Cenário 1 | As crianças da sala dos 5 anos brincam com alegria no exterior. O José é autista e o Manuel é deficiente motor, demonstrando sérias dificuldades para participar na brincadeira, pois o José isola-se e o Manuel não consegue deslocar-se na sua cadeira de rodas pelo espaço.
Cenário 2 | As crianças da sala dos 5 anos brincam com alegria no exterior, menos o Manuel e o José. O Manuel desloca-se em cadeira de rodas e, como o piso é irregular, move-se devagar, dificultando-lhe a participação nas brincadeiras; o José não toma a iniciativa para brincar e não é convidado para o fazer.
As palavras ou expressões que escolhemos para descrever as crianças, bem como o modo como interagimos com elas, afetam as perceções que constroem de si [1, 2]. De facto, as palavras são importantes e, por isso, escreveremos duas mensagens acerca deste tópico, mais especificamente sobre palavras usadas para falarmos sobre deficiência. Nesta, refletimos sobre as palavras usadas quando falamos ou escrevemos sobre as crianças com deficiência, de forma a contribuir para uma educação inclusiva; na próxima mensagem, o Porquê das Palavras, procederemos a um exercício de fundamentação teórica dos conceitos por detrás das palavras.
Partindo da assunção que a linguagem é a porta do pensamento e que o pensamento guia o modo como agimos, propomos, antes de continuar, que reflita sobre…
Com que regularidade costuma…?
Adaptado de Russell (2008) [3].
Linguagem focada na pessoa: o poder das palavras
Sim, as palavras são poderosas [2] e, por isso, escolher bem as palavras quando comunicamos com ou sobre crianças com deficiência é fundamental! Linguagem focada na pessoa (people-first language) é uma perspetiva que recomenda uma atenção especial à forma como falamos e escrevemos sobre as pessoas com deficiência para minimizar viés ou estereótipos [2]. Assim, linguagem focada na pessoa implica destacar a pessoa e não a deficiência, evitando o uso de adjetivos como nomes (e.g., autista), tal como ilustrado no cenário 2. No quadro que se segue, apresentamos algumas palavras/expressões a evitar e algumas sugestões a adotar em alternativa [1, 2].
A evitar… | A usar… |
Deficiente. | Pessoa com deficiência. |
O José é autista. | O José tem uma perturbação do espetro do autismo. |
O Manuel é tetraplégico. | O Manuel tem uma deficiência motora. |
A Tânia é atrasada em termos de desenvolvimento. | A Tânia tem um atraso de desenvolvimento. |
O Filipe é mongolóide. | O Filipe tem Síndrome de Down. |
Casa de banho para deficientes. | Casa de banho acessível. |
O ser e o ter: a deficiência como qualidade ôntica ou como uma característica a par de outras
Como qualquer outra criança, as crianças com deficiência são indivíduos únicos, apresentando múltiplas características, mas são nomeadas, frequentemente, pela sua deficiência, tal como evidenciado no cenário 1.
Assim, destacar a deficiência como a característica mais importante da criança, é desvalorizá-la enquanto indivíduo, pois a criança:
- não é a deficiência;
- a deficiência não define a pessoa;
- a deficiência é apenas um dos aspetos da sua vida.
Em suma, a criança com deficiência é muito mais do que o diagnóstico.
Para refletir…
- Tem uma preocupação consciente relativamente à forma como fala e escreve sobre as crianças com deficiência?
- Habitualmente, como costuma referir-se às crianças com deficiência que fazem parte da sua sala?
- O que faz quando os/as outros/as profissionais utilizam linguagem que marginaliza, não respeita a dignidade ou demonstra baixas expectativas relativamente às crianças com deficiência?
Texto escrito em parceria com Carla Peixoto
Referências
[1] Blaska, J. (1993). The power of language: speak and write using “Person First”. In M. Nagler (Ed.), Perspectives on disabilities (pp. 25–32). Palo Alto, CA: Health Markets Research.
[2] Snow, K. (2009). To ensure inclusion, freedom, and respect for all, we must use PEOPLE FIRST LANGUAGE. Retirado de http://www.inclusioncollaborative.org/docs/Person-First-Language-Article_Kathie_Snow.pdf
[3] Russell, C. L. (2008). How are your person first skills?: A self-assessment. TEACHING Exceptional Children, 40(5), 40-43.