As crianças podem ser uma fonte de transmissão do covid-19

A Humanidade está neste momento a passar por um problema já imaginado por alguns cientistas e realizadores de cinema, todavia, apanhou-nos desprevenidos. A doença provocada pelo vírus Covid-19 propaga-se através da população de seres humanos com enorme facilidade. Porquê? Porque nunca tivemos a oportunidade de contactar com este vírus e de ganhar imunidade [1]. Naturalmente, pais e educadores perguntam o que fazer.

Devemos proteger as nossas crianças do contágio por Covid-19?

Sim, mas não pelas razões esperadas. As crianças parecem ser bastante resistentes ao Covid-19. A mortalidade das crianças até aos 9 anos tem sido zero num universo de mais de 150 000 infetados. Elas são tão resistentes que foi colocada a hipótese de que seriam portadoras do vírus sem adoecerem. Um estudo envolvendo cientistas chineses e americanos, acabado de publicar no “medrxiv” [2] e comentado na prestigiada revista científica Nature [3] rejeita esta hipótese. As crianças também ficam doentes, mas curam-se facilmente.

As crianças podem ser uma fonte de transmissão? E quais os cuidados a ter?

A taxa de mortalidade das pessoas infetadas entre os 18 e os 49 anos de idade é muito próxima de zero, abaixo de 0.4%. No entanto, em faixas etárias superiores, as taxas de mortalidade sobem. Acima dos 80 anos de idade, a taxa atinge 14%.

Como as crianças são uma fonte de contágio discreto é absolutamente essencial que as crianças não contactem com os avós sem antes ter havido um período de quarentena. Não se caia na tentação de, perante o encerramento temporário das creches e dos jardins de infância decretado há dias, se entreguem as crianças aos cuidados dos avós. O contacto com os avós deve ser realizado após 14 dias de quarentena. A pandemia não deverá resolver-se a breve trecho, uma vez que depende da descoberta de uma vacina ou da imunização geral da população decorrente da recuperação após infeção. Assim, quando as aulas recomeçarem, os avós não devem levar ou trazer as crianças à creche ou jardim de infância. Novas soluções sociais devem ser encontradas.

Como devemos lidar com as crianças?

Como sempre lidámos: com tranquilidade, com boa disposição, mas insistindo, ainda mais, na lavagem das mãos.  Muitas brincadeiras podem fazer-se com a água. A criança vai constipar-se porque se molhou? Nem a água, nem o frio, provocam constipações ou gripes. Não há muito tempo, o mau-olhado era responsabilizado por doenças e outros males. Nos dias de hoje substituímos o mau-olhado pelo “frio”. Frequentemente ouvimos dizer “Hoje estou com febre porque ontem apanhei frio”; ou “Hoje estou doente porque apanhei uma corrente de ar, até senti um arrepio”. Nestas frases, a causalidade está invertida. Todas as doenças infeciosas têm um período de incubação de vários dias, sejam elas causadas por vírus ou por bactérias. Na verdade, quando andamos a incubar estes micro-organismos, o sistema imunitário já está a responder provocando a sensação de frio. Não há nenhum “micróbio do frio”. Se o frio fosse a causa dos estados gripais, os suecos estariam doentes todo o ano, até no Verão.

Muito pelo contrário: mantenha as janelas abertas (com as medidas habituais de segurança). Assim, o ar circula e diminui a probabilidade de contágio.   

A doença provocada pelo Covid-19 tem um período de incubação que ronda os sete dias (tal como a gripe), podendo chegar a 14 dias. Aparentemente, uma pessoa já está contagiosa dois ou três dias antes de ela própria apresentar sintomas. Imagine o potencial de contágio! Em particular, para quem tem filhos em idade escolar ou quem é profissional de educação. Esta pausa é um bom momento para todas as escolas fecharem completamente, profissionais irem para casa e garantir-se que todos regressam saudáveis.

Sugestões (só uma)

Ficar em casa, como nos pede o governo português e como nos pedem as autoridades de saúde.

…e, se quiser, pode aceder ao jogo online STOP Contágio e aprender mais sobre o novo coronavírus e como se pode proteger.

Referências

[1] Carmo Gomes, M. (2020, 10/March/2020). O novo coronavírus: factos, respostas e previsões. Público. Retrieved from https://www.publico.pt/2020/03/10/sociedade/perguntaserespostas/novo-coronavirus-factos-respostas-previsoes-1906959

[2] Bi, Q., Wu, Y., Mei, S., Ye, C., Zou, X., Zhang, Z., . . . Feng, T. (2020). Epidemiology and Transmission of COVID-19 in Shenzhen China: Analysis of 391 cases and 1,286 of their close contacts. medRxiv, 2020.2003.2003.20028423. Retrieved from https://www.medrxiv.org/content/medrxiv/early/2020/03/04/2020.03.03.20028423.full.pdf.doi:10.1101/2020.03.03.20028423

[3] Editor Nature (2020). Coronavirus: children as susceptible as adults. Nature, 579, 178.

Covid-19 e as crianças

Francisco Dionísio

Doutorado em Microbiologia, Professor Auxiliar com Agregação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa

Um comentário sobre “Covid-19 e as crianças

  • 18/03/2020 at 21:32
    Permalink

    Obrigada por esta explicação tão bem fundamentada e escrita de forma tão tranquila. Foi o momento mais apaziguador do meu dia. Nesta altura em que nunca nos vimos e que precisamos de nos apoiar em alguma coisa… é bom saber que o que há a fazer é realmente simples, abrandar a nossa vida, para a podermos retomar com alegria renovada.
    Obrigada caro Francisco

    Responder

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *