Constatar um problema, formular uma hipótese (isto é, imaginar uma solução viável para o problema), fazer observações e documentar os resultados obtidos são tarefas típicas dos cientistas. Através destes passos, os cientistas constroem e comunicam conhecimento, aplicando e desenvolvendo competências de pensamento crítico, observação e resolução de problemas. De igual modo, as crianças em idade pré-escolar estão, também elas, a descobrir as leis da física e da química, a co-construir conhecimento sobre o mundo que as rodeia e a desenvolver competências de observação, pensamento crítico e resolução de problemas.

Segundo as nossas Orientações Curriculares [1], é missão da educação de infância promover nas crianças uma atitude científica e experimental (p. 89), seguindo o processo de descoberta fundamentada que caracteriza a investigação científica (p. 89). Mas como podem os profissionais de educação de infância promover esta atitude? Um caminho possível inclui as seguintes estratégias [2]:

1. Promover a curiosidade

As crianças são curiosas por natureza: perguntam porquê incansavelmente; quando a resposta não satisfaz, continuam a perguntar; tocam, desmontam e montam (por vezes, partem simplesmente) para perceber como algo é por dentro e como funciona. Aceitar essa curiosidade como motor de desenvolvimento é muito importante. A curiosidade pode ser estimulada proporcionando oportunidades de observação, acarinhando as perguntas das crianças e a procura ativa de respostas, proporcionando a exploração de materiais diversos e a realização de experiências.

2. Responder a perguntas com (boas) perguntas

Quando ouvimos as perguntas das crianças, a tendência natural é responder imediatamente. Contudo, muitas vezes, a solução que resultará em conhecimento mais aprofundado ou num maior desenvolvimento de competências, é responder com uma outra pergunta: O que é que tu pensas? E se fossemos pesquisar? E se experimentássemos? Paralelamente, envolver na pesquisa outras crianças da sala e as famílias pode oferecer oportunidades interessantes de cooperação e de ligação ao mundo real da criança.

Nem todas as perguntas que fazemos têm o mesmo potencial para estimular as crianças a aprofundar o seu raciocínio e a procurar soluções. Perguntas fechadas que exigem um mero sim ou não ou uma resposta muito curta por parte da criança têm pouco potencial para libertar o cientista que existe dentro de cada criança. Contudo, perguntas que começam com Como e Porquê ou que pedem à criança para dar a sua opinião ou para explicar o seu raciocínio têm muito potencial para favorecer uma resposta mais complexa ou uma solução mais sofisticada.

3. Promover a experimentação em vez da observação de demonstrações

É possível (e frequente) organizar demonstrações em que as crianças observam os/as profissionais de educação de infância a juntar ingredientes previamente preparados e medidos, contando com explicações sobre os conceitos relevantes e com a possibilidade participar em determinados momentos (por exemplo, acrescentando um ingrediente, mexendo uma mistura). Contudo, se os materiais forem simplesmente distribuídos pelas crianças e elas tiverem a oportunidade de observar o que acontece quando colocam demasiada quantidade de um dos ingredientes ou se esquecem de juntar um terceiro ingrediente, o potencial para aprender é maximizado.

As perguntas (abertas e desafiantes) que podemos fazer no decurso de uma experiência em que são as crianças a manipular os materiais e a cometer erros, podem potenciar a aprendizagem. E não é importante compreender que os erros são oportunidades de aprendizagem? Poder cometer erros num contexto seguro que vê o erro como algo positivo, como uma oportunidade de aprendizagem, e que valoriza mais o processo de descoberta do que um resultado final rápido e “limpo”, é muito importante.

4. Proporcionar oportunidades para criar

Proporcionar desafios que têm múltiplos resultados possíveis permite atingir um objetivo cognitivo mais sofisticado do que recordar, reconhecer, reproduzir, analisar ou aplicar um conjunto de conteúdos ou competências: permite criar. Se o desafio é construir uma ponte, por exemplo, organizar a atividade de forma a serem as crianças a decidir os materiais a usar, o local de construção, ou o formato da ponte, originará uma série de problemas interessantes e significativos, a que cada criança poderá dar respostas diferentes. E o processo de resolução de problemas e de descoberta, mais uma vez, é mais importante do que o resultado final.

5. Estabelecer relações com o mundo real

Estabelecer ligações entre as experiências das crianças no jardim de infância e as suas experiências em casa, na natureza e na comunidade, potencia uma compreensão mais aprofundada e a generalização das aprendizagens. Estas ligações permitem ainda, tornar os conhecimentos e competências adquiridos mais significativos e úteis para as crianças. Por exemplo, uma discussão ou uma experiência sensorial sobre texturas pode ser expandida com a referência a exemplos de materiais macios que existem na casa das crianças (por exemplo, o pelo do gato, o tecido do roupão).

Estes princípios ou estratégias parecem relativamente simples e intuitivos. Contudo, os resultados da investigação por todo o mundo, incluindo em Portugal, demonstram que não é assim tão fácil implementá-los de uma forma sistemática. É relativamente comum encontrar contextos de educação de infância que proporcionam experiências de elevada qualidade em termos de apoio emocional ou de gestão positiva do tempo e dos comportamentos das crianças [2, 3, 4]. É bem mais difícil encontrar contextos que proporcionam, de forma consistente, experiências de elevada qualidade em termos de oportunidades de análise e raciocínio típicas do método científico, criação e ligações ao mundo real [3, 4]. O que é importante saber, contudo, é que quando se assegura, de forma consistente, estas oportunidades de análise e raciocínio, conseguimos importantes benefícios, a curto e a longo prazo, em termos de desenvolvimento de linguagem, literacia e numeracia [5, 6].

Libertar o cientista que existe dentro de cada criança implica muita intencionalidade na prática pedagógica mas os potenciais resultados e, acima de tudo, o processo para lá chegar valem a pena.

Que estratégias utiliza para libertar os cientistas que existem na sua sala? Partilhe as suas experiências connosco!

 

Cecília Aguiar, ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa

 

Referências

[1] Lopes da Silva, I., Marques, L., Mata, L., & Rosa, M. (2016). Orientações curriculares para a educação pré-escolar. Lisboa: Ministério da Educação/Direção-Geral da Educação (DGE). Disponível em: http://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Noticias_Imagens/ocepe_abril2016.pdf
[2] Pianta, La Paro, K. M., & Hamre, B. K. (2008). Classroom Assessment Scoring System: Manual Pre-K. Baltimore, MD: Brookes.
[3] Cadima, J., Aguiar, C., & Barata, M. C. (2018). Process quality in Portuguese preschool classrooms serving children at-risk of poverty and social exclusion and children with disabilities. Early Childhood Research Quarterly, 45, 93-105. doi: 10.1016/j.ecresq.2018.06.007
[4] Slot, P. L., Bleses, D., Justice, L. M., Markussen-Brown, J., & Højen, A. (2018). Structural and process quality of Danish preschools: Direct and indirect associations with children’s growth in language and preliteracy skills. Early Education and Development, 29(4), 581-602. doi: 10.1080/10409289.2018.1452494
[5] Curby, T. W., LoCasale-Crouch, J., Konold, T. R., Pianta, R. C., Howes, C., Burchinal, M., … & Barbarin, O. (2009). The relations of observed pre-K classroom quality profiles to children’s achievement and social competence. Early Education and Development, 20(2), 346-372. doi: 10.1080/10409280802581284
[6] Downer, J., Sabol, T. J., & Hamre, B. (2010). Teacher–child interactions in the classroom: Toward a theory of within-and cross-domain links to children’s developmental outcomes. Early Education and Development, 21(5), 699-723. doi: 10.1080/10409289.2010.497453

 

Outros recursos

Adair, A., & Hoisington, C. (2018). Promoting children’s science learning one step at a time. Disponível em: https://www.naeyc.org/resources/blog/promoting-childrens-science-learning
Paratore, J. R., & O’Brien, L. M. (2018). Inspire children to think and act like scientists. Disponível em https://www.naeyc.org/resources/blog/inspire-children-think-and-act-scientists

Libertar o cientista que existe dentro de cada criança

Cecília Aguiar

Professora Associada no ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, na área de Psicologia. Os principais interesses de investigação incluem a qualidade em contexto de creche e jardim de infância, a intervenção precoce na infância e o desenvolvimento social das crianças. Apaixonada por literatura infantil.

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