– Vá, meninos, arrumem os brinquedos para irmos almoçar!

Muitas vezes, nós, adultos, assumimos que algumas tarefas são simples quando, de facto, elas podem ser muito complexas para algumas crianças. Se muitas crianças conseguem, por modelagem ou por ensaio e erro, ir cumprindo e aprendendo a desempenhar essas tarefas, há outras que têm dificuldade em responder aquilo que lhes é pedido.

O que é e quando se utiliza a análise de tarefas?

A análise de tarefas é uma estratégia comportamental que visa a decomposição das tarefas a desempenhar em unidades comportamentais mais simples, com o intuito de serem ensinadas de forma sistemática e individualizada [1]. É uma prática baseada em evidências para a intervenção com crianças com perturbações no desenvolvimento [2]. Esta prática foi desenvolvida inicialmente para trabalhar com crianças com incapacidades severas e profundas, mas a sua utilização generalizou-se para outras crianças e para tarefas variadas [1].

Na literatura encontramos muitos exemplos de análise de tarefas, para situações muito diversas, como, por exemplo: desenvolver a tolerância ao contacto corporal [3]; ensinar uma criança a utilizar um sistema alternativo e aumentativo de comunicação [4]; ensinar a rotina do refeitório a uma criança [4].

Como fazer uma análise de tarefas?

  1. Identifique a tarefa que pretende ensinar – podem ser tarefas do dia a dia (lavar os dentes, tirar a roupa, …), comportamentos que pretende promover (ouvir uma história até ao fim, ficar sentado no lugar, …) ou, até, tarefas relacionadas com a numeracia ou a literacia (escrever o nome, …) [1].
  2. Identifique as competências ou conceitos que a criança já detém para desempenhar a tarefa – por exemplo, se consegue segurar a escova de dentes, quanto tempo consegue ficar sentada no lugar, ou que letras do seu nome conhece. Este passo implica que o/a educador/a saiba bem quais as competências ou conceitos necessários para realizar a tarefa [1].
  3. Divida a tarefa numa sequência de passos – esta é a fase crucial do processo e nem sempre é muito fácil. Há um vídeo muito engraçado em que um pai pede aos seus filhos para lhe darem as instruções necessárias para fazer uma sanduíche de geleia e manteiga de amendoim e onde é visível a dificuldade em dividir a tarefa nos seus passos (já agora, Alberto e Troutman [1], dois autores de referência nesta área, dividiram essa tarefa específica numa sequência de 22 componentes!).
  4. Ajuste a sequência de passos às competências da criança – por exemplo, se o objetivo for que a criança fique sentada durante 10 minutos, é preciso ver quanto tempo é que ela é capaz de ficar sentada neste momento e decidir qual será a progressão razoável (por exemplo, se a criança consegue estar sentada 2 minutos no início da intervenção, talvez seja razoável estabelecer como objetivos intermédios os 3, 5, 8, 10 minutos).

Como ensinar a criança a partir de uma análise de tarefas?

Os componentes de uma análise de tarefas constituem uma cadeia de comportamentos, e o processo de ensinar o comportamento através do treino e reforço de cada um dos componentes chama-se encadeamento (chaining, em língua inglesa).

As sequências podem ser ensinadas por fases (da primeira para a última componente ou em sentido contrário) ou ensinando todas as componentes de uma vez. Esta decisão pode depender da tarefa e da criança [5]. Por exemplo, o comportamento “lavar as mãos”, pode ser dividido em várias componentes: 1- abrir a torneira, 2- molhar as mãos na água, 3- colocar sabonete nas mãos molhadas, 4- esfregar as mãos até fazer espuma, 5- tirar a espuma com água corrente, 6- fechar a torneira, 7- secar as mãos na toalha.

Neste caso, o/a educador/a pode decidir começar por ensinar o primeiro passo à criança, ajudando-a nos demais. Quando a criança for autónoma na realização desse passo, o/a educador/a pode avançar para o ensino do segundo, e por aí adiante.

Por outro lado, o/a educador/a pode escolher começar por autonomizar a criança no último passo da sequência (secar as mãos) e só quando a criança for capaz de o fazer autonomamente, após indicação do adulto, avançar para a prática do componente anterior (fechar a torneira).

Pode, finalmente, optar por ensinar todos os passos ao mesmo tempo, dando orientações verbais ou ajudas físicas quando necessário, tentando diminuir a necessidade de apoio da criança na realização da tarefa.

O ensino destas sequências envolve um acompanhamento próximo, o recurso a pistas verbais ou visuais, e, eventualmente, ajudas físicas. Em muitas situações, é conveniente afixar pequenos cartazes com imagens representativas das sequências a cumprir, para que as crianças a possam seguir na ausência da supervisão do adulto (por exemplo, os passos da lavagem das mãos, ou o comportamento no refeitório). Desta forma, passo a passo, partindo daquilo que a criança consegue fazer, progride-se de forma intencional e estruturada no desenvolvimento das suas competências.

E na sua sala, costuma utilizar a análise de tarefas? Agora: 1-Desloque o cursor até à caixa de comentários, 2- Escreva uma pequena mensagem acerca da sua experiência, 3- Clique em “Submeter” e 4- aguarde por comentários em resposta!

Referências

[1] Alberto, P. A., & Troutman, A. C. (2013). Applied behavior analysis for teachers (9th edn.). Upper Saddle River: Pearson.

[2] Odom, S. L., Collet-Klingenberg, L., Rogers, S. J. & Hatton, D. D. (2010). Evidence-Based Practices in Interventions for Children and Youth with Autism Spectrum Disorders. Preventing school failure: Alternative education for children and youth, 54(4), 275-282. DOI: 10.1080/10459881003785506

[3] Siegel, E. (1972). Task analysis and effective teaching. Journal of Learning Disabilities, 5(9), 519–532. doi:10.1177/002221947200500901 

[4] Snodgrass, M. R., Meadan, H., Ostrosky, M. M., & Cheung, W. C. (2017). One step at a time: Using task analyses to teach skills. Early Childhood Education Journal, 45, 855–862. doi:10.1007/s10643-017-0838-x

[5] Collins, B. (2012). Systematic instruction for students with moderate and severe disabilities. Baltimore: Paul H. Brooks Publishing.

Passo a passo – a análise de tarefas no ensino de competências

Miguel Santos

É professor na ESE/IPP, na área de Educação Especial e Inclusão. Tem doutoramento em Psicologia da Educação pela Universidade do Minho. Tem lecionado disciplinas sobre desenvolvimento humano típico e atípico e educação especial e inclusão. Os seus interesses profissionais centram-se na promoção da participação na vida em sociedade de todas as pessoas, independentemente das suas características, ao longo do seu ciclo de vida.

3 comentários sobre “Passo a passo – a análise de tarefas no ensino de competências

  • 28/07/2020 at 15:16
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    Espetacular! A sua escrita é clara e objetiva. Obrigada por partilhar este seu conhecimento. Eu tinha um trabalho a realizar e foi muito esclarecedor.

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  • 01/08/2020 at 06:04
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    Sua matéria caiu com uma luva em minhas mãos..
    Trabalho na APAE e em meios à essa pandemia estamos trabalhando de forma online e estou justamente precisando fundamentar bem como ensinar os pais e ou responsáveis o ensino passo à passo de habilidades básicas de AVD e AVP.me ajudou muitíssimo

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  • 08/08/2022 at 20:24
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    O ensino das sequências de cada tarefa não se assimila ao treino de avd ou aivd que é competência do profissional Terapeuta Ocupacional? Qual a diferença?

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