Parecem bandos de pardais à solta
Os putos, os putos
São como índios, capitães da malta
Os putos, os putos
Mas quando a tarde cai
Vai-se a revolta
Sentam-se ao colo do pai
É a ternura que volta

Os putos de carlos do carmo

Bandura [1,2] postulou e verificou empiricamente que as crianças aprendem com os modelos sociais do adulto. Adultos que gritam, batem e insultam, servem de modelo para a atuação da criança, que tende a reproduzir estes comportamentos com outras crianças, objetos ou animais [3].

E os bons modelos como se reproduzem? Serão transferidos do adulto para o grupo de crianças?

Ainda não sabemos a resposta porque a investigação neste domínio é escassa. Mas devíamos aprender mais sobre a “sociedade das crianças” (i.e., a vida entre crianças). Sabemos que a criança (individualmente) se adapta ao comportamento do adulto e que o comportamento do adulto lhe pode abrir espaços de participação [4]. Um adulto que espera com paciência pelas decisões da criança, escuta, acompanha os interesses, dá poder de decisão e autonomia, tem maior probabilidade de obter a participação ativa, interessada e criativa da criança [5]. Ora, será que, consequentemente, a criança dará o mesmo espaço a outras crianças? Será que as boas práticas do adulto se reproduzem? Será o comportamento do adulto um rastilho de pólvora gerador de espaços de participação social e parceria na sociedade das crianças?

Fomos tentar saber….

Num estudo com três fases, procurámos compreender de que forma os modelos de participação, desafio pedagógico e envolvimento do/a educador/a são adquiridos pelas crianças e transferidos para outras crianças na interação entre pares e em pequeno grupo.

Na primeira fase, observámos e descrevemos os modelos dos/as educadores/as numa atividade de construção livre com uma criança. Numa segunda fase, pedimos à criança para realizar a mesma tarefa com outra criança (a pares) e, num terceiro momento, pedimos a essas duas crianças para realizarem a tarefa com mais duas (pequeno grupo). Fomos observando sucessivamente se o modelo do adulto era transferido para a criança, depois para o par e, por fim, para o pequeno grupo. Quadro da autoria da Ana Rita Azevedo.

Observámos crianças com 2/3 anos com o adulto e, posteriormente, entre pares – na investigação de mestrado da Inês Morais. Os resultados parecem indicar que o modelo do adulto não foi transferido a muitas das crianças desta idade. Podem existir várias explicações: i) Talvez o modelo dos pais ainda seja mais impactante que os modelos dos/as educadores/as nesta idade; ii) A criança, nesta faixa etária, age de forma autocentrada (evidente no jogo paralelo) e intelectualmente “egocêntrica” no sentido piagetiano (i.e., não consegue integrar o ponto de vista do outro, dando preferência aos seus interesses e desejos). Assim, ao colaborar pouco, a transferência de modelos não ocorre.

Contudo, com crianças mais velhas os resultados são diferentes. Segundo a investigação de mestrado da Ana Rita Azevedo com crianças, de 4 e 5 anos, o modelo do adulto parece ter mais impacto na atividade em pares do que no pequeno grupo. Todavia, os modelos mais calorosos, de parceria e colaborativos são os menos transferidos. Já os modelos mais instrutivos e diretivos do adulto parecem viajar rapidamente para a díade e depois para o pequeno grupo.

O que aprendemos sobre a forma como as crianças atuavam em pequeno grupo?

Eis, talvez, o resultado mais interessante deste estudo. Apesar de o adulto ter trabalhado em parceria com a primeira criança, a maioria das 40 crianças em estudo agiu solitariamente em pequeno grupo. Cada uma fez por si, embora partilhando esporadicamente ideias e materiais. Estarão as crianças habituadas a trabalhar em grupo com autonomia, a planear, a tomar decisões, colocando-as em prática conjuntamente? Possivelmente, em grupo, as crianças fazem tarefas pré-determinadas pelo adulto e segundo a monotorização deste. Será que conferimos à sociedade de crianças o tempo e o espaço necessários? Sem sociedade de crianças, os modelos pedagógicos, de participação e relacionais do adulto podem não ter impacto social!

Alguns modelos pedagógicos contribuem para a sociedade das crianças ao criar propostas de participação social ativa e democrática, mas o modus operandis da organização é estabelecida pelo adulto. O que poderá nascer da sociedade de crianças “sem agenda do adulto”, se lhes dermos tempo, espaço e autonomia?

As práticas podem ser devolvidas às crianças…

– Se criarmos oportunidades para as crianças trabalharem em pequeno grupo e em parceria em projetos conjuntos decididos por elas – aprender a estar, a ser e a cooperar.

– Se o adulto agir de modo horizontal, parceiro, democrático, afetivo (e com sentido de humor…acrescentamos nós à margem da investigação), a criança poderá aprender a parceria a partir do modelo do adulto.

– Se disponibilizarmos tempo, espaço e materiais que permitam às Pessoas desta idade encontrar a sua própria organização – fomentar a sociedade de crianças.

Gostaríamos de receber os vossos comentários, ideias e sugestões!

Texto da autoria de Ana Rita Azevedo, Inês Morais, Isabel Fernandes e Marina Fuertes

Referências

[1] Bandura, A. (1965). Influence of models’ reinforcement contingencies on the acquisition of imitative responses. Journal of personality and social psychology, 1(6), 589.

[2] Bandura, A., Ross, D., & Ross, S. A. (1961). Transmission of aggression through imitation of aggressive models. Journal of Abnormal and Social Psychology, 63, 575-82.

[3] Bandura, A. (1977). Social learning theory. Prentice Hall.

[4] Fuertes, M., Almada, J., Gonçalves, J. L., & Braz, M., (2022). Interacting and communicating with children: An exploratory study about educators’ behavior during a collaborative activity. European Early Childhood Education Research Journal, online. doi.org/10.1080/1350293X.2022.2081344

[5] Fuertes, M., Sousa, O., Nunes, C., & Lino, D. (2018). How different are parents and educators? A comparative study about the interactive differences between parents and educators in a collaborative adult-child activity. PLoS One, 13(11): e0205991. doi.org/10.1371/journal.pone.0205991.

Transferência do modelo do/a educador/a e a sociedade das crianças

Marina Fuertes

Marina Fuertes é Professora Coordenadora com Agregação da Escola Superior de Educação (Instituto Politécnico de Lisboa) e membro integrado do Centro de Psicologia da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP). É doutorada e mestre em Psicologia com pós-doutoramento na Harvard Medical School. Obteve vários financiamentos e prémios científicos tendo publicado diversos artigos – recentemente na Developmental Psychology.

Um comentário sobre “Transferência do modelo do/a educador/a e a sociedade das crianças

  • 14/09/2023 at 19:22
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    Excelente Artigo, mais Uma Aprendizagem e Desafio. Mudar é Preciso. Parabéns as Autoras

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