Conhece ou já esteve envolvido/a em iniciativas em que as crianças participaram, enquanto coinvestigadoras? De acordo com a Convenção sobre os Direitos das Crianças [1], estas têm o direito a expressar as suas ideias e a vê-las consideradas, nos diversos contextos em que estão inseridas, incluindo na investigação. No entanto, são ainda pouco frequentes as situações em que as crianças são consideradas e incluídas, especificamente, enquanto coinvestigadoras. Nesta mensagem, partilhamos exemplos e também alguns pressupostos sobre este tema.
Coinvestigação em contexto de educação de infância: 2 projetos
Começamos por partilhar dois exemplos de coinvestigação com crianças:
Projeto na área da educação ambiental e da sustentabilidade, desenvolvido numa zona de floresta boreal. As crianças tiveram a oportunidade de escolher se queriam participar, em que atividades e por quanto tempo se queriam envolver no projeto. Depois de assistirem a vídeos seus, a brincar na floresta, identificaram temas que gostariam de investigar (elementos como roseiras, fortes/castelos ou insetos) e escolheram métodos de recolha e análise de dados (criação de arte, construção de modelos, visitas sensoriais com recurso a câmaras). As crianças participaram em discussões em grupo, construíram histórias para retratar os seus interesses e entendimento sobre a ecologia local, e apresentaram os resultados do projeto a familiares e membros da comunidade, conduzindo visitas na floresta. Este projeto originou um artigo, disponível aqui [2].
Projeto desenvolvido por um grupo de crianças, centrado na temática do imaginário infantil. As crianças realizaram diversas atividades e, em conjunto, investigaram, negociaram, refletiram, alcançaram consensos e tiraram conclusões sobre uma personagem imaginária. Com base nestas atividades, na análise dos produtos desenvolvidos pelas crianças e nos registos do educador, foi publicado um artigo onde são descritas competências de investigação desenvolvidas tanto pelas crianças, como pelo/a educador/a, durante o processo. O artigo pode ser consultado aqui [3].
Crianças enquanto coinvestigadoras: 5 ideias principais
Durante um processo de coinvestigação, que pode ser assegurado por um/a investigador/a, mas também, por exemplo, por um/a designer ou um/a educador/a, a criança assume o papel de alguém que explora, questiona, investiga e contribui para a construção de novos saberes, ao invés de ser apenas um participante na investigação [4]. São vários os pressupostos inerentes à inclusão das crianças, enquanto coinvestigadoras, nos processos de investigação. Destacamos cinco:
- As metodologias participativas atribuem às crianças o estatuto de agentes ativos e atores sociais competentes para formular ideias e interpretações sobre os diversos assuntos e contextos em que se inserem, instituindo formas colaborativas de construção de conhecimento. Neste sentido, a participação das crianças na investigação é um passo decorrente da interseção de várias disciplinas que procuram dar vez e voz às crianças, considerando as suas ideias e perspetivas [5], para além de lhes permitir o contacto com o método científico (através, por exemplo, do estabelecimento de hipóteses, ou da procura de evidências).
- As crianças podem ser coinvestigadoras num momento particular de uma investigação (como a fase inicial de planeamento), ou ao longo de todo o processo (nas várias fases da investigação), tendo em conta os objetivos do projeto e os interesses das crianças [6].
- As crianças podem ser envolvidas em diferentes atividades ou fases do processo, como a formulação de questões de investigação, a tomada de decisões sobre os métodos a utilizar, a interpretação dos dados, ou até a sua divulgação, assumindo um papel ativo e sendo representadas nos processos de investigação [7, 8].
- Existem diversos métodos e estratégias que podem ser úteis para envolver as crianças enquanto coinvestigadoras. As crianças podem ajudar a pensar questões a incluir numa entrevista, em vez de de serem meramente entrevistadas. Podem ser responsáveis por organizar uma visita guiada ao adulto, no jardim de infância, para mostrar onde preferem brincar, em vez de serem apenas observadas a brincar. Podem, ainda, fotografar a sala de jardim de infância e realizar uma apresentação, para dar a conhecer ao adulto os elementos de que mais gostam. Ou podem, até, ajudar os adultos na apresentação de uma pesquisa que realizaram, requerendo o processo de coinvestigação, inevitavelmente, uma clara atribuição de tarefas e responsabilidades [9].
- Ao assumirem um papel ativo em percursos de investigação, as crianças adquirem novos conhecimentos e experiências. Simultaneamente, desenvolvem competências de pesquisa, de recolha e tratamento de informação, mas também de questionamento, de análise crítica e de tomada de decisão, indispensáveis para a sua vida futura [10].
Para refletir…
O contexto de educação de infância é privilegiado para a promoção de experiências de coinvestigação. Os/as educadores/as assumem um papel importante enquanto mediadores/as destas experiências, para envolver as crianças de uma forma eticamente responsável, para envolver famílias e promover a reflexão e a partilha de experiências [3]. Em que experiências e projetos de coinvestigação com crianças já esteve envolvido/a? De que forma beneficiam, crianças e adultos, destes processos de coinvestigação? Partilhe connosco!
Referências
[1] Nações Unidas (1989). Convenção Sobre os Direitos das Crianças. Nações Unidas.
[2] Green, C. (2017). Four methods for engaging young children as environmental education researchers. International Journal of Early Childhood Environmental Education, 5(1), 6-19. Disponível em https://files.eric.ed.gov/fulltext/EJ1158488.pdf
[3] Tavares, S., Lino, D., & Hortas, M. J. (2017). Crianças como investigadoras em Educação Pré-Escolar. Atas do III Encontro de Mestrados em Educação e Ensino da Escola Superior de Educação de Lisboa, 133-145. Disponível em https://repositorio.ipl.pt/handle/10400.21/12011
[4] Vasconcelos, T. (2011). Trabalho de Projeto como “Pedagogia de Fronteira”. Da Investigação às Práticas, 1(3), 8-20. Disponível em https://repositorio.ipl.pt/handle/10400.21/1683
[5] Soares, N. F., Sarmento, M. J., & Tomás, C. (2005). Investigação da infância e crianças como investigadoras: Metodologias participativas dos mundos sociais das crianças. Nuances: Estudos Sobre Educação, 12 (13), 49-64. Disponível em https://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/36752
[6] Children Online Research and Evidence. A knowledge base on children & youth in the digital age. Disponível em https://core-evidence.eu/compass-for-research-ethics/children-as-co-researchers
[7] Alderson, P. (2008). Children as researchers. In P. Christensen, A. James (Eds), Research with children: Perspectives and practices (pp. 276-290). Falmer Press/Routledge. Disponível em https://discovery.ucl.ac.uk/id/eprint/10070478/1/Alderson_children%20as%20researchers.pdf
[8] Lundy, L., McEvoy, L., & Byrne, B. (2011). Working with young children as co-researchers: An approach informed by the United Nations Convention on the Rights of the Child. Early Education & Development, 22, 714–736. https://doi.org/10.1080/10409289.2011.596463
[9] Clark, A., & Statham, J. (2005). Listening to young children: Experts in their own lives. Adoption & Fostering, 29(1), 45-56. https://doi.org/10.1177/030857590502900
[10] Bradbury-Jones, C., & Taylor, J. (2015). Engaging with children as co-researchers: challenges, counter-challenges and solutions. International Journal of Social Research Methodology, 18(2), 161-173. https://doi.org/10.1080/13645579.2013.864589