As brincadeiras físicas ou de luta (a fingir) são denominadas na literatura científica como ‘rough and tumble play’ e são definidas como brincadeiras mais brutas e/ou vigorosas que incluem agarrar, perseguir, empurrar, ‘luta livre’ que parecem comportamentos agressivos, mas que ocorrem em contexto lúdico [1].

Este tipo de brincadeiras pode ser confundido com demonstrações de agressividade; no entanto, a sua natureza é afiliava (i.e., adesão/conexão ao grupo) e lúdica [2], e serve essencialmente para as crianças aprenderem a exercer e negociar de forma saudável controlo/dominância social [3].

Promovem, ainda:

  • a autorregulação [4];
  • a coordenação entre comportamentos e estratégias concorrentes (competitivas e de cooperação) [1];
  • a aprendizagem de sinais de iniciação e manutenção de brincadeira [5];
  • o desenvolvimento de estratégias de dominância pró-sociais [6];
  • o desenvolvimento de capacidades percetivas, motoras e sociais [7];
  • o respeito pelos limites da zona de conforto do parceiro de brincadeira [5].

Como é que estas brincadeiras são interpretadas?

No dia-a-dia das crianças, as brincadeiras físicas e de ‘lutas amigáveis’ tendem a ser vistas como comportamentos disruptivos e desafiantes ao normal funcionamento da família e da sociedade; e tendem a ser interpretadas pelos adultos como comportamentos agressivos e ‘perigosos’ [8].

No entanto, distintamente, no contexto educativo formal, os/as educadores/as tendem a interpretar corretamente este tipo de comportamentos, e a reconhecer a sua importância para o desenvolvimento saudável das crianças em áreas como o autocontrolo, empatia e compreensão de limites [9]. Especialmente, quando têm mais anos de experiência na sua profissão e formação superior em educação de infância [10], como é o caso em Portugal.

Estudos [9,10] sobre as perceções que os/as educadores/as têm sobre a ocorrência destas brincadeiras em contexto educativo formal, revelam que não só tendem a fazer uma correta interpretação destes comportamentos, como reconhecem os benefícios deste tipo de jogo (desde que devidamente monitorizado e permitido em moderação). Oferecem, ainda, alguns exemplos de sinais utilizados pelos/as educadores/as para distinguir uma brincadeira prazerosa de comportamentos agressivos:

  • todos os parceiros da brincadeira demonstram satisfação (através do tom da conversa, risos, etc.);
  • os papéis de dominância são invertidos ao longo da brincadeira;
  • os parceiros apresentam expressões faciais positivas.

Para refletir….

Na sua sala, este tipo de brincadeira ocorre frequentemente? Se sim, como a interpreta? Costuma impedir este tipo de brincadeiras imediatamente ou apenas quando as mesmas ultrapassam algum limite ou se tornam disruptivas? Que sinais utiliza para perceber quando deve intervir?

Referências

[1] Pellegrini, A. D., & Smith, P. K. (1998). Physical activity play: The nature and function of a neglected aspect of play. Child Development, 69(3), 577–598. https://doi.org/10.1111/j.1467-8624.1998.tb06 226.x

[2] Pellis, S. M., Pellis, V. C., & Foroud, A. (2005). Play fighting: Aggression, affiliation, and the development of nuanced social skills. In R. E. Tremblay, W. W. Hartup, & J. Archer (Eds.), Developmental origins of aggression (pp. 47–62). Guilford Press.

[3] Pellegrini, A. D. (2009). The role of play in human development. Oxford University Press.

[4] Peterson, J. B., & Flanders, J. L. (2005). Play and the regulation of aggression. In R. E. Tremblay, W. W. Hartup, & J. Archer (Eds.), Developmental origins of aggression (pp. 133-157). Guilford Press.

[5] Flanders, J. L., Simard, M., Paquette, D., Parent, S., Vitaro, F., Pihl, R. O., & Séguin, J. R. (2010). Rough-and- tumble play and the development of physical aggression and emotion regulation: A five-year follow-up study. Journal of Family Violence, 25, 357-367.

[6] Pellis, S. M., Pellis, V. C., & Reinhart, C. J. (2010). The evolution of social play. In C. M. Wortman, P. M. Plotsky, D. S. Schechter, & C. A. Cummings (Eds.), Formative experiences: The interaction of caregiving, culture, and developmental psychobiology (pp. 404–431). Cambridge University Press.

[7] Storli R. (2021). Children’s rough-and-tumble play in a supportive early childhood education and care environment. International Journal of Environmental Research and Public Health, 18(19), 10469. https://doi.org/10.3390/ijerph181910469

[8] Panksepp, J. (1993). Rough and tumble play: A fundamental brain process. In K. MacDonald (Ed.), Parent-Child play: Descriptions and implications. State University of New York Press.

[9] Tannock, M. T. (2008). Rough and tumble play: An investigation of the perceptions of educators and young children. Early Childhood Education Journal, 35, 357–361. https://doi.org/10.1007/s10643-007-0196-1

[10] DiCarlo, C. F., Baumgartner, J., Ota, C., & Jenkins, C. (2015). Preschool teachers’ perceptions of rough and tumble play vs. aggression in preschool-aged boys. Early Child Development and Care, 185(5), 779-790. https://doi.org/10.1080/03004430.2014.957692

Brincadeiras físicas e de lutas amigáveis: devemos inibir ou encorajar?

Carolina Santos

Bolseira de doutoramento em Psicologia no ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa. Atualmente, a sua tese centra-se sobre o envolvimento paterno e as suas implicações para o desenvolvimento socioemocional da criança.

2 comentários sobre “Brincadeiras físicas e de lutas amigáveis: devemos inibir ou encorajar?

  • 11/05/2022 at 22:12
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    Muito interessante. Parabéns pela iniciativa. Beijinho.

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    • 12/05/2022 at 08:42
      Permalink

      Muito obrigada Professora! Beijinho

      Responder

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