Na vida das famílias, nomeadamente das que têm crianças com idade inferior a 3 anos, há um momento em que é necessário decidir sobre a prestação de cuidados a utilizar e, muitas vezes, esta questão é ponderada mesmo antes da criança nascer. Mas, que aspetos terão as famílias em consideração?
Nesta mensagem, procuraremos analisar os motivos mais frequentemente apresentados pelas famílias para colocarem a criança na creche e em que medida a qualidade dos cuidados prestados é importante na escolha de uma creche.
Para além de o contexto de creche ser um recurso importante para as famílias, é amplamente reconhecido que a participação em contextos educativos extrafamiliares de elevada qualidade é importante para o desenvolvimento das crianças. Mas, será a qualidade da prestação de cuidados um dos motivos que mais pesa na decisão das famílias?
Motivos para colocar a criança na creche
Na literatura internacional tem sido salientado que famílias com um rendimento económico mais elevado, com um nível de escolaridade superior e/ou que trabalham mais horas escolhem preferencialmente o contexto de creche para colocarem as suas crianças. Por outro lado, famílias com baixos rendimentos económicos tendem a mostrar preferência por contextos não formais de prestação de cuidados, como as amas [1].
Em Portugal, num estudo desenvolvido entre 2012 e 2015 e no qual participaram 90 bebés que frequentavam creches na Grande Área Metropolitana do Porto, as suas famílias e respetivas creches, verificou-se que os motivos mais apontados pelas famílias para colocarem o/a seu/sua bebé na creche foram a falta de alternativa e/ou de retaguarda familiar (60.5%) e fatores relacionados com o desenvolvimento e a educação dos/as bebés (37.2%). Verificou-se também que as mães que indicavam motivos relacionados com fatores de conveniência (motivos económicos e falta de alternativa) para colocarem o/a bebé na creche tinham mais anos de escolaridade e trabalhavam mais horas fora de casa do que as mães que não indicavam escolher a creche com base nesses motivos [2].
No mesmo sentido, num estudo desenvolvido nos EUA, com um total de 345 mães de crianças com idade inferior a 6 anos, verificou-se que ter uma visão mais igualitária do papel da mulher na família e ter recursos económicos mais elevados se associava a uma maior probabilidade de indicar os cuidados não-parentais como primeira opção. Por outro lado, verificou-se também que 87.6% das mães com bebés optariam, se pudessem, pelos cuidados parentais, ou seja, a mãe, o pai ou ambos ficariam em casa com o/a filho/a [3].
A qualidade da creche e a escolha das famílias
Como já foi referido, a qualidade das creches é importante para o desenvolvimento de todas as crianças que as frequentam. Mas, em que situações a qualidade da creche é, ou pode ser, tida em conta na escolha das famílias?
Em alguns estudos, é salientado que a escolha de um contexto para a educação e cuidados para as crianças envolvia motivos, tais como a qualidade desejada, o preço do serviço e os recursos do agregado familiar [4]. No entanto, em estudos realizados em vários países, foi evidenciado que a decisão das famílias era mais complexa, envolvendo motivos de ordem diversa. Algumas características sociodemográficas das famílias parecem estar associadas à escolha do contexto de prestação de educação e cuidados. Por exemplo, mães que trabalham menos horas e com rendimentos económicos mais elevados escolhem, preferencialmente, a creche mais com base na sua qualidade, do que em outros aspetos, como o custo, o horário ou a localização [5]. Mais recentemente, os resultados de um estudo desenvolvido na Noruega, evidenciaram que crianças de famílias com estatuto socioeconómico mais elevado têm maior probabilidade de frequentarem contextos de prestação extrafamiliar de cuidados de qualidade mais elevada [6].
Em Portugal, num estudo realizado entre 2000 e 2004, com 120 famílias de crianças de 1 a 3 anos de idade que frequentavam creches do Distrito do Porto, verificou-se que cerca de 39% das famílias participantes indicaram a proximidade da creche, relativamente ao local de residência ou de trabalho, como principal motivo de escolha da creche, enquanto que cerca de 30% indicaram que essa escolha se relacionava com referências fornecidas por outras pessoas [7].
No estudo já referido anteriormente [2], verificou-se que 79.6% das famílias indicaram como motivo a qualidade e o conhecimento prévio acerca da creche e 43% indicaram motivos de conveniência, incluindo motivos económicos, a localização da creche, a falta de alternativa e o horário/calendário. Não se encontraram associações entre os motivos de escolha da creche, características das famílias, como o nível de escolaridade do pai e da mãe e os rendimentos do agregado, e a qualidade das creches frequentadas pelas crianças.
Investir na qualidade das creches
Se os recursos económicos das famílias as restringem na escolha de uma creche, evidencia-se a necessidade de um compromisso político e social no sentido de, para além de se aumentar a oferta de contextos de creche, continuar a investir-se na sua qualidade, generalizando-a a todas as creches. Desta forma, poderão ser concretizados os objetivos propostos, em 2015, na Resolução das Nações Unidas, nomeadamente, “Garantir uma educação inclusiva e de qualidade para todos/as (…)” e “Reduzir a desigualdade nos países e entre os países” [8, p.14]. Por outro lado, deverá também ser disponibilizada às famílias mais informação sobre o que procurar numa creche para que possam construir uma decisão informada.
Como podemos apoiar as famílias na tomada de decisão?
Na sua instituição, que informação disponibilizam às famílias?
Referências
[1] Liu, M. (2015). An ecological review of literature on factors influencing working mothers’ child care arrangements. Journal of Child and Family Studies, 24(1), 161–171. https://doi.org/10.1007/s10826-013-9822-2
[2] Pessanha, M., Cadima, J., Barros, S., Ferreira, T., Peixoto, C., Coelho, V., Pinto, A. I.†, & Bryant, D. (2019, agosto). Early childhood education and care in Portugal: policies and families’ reasons for attendance. Comunicação apresentada na EARLI 2019, Aachen, Germany. Disponível em https://earli.org/sites/default/files/2019-09/BOA-2019.pdf
[3] Rose, K. K., & Elicker, J. (2010). Maternal child care preferences for infants, toddlers, and preschoolers: The disconnect between policy and preference in the USA. Community Work & Family, 13(2), 205-229. http://dx.doi.org/10.1080/13668800903314366
[4] Cryer, D., & Burchinal, M. (1997). Parents as child care consumers. Early Childhood Research Quarterly, 12(1), 35-58. https://doi.org/10.1016/S0885-2006(97)90042-9
[5] Peyton, V., Jacobs, A., O’Brien, M., & Roy, C. (2001). Reasons for choosing child care: associations with family factors, quality, and satisfaction. Early Childhood Research Quarterly, 16(4), 191–208. https://doi.org/10.1016/S0885-2006(01)00098-9
[6] Alexandersen, N., Zachrisson, H. D., Wilhelmsen, T., Wang, M. V., & Brandlistuen, R. E. (2021). Predicting selection into ECEC of higher quality in a universal context: The role of parental education and income. Early Childhood Research Quarterly, 55(2) 336–348. https://doi.org/10.1016/j.ecresq.2021.01.001
[7] Pessanha, M. (2008). Vulnerabilidade e resiliência no desenvolvimento dos indivíduos: Influência da qualidade dos contextos de socialização no desenvolvimento das crianças. Fundação Calouste Gulbenkian, Fundação para a Ciência e Tecnologia.
[8] United Nations General Assembly Resolution 70/1 (2015). Transforming our world: the 2030 Agenda for Sustainable Development. Disponível em https://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/70/1&Lang=E