A evidência vulgarmente atribuída para a existência de um “temperamento único e fixo” resultada da experiência dos pais com o segundo filho: “criei dois filhos de forma igual e são totalmente diferentes”. Será verdade? Será que os pais criam dois filhos de forma semelhante? Na verdade, criam um filho mais velho a quem nasce um irmão e um filho mais novo que nasce no seio de uma família com crianças mais velhas. Quando nasce o segundo filho, os pais são mais experientes, mais velhos, enfrentam novos desafios económicos, entre outras mudanças.  

Todas as crianças são diferentes porque têm indicadores de saúde distintos (a dor física é um forte determinante do bem-estar da criança, muitas vezes confundido com traços de temperamento), educadores/as diferentes, pares distintos, etc. Se as experiências de vida são irrepetíveis, será possível medir o temperamento? 

O Constructo do Temperamento 

Em algumas investigações procurou estudar-se o temperamento do recém-nascido (e.g., choro, tremores, adaptação e sensibilidade aos estímulos) e a sua continuidade [1, 2]. Contudo, os fatores da socialização parecem pesar mais [3, 5]. Na verdade, existe uma personalidade em construção a partir das experiências de vida e pela conjugação de múltiplos fatores biológicos. Logo, o temperamento ganhou suporte como um constructo “social” [6].  

Não nascemos com um temperamento biologicamente programado, fixo e marcador da personalidade (o conhecimento acumulado não subescreve que “quem torto nasce, tarde ou nunca se endireita”), mas os outros podem “pensar” (formar uma representação) que o bebé tem um temperamento (bom ou mau). Aliás, logo na maternidade, se o bebé chora com desconforto físico (muitas vezes em dor ou assustado), pode ser considerado como um bebé difícil, irritável ou pouco responsivo. Atualmente, o constructo do temperamento é, sobretudo, definido a partir das representações dos pais, dos pares ou do/a educador/a sobre a criança. Poderá esta representação limitar o espaço do desenvolvimento da personalidade da criança? 

As expetativas dos outros podem afetar o percurso e desenvolvimento da criança. No famoso estudo de Rosenthal foi identificado o “efeito pigmaleão”. Os investigadores escolheram aleatoriamente um grupo de crianças, indicando (falsamente) aos professores quem eram as crianças com elevados “scores” de inteligência. No fim do ano letivo, essas crianças melhoraram significativamente os resultados escolares [7, 8]. A expetativa elevada dos professores tornou-os mais atentos, pacientes, colaborativos e foi o suficiente para a mudança! E na prática… 

Ponha de lado uma perspetiva rígida sobre a personalidade ou sobre o comportamento da criança, pois ela está em desenvolvimento, a mudar todos os dias! 

  1. Compreenda o seu papel na mudança da criança. Observe a criança, verifique o que a leva a sorrir, a colaborar e participar. Valorize esses momentos! 
  1. Se os pais lhe fazem descrições negativas do temperamento da criança, faça o contraponto. Registe momentos em que a criança é colaborativa e partilhe com os pais.  Devolva o melhor da criança aos pais! 
  1. A repetição e a consistência do ponto anterior ajudarão progressivamente os pais a mudarem o ponto de vista. Nalguns casos, exige tempo! 
  1. Ajude os pais a compreenderem as causas do comportamento e não focarem-se em comportamentos específicos (na chegada dos pais quando a criança reage com ambivalência e não se dá o reencontro cor de rosa esperado, fale sobre a possível causa dos comportamentos, “ela está tão contente e excitada por vê-lo que está com dificuldade em demonstrar o que sente. É a sua expressão de amor e de saudade”). 
  1. Algumas crianças fazem atribuições negativas (“sou tão distraída!”). Ajude a criança a desconstruir essas atribuições: ser e estar são aspetos distintos! 

Referências 

[1] Barbosa, M., Moreira, J., Tronick, E., Beeghly, M., & Fuertes, M. (2018). Neonatal Behavioral Assessment Scale (NBAS): Confirmatory factor analysis of the six behavioral clusters Journal of Early Human Development, 124, 1-6 doi:10.1016/j.earlhumdev.2018.07.007.  

[2] Matheny, A. P., Riese, M. L., & Wilson, R. S. (1985). Rudiments of infant temperament: Newborn to 9 months. Developmental Psychology, 21(3), 486–494. doi: 10.1037/0012-1649.21.3.486 

[3] Laible, D., Thompson, R. A., & Froimson, J. (2015). Early socialization: The influence of close relationships. In J. E. Grusec, & P. D. Hastings (Eds.), Handbook of socialization: Theory and research (pp. 35–59). NY: Guilford Press. 

[4] Belsky, J., & Fearon, R. (2002). Infant-mother attachment security, contextual risk, and early development: A moderational analysis. Development and psychopathology14(2), 293-310. Doi: 10.1017/S0954579402002067. 

[5] Dunst, C. J., & Kassow, D. Z. (2008). Caregiver sensitivity, contingent social responsiveness, and secure infant attachment. Journal of Early and Intensive Behavior Intervention, 5(1), 40-56. http://dx.doi.org/10.1037/h0100409 

[6] Vaughn, B. E., & Bost, K. K. (1999). Attachment and temperament: Redundant, independent, or interacting influences on interpersonal adaptation and personality development? In J. Cassidy, & P. R. Shaver (Eds.), Handbook of attachment: Theory, research, and clinical applications (pp. 198–225). NY: The Guilford Press. 

[7] Rubovits, P. C., & Maehr, M. L. (1971). Pygmalion analyzed: Toward an explanation of the Rosenthal-Jacobson findings. Journal of Personality and Social Psychology, 19(2), 197–203. doi: 10.1037/h0031526 

[8] Cooper, H. M., & Tom, D. Y. H. (1984). Teacher expectation research: A review with implications for classroom instruction. The Elementary School Journal, 85(1), 77-89. doi: 10.1086/461393 

Nascemos com um temperamento? Qual a sua influência no nosso desenvolvimento?

Marina Fuertes

Marina Fuertes é Professora Coordenadora com Agregação da Escola Superior de Educação (Instituto Politécnico de Lisboa) e membro integrado do Centro de Psicologia da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP). É doutorada e mestre em Psicologia com pós-doutoramento na Harvard Medical School. Obteve vários financiamentos e prémios científicos tendo publicado diversos artigos – recentemente na Developmental Psychology.

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