Naquele que parece ser o maior confinamento da História, Portugal integra a lista de países que mantêm as escolas fechadas. As crianças foram mantidas em casa, desde o dia 16 de março, iniciando um longo período de restrição de movimento, sem atividade física organizada ou tempo para brincar ao ar livre com os seus pares, o que poderá comprometer o seu desenvolvimento harmonioso.
Alguns estudos sugerem que durante longos períodos sem escola, as crianças são mais suscetíveis a apresentarem comportamentos prejudiciais para a sua saúde e desenvolvimento, como comportamentos sedentários excessivos[1,2], favorecendo estilos de vida pouco saudáveis.
Assim, para entender o efeito do confinamento em crianças até aos 12 anos de idade, foi aplicado um questionário online avaliando os diversos comportamentos (i.e., atividade intelectual, tempo de ecrã, jogo sem atividade, jogo com atividade física e atividade física) das crianças ao longo do dia.
Numa primeira análise (entre 23 de março e 1 de abril), e após analisar as respostas de 2.159 crianças por 4 faixas etárias (0-2 anos; 3-5 anos; 6-9 anos; 10-12 anos), concluímos (fig. 1) que o tempo de:
Estimulação intelectual (ex. aulas online):
- Reduzido nos grupos etários dos 0 aos 2 anos (5,8%) e dos 3 aos 5 anos (11,2%);
- Mais elevado nos dois grupos etários mais velhos, indo dos 26,9% (6-9 anos) até aos 33,3% (10-12 anos)
- Não há diferenças entre sexos
Écran:
- As crianças mais velhas (10-12 anos) gastam 32,6% do seu tempo em frente ao computador, telemóvel e televisão, excluindo as aulas online.
- As crianças mais novas (0-2 anos), apresentam valores mais reduzidos (24,0%).
- Resultados semelhantes (~27%) foram verificados entre os 3 e os 9 anos.
- Os rapazes apresentam valores superiores nos dois grupos etários mais velhos.
Jogo sem atividade física:
- As duas faixas etárias mais novas (0 aos 5 anos) apresentam valores superiores (~33%) comparativamente com as duas faixas etárias mais velhas que apresentam valores de 23,9% (6-9 anos) e 17,87 (10-12 anos).
- As raparigas apresentam valores superiores comparativamente aos rapazes.
- Verificou-se assim uma tendência ligeiramente maior para os rapazes dedicarem mais tempo aos ecrãs, enquanto as raparigas são mais adeptas de atividades lúdicas sem movimento (ex. ler, desenhar, …).
- É na categoria “jogo sem atividade física” que as crianças mais novas (0 aos 5 anos) apresentam os valores mais elevados ao longo do seu dia.
Atividade física (i.e., jogo com atividade física e atividade física):
- Decréscimo ao longo dos grupos etários e são, uma vez mais, os mais novos (dos 0 aos 5 anos) que se mexem mais.
- independentemente da faixa etária, os valores mais elevados foram encontrados na categoria “jogo de atividade física” (valores entre 24,9% e 12,2%) comparativamente com a categoria “atividade física” (valores entre 12,6% e 9,8%), com exceção da última faixa etária em que o valor é semelhante (~8%) nas duas categorias.
- Os rapazes têm valores superiores (não significativos) em ambas as categorias.
Sedentarismo:
- Todos os grupos etários apresentaram valores elevados de sedentarismo e este aumenta ao longo da idade.
- Verificando-se que os dois grupos etários mais novos apresentam valores de sedentarismo mais baixo (62,6% e 72,1%, respetivamente) comparativamente aos dois grupos etários mais velhos (78.0% e 83,7%, respetivamente).
Figura 1. Percentagem de horas nas diversas atividades por grupo etário.
O confinamento em casa pode oferecer uma boa oportunidade para melhorar a interação entre pais e filhos, para envolver as crianças em atividades familiares e para melhorar a sua autonomia. Pais fisicamente mais ativos criam filhos fisicamente mais ativos [3]; portanto, intervenções que procurem manter as famílias juntas em atividade física regular em casa podem ser importantes para uma vida saudável durante a pandemia.
Neste aspeto, o brincar é fundamental para o desenvolvimento da criança e acreditamos que, através deste, podemos encontrar parte da solução para os problemas apontados. Adicionalmente, estudos sugerem que a narrativa tem efeitos positivos no desenvolvimento intelectual, social e emocional das crianças [4], mas não só, podendo ainda ter potencial para desenvolver aspetos motores se estas “encenarem” a história. Por outro lado, é possível usar o “gosto” pelo ecrã de forma positiva (tecnologia) incentivando-as a brincar com jogos com atividade física. Desta forma, será possível manter um desenvolvimento motor adequado para a idade, fornecendo bases para trajetórias de vida saudáveis [5].
O papel dos/as educadores/as de infância.
Quem melhor que os/as profissionais em educação para criar este mundo de imaginação e movimento nas nossas crianças mais novas. Estes/as profissionais têm um reportório de ferramentas desenvolvidas aos longo de vários anos e podem auxiliar os pais e preparar atividades divertidas, dinâmicas, interessantes e de acordo com as capacidades das crianças utilizando as tecnologias a seu favor.
Como tem envolvido as crianças e as famílias neste processo? Partilhe connosco as suas experiências.
Se desejar saber mais sobre o projeto visite o site http://cativo.fmh.ulisboa.pt/ ou a nossa página de facebook: https://www.facebook.com/C-Ativo-104592001222004
Carlos Luz*; André Pombo*; Luís Paulo Rodrigues ** e Rita Cordovil ***
* Faculdade de Motricidade Humana e Escola Superior de Educação, Instituto Politécnico de Lisboa
**Escola Superior Desporto e Lazer de Melgaço, Instituto Politécnico de Viana do Castelo; Research Center in Sports Sciences Health Sciences and Human Development, CIDESD,
***CIPER – Faculdade de Motricidade Humana,
Referências
[1] Carrel, A. L., Clark, R. R., Peterson, S., Eickhoff, J., & Allen, D. B. (2007). School-based fitness changes are lost during the summer vacation. Archives of Pediatrics and Adolescent Medicine, 161(6), 561–564. https://doi.org/10.1001/archpedi.161.6.561
[2] Hesketh, K. R., Lakshman, R., & van Sluijs, E. M. F. (2017). Barriers and facilitators to young children’s physical activity and sedentary behaviour: a systematic review and synthesis of qualitative literature. Obesity Reviews, 18(9), 987–1017. https://doi.org/10.1111/obr.12562
[3] Lubans, D. R., Morgan, P. J., Cliff, D. P., Barnett, L. M., & Okely, A. D. (2010). Fundamental movement skills in children and adolescents: review of associated health benefits. Sports Medicine (Auckland, N.Z.), 40(12), 1019–1035. https://doi.org/10.2165/11536850-000000000-00000
[4] Mokhtar, N. H., Halim, M. F. A., & Kamarulzaman, S. Z. S. (2011). The effectiveness of storytelling in enhancing communicative skills. Procedia – Social and Behavioral Sciences, 18, 163–169. https://doi.org/10.1016/j.sbspro.2011.05.024
[5] Sigmund, E., Turoňová, K., Sigmundová, D., & Přidalová, M. (2008). The effect of parents’ physical activity and inactivity on their children’s physical activity and sitting. Acta Gymnica, 38(4), 17–24.