cognitivo quer do desenvolvimento emocional [2].
O que aprende a criança com um castigo?
A criança tenta a sua adaptação ao meio social por tentativa e erro e aprende com as consequências dos seus atos. O castigo (seja o “time-out”, a punição direta, ou indireta, como a retirada de um brinquedo) desenvolve conceitos claros, tais como: “o erro é reprovável”; “o erro deve ser punido”; “o erro é um ato final”; “o erro não tem reparação”; “o erro é negativo”. A criança, com esta experiência, aprende uma causalidade linear ou simplista: uma ação corresponde a uma reação. Assim, a explicação das relações é mecanicista, direta e numa única linha temporal – a causa antecede o efeito e são temporalmente próximos [1].
E se o erro for uma oportunidade para aprender logicamente?
E se o erro tiver graça? E se o erro não for o fim mas o princípio? E se o erro for uma oportunidade para aprender? E se o erro for reparável? E se o erro não for grave?
Se a criança aprende a reparar as suas ações; aprende, igualmente, a ação e o seu reverso, reconhece que de uma mesma ação podem resultar múltiplos efeitos, aprende que as ações têm probabilidades associadas [1]. Nesse caso, a criança pode aprender uma multiplicidade de modelos causais – probabilidades, associações e relações complexas. Nesse processo contínuo de aprendizagens e de aquisição de causalidade, à medida que se desenvolve a sofisticação cognitiva, a criança aprenderá a generosidade, o perdão, ou a aceitação (resultante da relativização do erro e do ganho da reversibilidade) [2].
A compreensão binária ou dicotómica (certo vs. errado) dará lugar ao triunfo da compreensão das relações, das associações e das probabilidades [1]! Uma matemática que se aprende nas interações…
Se quiser aceitar o desafio, deixo algumas sugestões
- Propor à criança imaginar como poderia ter feito de forma diferente.
- Conceber com a criança formas de resolução do problema ou de compensação do erro, se prejudicou alguém.
- Rir dos erros.
- Transformar os erros em atividades pedagógicas ou projetos de sala.
- Discutir os seus próprios erros.
- Partilhar esta informação com a família.
Partilhe connosco: Como costuma fazer? Que outras estratégias costuma utilizar?
Referências
[1] Pearl, J., & Mackenkie, D. (2018). O livro do Porquê. Lisboa: Temas e Debates, Circulo dos Leitores.
[2] Sapolsky, R. M. (2016). Comportamento. Lisboa: Temas e Debates, Círculo dos Leitores.
Isto é tão fácil de compreender e tão difícil de realizar. Estamos formatados, porque fomos ensinados, para castigar quando as crianças erram, quer numa simples conta de somar ou subtrair (com a famosa rasura da esferográfica vermelha e um brutal zero a seguir), quer no comportamento desajustado, em que despeja água para o chão molhando a casa toda ou quando agride um colega.
Eu tenho muita dificuldade em, primeiro, aprender eu própria com os meus erros na educação do meu filho. Resvalo muitas vezes para o mais fácil, repreendendo. Segundo, mesmo que queira fazer diferente, conversando, perguntando como poderíamos ambos ter feito diferente, ninguém à minha volta, desde família, amigos ou colegas, revelam ter disponibilidade nem vontade para a ter.
O melhor, seria, sem dúvida, haver grupos de pais que partilhassem as suas experiências. Mesmo que enviesadas e o que resulte com uns não resulte com outros, dava a possibilidade de partilhar preocupações, angústias e frustrações de alguns pais e mães e de levar para casa motivação nas novas ideias para experimentar.
Cara Catarina
Em primeiro lugar, quero agradecer o seu comentário que me fez pensar e desculpe atraso na resposta.
Porque que é que o primeiro impulso como pais e sociedade é punir? Eu creio que a sociedade se debate como um nova realidade: famílias com poucas crianças (criar um ou dois filhos). Ao longo da história da humanidade, criar e proteger muitos filhos exigia formas de educação com resultados imediatos, o investimento era dividido por muitas crianças. Evoluímos biologicamente e culturalmente deste modo. Contudo, agora que temos muitos recursos e poucas crianças podemos agir de modo distinto. Na verdade, educar de forma respeitadora, humanizada, crítica e “desenvolvimentalmente adequada” exige tempo e dedicação, e …demora mais tempo a surtir efeitos. Mas, os efeitos são mais duradouros e geram adultos equilibrados. Não deixamos o erro sem reparação, nem ignoramos o problema, nem caímos numa educação sem regras ou valores mas ouvimos, respeitamos, reparamos os erros com criança, aprendemos com os nossos e os erros dela….A falta de tempo é contraproducente neste processo, e os erros acontecem. Mas a investigação científica também indica que os bons pais, erram 30% do tempo, são mais ou menos 40% do tempo e são excelentes 30%. Como também sou mãe anima-me estes dados, dou o meu melhor para atingir a cota dos 30% de tempo excelente e vou mantendo um olho atento aos outros 70%.
Fiquei a pensar no seu desafio, criarmos um grupo para pensar sobre estas questões. Dar vida ao blog com espaços de discussão…vamos ficar a pensar na sua sugestão!
Fique bem! E vá ficando connosco,
Marina Fuertes
=) Essas estatísticas também me animaram.
A frustração de querer ser sempre a melhor mãe do mundo e não conseguir também pode resvalar para o “pronto, quero lá saber, não consigo!”.
Assim, percebo melhor que, nada nem ninguém se consegue sempre ou controlar sempre! Vou até mesmo partilhar esta informação com as mães e pais com quem falo sobre estas coisas! Obrigada!