(…) Neste período de isolamento provocado pelo COVD-19, a educadora do meu filho enviou-me um vídeo divertido, em que o ensina a pôr a mesa…não imaginei que resultasse, mas o que é certo é que ele se entusiasmou e acabámos por, em família, ter um momento bem divertido! (…) (mãe do S., 4 anos)
A intervenção à distância com crianças em idade pré-escolar não é uma situação nova. Na realidade, em vários países como os EUA e a Austrália, este tipo de intervenção já existe há muito, sobretudo para fazer face a questões de isolamento de famílias que vivem em zonas rurais. É desta forma que, através de meios alternativos aos presenciais, os pais ou outros cuidadores recebem informação, ferramentas e estratégias para trabalharem com os seus filhos.
Este tipo de intervenção, assume entre outras, as designações de: aprendizagem à distância, teleprática, aprendizagem virtual ou teleintervenção, sendo esta última a terminologia que vamos utilizar ao longo desta mensagem.
A teleintervenção é uma metodologia utilizada para apoiar as famílias, em alternativa à intervenção presencial, utilizando tecnologias de videoconferência, recorrendo a plataformas como o Zoom, o Skype, o Facetime, ou outras formas de ligação às famílias via vídeo e áudio [1]. Atualmente, a tecnologia existente permite-nos, caso as famílias tenham recursos para a poder utilizar, estar em contacto com o outro de uma forma mais próxima. As questões que se levantam são: como adequar o formato e as metodologias que habitualmente são utilizadas quando estamos fisicamente próximos das crianças a esta nova realidade de intervenção à distância? Qual é a eficácia desta forma de intervenção? E se as crianças que apoiamos forem crianças com deficiência?
O modelo de intervenção precoce baseado em rotinas de Robin McWilliam, estruturado originalmente para um formato de intervenção presencial, surge como uma possível resposta a estas questões e parece ir ao encontro das exigências de um formato de intervenção à distância [1]. Este modelo, direcionado a crianças com deficiência desde o nascimento até aos cinco anos e suas famílias, centra-se no funcionamento das crianças nas rotinas do dia a dia e na resposta às necessidades das famílias, através de 6 princípios fundamentais [1]:
- Toda a intervenção acontece entre as sessões – é a família que intervém- os profissionais funcionam como suporte;
- A família define a agenda da intervenção;
- Os pais são adultos competentes;
- A intervenção vai ao encontro das necessidades das famílias e não ao contrário;
- São implementadas estratégias funcionais baseadas em evidências;
- São as famílias e não os profissionais que escolhem o que é melhor para a criança.
Dando um exemplo prático, ao definir em conjunto com a família a organização das rotinas/tarefas, de acordo com os objetivos que pretendem alcançar, pode ser necessário recorrer a um mapa como este que é elaborado e depois enviado para a família/ou a família envia para o educador, recorrendo a uma fotografia [2].
A implementação deste modelo num contexto de intervenção à distância implica apenas pequenas adequações, pelo facto de não estarmos perto das pessoas, sendo que os princípios de toda a intervenção se mantêm inalterados.
“Até tenho tido um bom feedback por parte das famílias, mas será que esta forma de trabalhar é mesmo eficaz?” (Maria C., educadora)
Vários estudos têm demonstrado a eficácia da teleintervenção, nomeadamente no que se refere ao apoio a crianças com perturbações da audição. Os mesmos estudos reforçam a sua utilização com crianças com outro tipo de perturbações do desenvolvimento, não sugerindo, no entanto, a substituição da intervenção presencial, pela prática referida anteriormente [3].
“Tenho sentido os pais muito participativos e cooperantes e alguns têm partilhado que estão verdadeiramente surpreendidos com o que os seus filhos são capazes de fazer!” (Maria C., educadora).
Como posso, enquanto educadora, tirar partido deste formato?
A literatura descreve inúmeras vantagens deste formato de intervenção. Muitas delas vão ao encontro do que é preconizado em termos de intervenção precoce, bem como dos princípios do Modelo Baseado nas Rotinas de Robin McwWilliam [4,5]. De uma forma geral, a teleintervenção:
- Promove o envolvimento da família, tornando-os líderes da interação;
- Permite a flexibilidade dos horários.
Para os educadores, torna possível:
- Fazer a demonstração de comportamentos/competências que são importantes (para a criança e família) serem aprendidos;
- Observar as rotinas da criança e da família;
- Dar pistas/estratégias em direto;
- Conversar com as famílias sobre a integração das aquisições nas rotinas de casa;
- Ter conversas com as famílias sobre os objetivos definidos na sessão anterior.
Perceber se a atividade que é proposta é demasiado fácil ou difícil, se os pais se sentem confortáveis com essa atividade ou o que é que está a despoletar problemas comportamentais (frustração, défice de linguagem…) são algumas das situações que podem ocorrer e que podem ser de difícil compreensão para os educadores. Podemos contornar estas dificuldades:
- Refletindo com os pais sobre os aspetos trabalhados, os sucessos, insucessos e as oportunidades de aprendizagem;
- Definindo em conjunto com os pais as atividades e as estratégias a utilizar numa próxima sessão;
- Aferindo o nível de conforto dos pais com a sessão;
- Utilizando materiais com significado para as crianças e que façam parte das suas rotinas diárias.
Toda o apoio prestado deve ir sendo definido em conjunto para que todas as aprendizagens propostas sejam relevantes e significativas para a criança e sua família. Podemos ainda acrescentar que este formato de intervenção reforça o princípio do contexto natural, de acordo com o qual, as crianças aprendem melhor através das experiências do dia a dia, interações repetidas e com pessoas de referência e em contextos familiares.
Num momento em que a situação de pandemia provocada pelo COVID-19, nos obriga a permanecer em casa, procuramos ferramentas, somos criativos, adequamos estratégias, mas acima de tudo temos de continuar o nosso trabalho e apoiar as crianças.
O resultado da nossa intervenção não depende de onde intervimos, mas sim como intervimos!
Referências
- http://naturalenvironments.blogspot.com/2020/03/tele-intervention-and-routines-based.html
- http://eieio.ua.edu/uploads/1/1/0/1/110192129/intervention_matrix_completed_english.pdf
- Behl, D. D., Blaiser, K., Cook, G., Barrett, T., Callow-Heusser, C., Brooks, B. M., . . . White, K. R. (2017). A multisite study evaluating the benefits of early intervention via telepractice. Infants & Young Children, 30, 147-161.
- http://naturalenvironments.blogspot.com/2018/07/overview-of-routines-based-model.html
- Davis, A., Hopkins, T., & Abrahams, Y. (2012). Maximizing the impact of telepractice through a multifaceted service delivery model at the Shepherd Centre, Australia. The volta review, 112, 383.
Um artigo muito oportuno. Obrigada pela reflexão!
Obrigada Filipa!É importante explorar todas as ferramentas que temos disponíveis e ajustá-las às circunstâncias. Sendo sempre preferível o contacto presencial com as crianças e suas famílias, esta forma de intervir também tem as suas mais valias.
Gostei muito de ler este artigo.
Seria uma temática interessante a desenvolver mais neste espaço, esta da teleintervenção.
Não sei se em Portugal existe conhecimento acerca desta prática ?
Obrigada 🙂
Catarina, obrigada pelo seu feedback! Nesta altura de pandemia, muitos profissionais tiveram de utilizar ferramentas (video chamadas, utilização de plataformas como o zoom) que permitiram fazer uma intervenção à distância. Neste contexto, estas ferramentas foram utilizadas como uma alternativa à intervenção tradicional, mas acredito que daqui para a frente, sobretudo em casos em que os pais ou as crianças tenham constrangimentos em deslocar-se, possa ser uma prática a implementar.
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