A Sara, educadora de infância numa sala de creche, começa o seu dia a partilhar com a Rita, auxiliar de ação educativa, como tem sido difícil controlar as mordidas entre crianças na sala. A Susana esteve reunida com os pais de uma das crianças do seu grupo, esta manhã, para partilhar algumas estratégias de promoção do desenvolvimento da linguagem em casa. A Joana e a Maria, equipa educativa da sala do berçário, estiveram a pensar como poderiam mudar a disposição dos equipamentos e materiais na sala para aumentarem o envolvimento ativo dos bebés.

Apesar dos contextos e dos desafios colocados em cada uma destas situações serem diferentes, as profissionais têm um objetivo comum: promover o desenvolvimento e bem-estar das crianças. O impacto das práticas pedagógicas no desenvolvimento e bem-estar das crianças é potenciado quando os profissionais se envolvem em atividades de desenvolvimento profissional que apoiam a sua aprendizagem, o seu crescimento e a qualidade do seu trabalho [1].

O que é o desenvolvimento profissional?

Por desenvolvimento profissional entendemos as diferentes oportunidades de aprendizagem, com ou sem obtenção de grau ou de certificação, que podem ocorrer em contextos formais de educação, em ambientes informais e em contexto profissional [2].

A formação especializada é a forma mais comum de promoção do desenvolvimento profissional, podendo envolver, entre outros formatos, workshops, conferências, sessões com vista à discussão e reflexão ou demonstrações em vídeo. A investigação mostra que a formação especializada está associada a um aumento dos conhecimentos, a uma maior consciencialização e a crenças mais ajustadas [3], acerca do desenvolvimento e educação das crianças. Contudo, tem um impacto limitado na mudança das práticas que apoiam o desenvolvimento das crianças.

Quando o objetivo é a promoção da qualidade das práticas, a consultoria colaborativa, como forma de apoiar as práticas reflexivas, tem sido descrita como uma abordagem promissora nos modelos de desenvolvimento profissional, na medida em que permite maximizar os benefícios da aprendizagem em contexto, tendo em conta as necessidades e os desafios de cada profissional [2].

O que são práticas reflexivas?

São processos contínuos, envolvendo ciclos repetidos, em que se examina, se ajusta e se reflete sobre a prática, antes de a experimentar novamente [4]. É também uma forma de aprender através e a partir da experiência para obter novas perceções sobre si mesmo/a e sobre as práticas [5]. Quando os/as profissionais refletem sobre uma situação, experiência, perspetiva ou decisão, questionam “O que está a acontecer/aconteceu aqui?” mas também “Porquê? Qual era a minha intenção?”. Este comportamento reflexivo conduz a uma procura ativa de informações a partir de diferentes perspetivas e fontes, permitindo que sejam analisadas, usadas e aplicadas nos processos de tomada de decisão e na melhoria das experiências das crianças.

Algumas características das práticas reflexivas [6]:

  • Foco ativo nos objetivos, na forma como estes podem ser abordados e nas potenciais consequências;
  • Compromisso com um ciclo contínuo de monitorização e de avaliação das práticas;
  • Atenção centrada nas análises fundamentadas sobre a prática, com base em evidências;
  • Atitudes abertas, responsivas e inclusivas;
  • Capacidade de reformular a própria prática, tendo por base reflexões baseadas em evidências e na investigação;
  • Diálogo com outros profissionais, da própria instituição e de redes externas.

Exemplos de práticas reflexivas [7]:

Reflexão na ação – Ocorre, espontaneamente, quando as decisões são tomadas como resposta ao que está a acontecer num determinado momento. Também ocorre quando surgem novas situações ou as estratégias estabelecidas parecem não funcionar, e o/a profissional experimenta alternativas.

Reflexão sobre a ação – Ao pensar nas experiências após o evento, a reflexão sobre a ação constitui uma oportunidade para uma reflexão mais profunda. Trata-se de pensar sobre o que aconteceu, questionando como e porque uma prática específica contribuiu para o desenvolvimento e bem-estar das crianças ou para a relação com as famílias e explorando abordagens alternativas. Este tipo de reflexão pode acontecer no fim do dia ou ao longo de um período de tempo mais extenso.

Reflexão para a ação – É uma forma proativa de pensar sobre a ação futura. Pode ser desencadeada por experiências passadas, mas também pode envolver pensar em eventos futuros e como um/a profissional ou serviço pode responder. Inclui, entre outras, ser sensível a mudanças na comunidade, considerar diferentes abordagens e redefinir práticas e estratégias de comunicação para desenvolver e manter as relações com as crianças e as famílias.

Questões que podem contribuir para a reflexão:

  • Como observo e revejo criticamente o que está a acontecer ao longo do dia?
  • A minha prática é consistente com as minhas crenças, valores e expectativas?
  • A minha prática promove o desenvolvimento e bem-estar de todas as crianças?
  • Como monitorizo e altero as minhas práticas?
  • Quais são as melhores práticas?
  • Onde procuro informação baseada em evidências?
  • Que teorias e modelos informam as minhas práticas?

Uma sugestão final

Nestes processos reflexivos, o registo vídeo tem sido apontado como uma estratégia eficaz e valorizada pelos/as profissionais na promoção da reflexão, na medida em que lhes permite partir da visualização da sua prática, podendo fazê-lo individualmente ou em colaboração com outros/as profissionais [e.g., 8,9]. Já experimentou? Partilhe a sua experiência na caixa de comentários.

Mensagem escrita por Margarida Fialho e pela equipa do Projeto Desenvolvimento e Educação em Creche (DEC) do ProChild CoLAB, que conta com a coordenação científica de elementos da Escola de Psicologia e Escola de Educação da Universidade do Minho, Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, Universidade de Aveiro, ISCTE, Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA) e Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP). Este Projeto é financiado pela Fundação Belmiro de Azevedo e apoiado por fundos nacionais através do Programa Missão Interface, do Plano de Recuperação e Resiliência, aviso nº 01/C05-i02/2022, aprovado pela ANI – Agência Nacional de Inovação, S.A.

Referências

[1] Foundation for Child Development. (2020). Getting it Right: Using Implementation Research to Improve Outcomes in Early Care and Education. Foundation for Child Development. https://www.fcd-us.org/getting-it-right-using-implementation-research-to-improve-outcomes-in-early-care-andeducation/

[2] Buysse, V., Winton, P. J., & Rous, B. (2009). Reaching consensus on a definition of professional development for the early childhood field. Topics in Early Childhood Special Education, 28(4), 235–243.

[3] Koh, S., & Neuman, S. B. (2009). The impact of professional development on family child care: A practice-based approach. Early Education and Development, 20(3), 537-562.

[4] Gruska, K., McLeod, J. H., & Reynolds, R. (2005). Reflecting upon reflection: theory and practice in one Australian University teacher education program. Reflective Practice, 6(2), 239-246.

[5] Finlay, Linda (2008). Reflecting on ‘Reflective practice’. Practice-based Professional Learning Paper 52, The Open University.

[6]Pollard A. (2002). Reflective teaching: Effective and evidence-informed professional practice. UK: Continuum.

[7] Schön, D. A. (1983). The structure of Reflection In-Action. The reflective practitioner. New York: Basic Books.

[8] Aguiar, T., Guedes, C., & Cadima, J. (2020). Utilização do vídeo no desenvolvimento profissional: perspetivas dos educadores de creche. Cadernos de Pesquisa, 50(175), 234-254. 

[9] Cherrington, S., & Loveridge, J. (2014). Using video to promote early childhood teachers’ thinking and reflection. Teaching and Teacher Education, 41, 42-51.

Desenvolvimento profissional em contextos de educação de infância: a importância das práticas reflexivas

Margarida Fialho

Mestre em Psicologia Educacional, os principais interesses de investigação centram-se na qualidade da educação na primeira infância e no desenvolvimento social e emocional das crianças (em particular, as competências sociais, a aceitação social e a regulação emocional). Atualmente, integra o eixo de Desenvolvimento e Educação do ProChild CoLAB.

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