Os profissionais de intervenção precoce são recursos essenciais para apoiar a inclusão de crianças com necessidades de suporte adicional. Contudo, não conseguem estar com as crianças muito tempo, nem todos os dias. Então, de que forma podemos assegurar que a intervenção precoce acontece, em casa, na creche ou jardim de infância, quando estes profissionais não estão lá? A resposta a esta pergunta é: através da consultoria colaborativa!
O que é a consultoria colaborativa em intervenção precoce na infância?
A consultoria colaborativa é um processo interativo triádico. Nesta abordagem, os profissionais de intervenção precoce e os adultos que passam mais tempo com a criança (como pais e educadores/as de infância) trabalham em conjunto para encontrar soluções e atingir objetivos comuns [1, 2]. O objetivo imediato é aumentar a confiança e autoeficácia dos adultos significativos. O objetivo final é promover o envolvimento, as relações sociais, o sentimento de pertença, o bem-estar e o desenvolvimento das crianças.
A consultoria colaborativa é, assim, uma estratégia adequada para definir objetivos e para implementar, monitorizar e avaliar intervenções baseadas nas rotinas e nos contextos naturais das crianças.
Quais os pressupostos desta abordagem?
Os profissionais de intervenção precoce e os adultos significativos na vida da criança têm competências, conhecimentos e experiências diferentes, mas complementares. Uns têm conhecimentos sobre desenvolvimento (típico e atípico) e sobre estratégias de intervenção eficazes. Outros conhecem profundamente a criança, as suas dificuldades, as suas preferências e os seus contextos de vida. Assim, todos os contributos são igualmente importantes na procura de soluções para dar resposta às necessidades das crianças e dos que as rodeiam.
Um pressuposto adicional é que o que acontece no dia a dia, nos contextos de vida naturais, tem um impacto substantivo (maior do que o impacto de intervenções pontuais) no desenvolvimento das crianças. Assim, quanto maior for a qualidade das experiências diárias, maior o potencial de promoção do desenvolvimento. Por este motivo, é necessário apoiar os adultos significativos a maximizar a qualidade das experiências diárias das crianças. Paralelamente, é importante assegurar que estes adultos se sentem capazes de aproveitar as oportunidades de aprendizagem que surgem nas atividades e rotinas do dia a dia, quando o profissional de intervenção precoce não está presente.
Naturalmente, para ser bem-sucedida, esta abordagem requer relações positivas, baseadas no respeito e confiança mútua, e uma comunicação aberta, bidirecional e eficaz.
Como funciona a consultoria colaborativa?
Um aspeto essencial é que as visitas dos profissionais de intervenção precoce são agendadas em momentos em que os adultos significativos estão disponíveis para refletir em conjunto, resolver problemas e planear de forma cooperativa.
Neste caso, o foco das visitas dos profissionais de intervenção precoce deixa de ser a intervenção direta com a criança e passa a centrar-se nas seguintes tarefas [3, 4]:
- análise conjunta do que aconteceu desde a última visita (e da eficácia das estratégias definidas previamente);
- partilha de informação;
- identificação e valorização das forças e competências dos adultos significativos, bem como dos recursos do contexto;
- monitorização ou observação do progresso da criança;
- monitorização ou observação das mudanças introduzidas na organização do ambiente para dar resposta às necessidades da criança e dos que a rodeia;
- avaliação de dimensões específicas do funcionamento da criança, se necessário;
- definição conjunta de objetivos;
- resolução de problemas e identificação conjunta de estratégias para atingir objetivos;
- demonstração de estratégias que podem ser utilizadas no decorrer da semana;
- fornecimento de feedback sobre a implementação de estratégias por parte dos adultos significativos.
Em cada sessão, estão em causa três processos chave: suporte mútuo, resolução conjunta de problemas e influência social. Assim, a qualidade da relação e da comunicação é essencial para o sucesso desta abordagem. Do mesmo modo, é importante que, desde cedo, se clarifiquem expectativas sobre a natureza do processo de intervenção. Todos devem compreender as vantagens desta abordagem, mas também a necessidade de um envolvimento ativo para que seja eficaz. Efetivamente, uma colaboração eficaz requer: disponibilidade para contribuir, motivação, investimento na melhoria do trabalho, gestão do tempo, apoio à equipa, preparação, resolução de problemas, conhecimento da dinâmica do trabalho em equipa, interações positivas, flexibilidade e reflexão. É importante tomar consciência destes fatores para potenciar o contributo individual neste processo [4, 5].
Promover a consultoria colaborativa: Uma responsabilidade partilhada
A consultoria colaborativa apoia os adultos significativos a aproveitar as oportunidades de aprendizagem que surgem naturalmente e de forma regular nas rotinas e atividades das crianças, na casa da família, na creche, no jardim de infância e/ou na comunidade. Assim, assegura que a intervenção é individualizada e acontece todos os dias, nos contextos naturais das crianças, mesmo quando os profissionais de intervenção precoce não estão presentes. Contudo, ainda há um caminho a fazer para assegurar que os profissionais de intervenção precoce e os adultos significativos das crianças têm condições para implementar esta abordagem [6].
Aos pais, educadores de infância e outros adultos significativos, coloca-se a questão: Solicitam apoio, refletem com os profissionais de intervenção precoce e tomam decisões conjuntas para saber o que fazer, até à próxima visita, para dar resposta às necessidades da criança e dos que a rodeiam?
Aos profissionais de intervenção precoce coloca-se o desafio: Priorizam o apoio aos adultos significativos (pais, educadores de infância, etc.), assegurando que se sentem capazes de implementar as estratégias de intervenção necessárias até à próxima visita?
Ao sistema de intervenção precoce na infância e aos contextos de educação de infância, lança-se o repto: Estão a criar as condições necessárias para a implementação da consultoria colaborativa como uma abordagem privilegiada para assegurar uma intervenção baseada nas rotinas e nos contextos naturais?
Referências
[1] Robinson, S. M. (1991). Collaborative consultation. In Learning about learning disabilities (pp. 441-463). Academic Press. https://doi.org/10.1016/B978-0-12-762530-0.50021-7
[2] Boavida, T., Silva, C. S., Aguiar, C., & McWilliam, R. A. (2020). Measuring professionals’ perceptions about collaborative consultation in early childhood intervention. International Journal of Inclusive Education. http://dx.doi.org/10.1080/13603116.2020.1806367.
[3] Boavida, T., Aguiar, C., & McWilliam, R. A. (2018). A intervenção precoce e os contextos de educação de infância. In M. Fuertes, C. Nunes, D. Lino, & T. Almeida (Coord.), Teoria, práticas e investigação em intervenção precoce (pp. 5-26). CIED/Escola Superior de Educação de Lisboa. https://www.eselx.ipl.pt/sites/default/files/media/2018/ebook_vf.pdf
[4] Basu, S., Salisbury, C. L., & Thorkildsen, T. A. (2010). Measuring collaborative consultation practices in natural environments. Journal of Early Intervention, 32(2), 127-150. https://doi.org/10.1177/1053815110362991
[5] Ofstedal, K., & Dahlberg, K. (2009). Collaboration in student teaching: Introducing the collaboration self-assessment tool. Journal of Early Childhood Teacher Education, 30(1), 37-48. https://doi.org/10.1080/10901020802668043
[6] Salisbury, C. L., Woods, J., & Copeland, C. (2010). Provider perspectives on adopting and using collaborative consultation in natural environments. Topics in Early Childhood Special Education, 30(3), 132-147. https://doi.org/10.1177/0271121409349769
Os pais vão, com concerteza, sentir-se mais seguros nesta fase de vida dos seus filhos.