Investigador: Gostas de usar o telemóvel?

Madalena (8 anos): Quando estou sozinha falo com as minhas amigas. Às vezes os jogos correm bem e eu divirto-me e mesmo quando correm mal divirto-me na mesma.

As tecnologias digitais estão cada vez mais presentes na nossa sociedade e vieram para ficar. As crianças vivem em lares tecnológicos, expostas a dispositivos digitais praticamente desde que nascem. Esta “digitalização” da infância e o ritmo acelerado, sem precedentes, do desenvolvimento tecnológico, coloca novos desafios aos vários intervenientes na proteção dos direitos das crianças, dos pais aos professores, dos decisores políticos às empresas e às marcas.

Nos últimos anos temos realizado investigação com famílias com filhos até 8 anos, com o objetivo de conhecer as práticas e opiniões sobre as tecnologias digitais [1, 2, 3, 4, 5, 6]. As crianças têm acesso a vários dispositivos digitais no seu lar – tablet, smartphone, computador, televisão, consolas de jogos. Nos últimos anos, o smartphone tem ganho bastante terreno ao tablet, devido à sua maior portabilidade (no interior e exterior) e acesso a dados móveis, enquanto que o computador tem uma utilização bastante esporádica. A televisão é o dispositivo comum a todos os lares, ligada em canais infantis, desde que as crianças chegam a casa até que se vão deitar. Geralmente as crianças até 5/6 anos não têm smartphone pessoal, utilizando o dos pais. A partir dessa idade, os pais e familiares começam a oferecer este dispositivo aos filhos.

Que pensam as crianças sobre a utilização de tecnologias digitais?

Os nossos estudos [1, 2, 3, 4, 5, 6] identificaram que as crianças gostam muito de utilizar as tecnologias, dizendo que se sentem muito felizes, contentes e divertidas quando o fazem. Para além disso, as tecnologias também são uma companhia. Utilizam os dispositivos de modo autónomo, nomeadamente o smartphone e o tablet, instalando apps e percorrendo conteúdos do seu agrado, como nos diz o Hugo (4 anos): “eu é que escolho o que quero instalar”. As atividades preferidas são jogos, sendo que os rapazes preferem de ação/aventura e as raparigas preferem jogos de estilo simuladores, como tomar conta de um animal ou de maquilhagem. As raparigas mais velhas gostam de aceder a redes sociais para estar em contacto com amigas. Todos gostam também muito de ver vídeos. Visto a sua atividade principal serem os jogos, as crianças tendem a ser utilizadoras passivas e não produtoras. Quando questionadas sobre o que as atrai tanto nas tecnologias digitais, as crianças referem-nos, com entusiasmo, a diversão, o entretenimento e a brincadeira: “gosto do telemóvel porque gosto deste jogo e brinco” [Ana, 3 anos]; “Às vezes uso quando estou nas aulas de dança da minha mãe para lembrar-me da coreografia [Alexandra, 5 anos]. Também mencionam o facto de aprenderem “coisas” novas de forma divertida.

As crianças não consideram as tecnologias perigosas, fundamentando-se, essencialmente, em conversas tidas com os pais. Aliás, reconhecem até as suas atividades digitais como benéficas para as suas aprendizagens, como por exemplo o “minecraft que ajuda a pensar” [Hugo, 8 anos], ou “aprendi músicas e a decorar as letras em Inglês” [Cláudia, 8 anos].

E os pais?

Os pais têm tanto perceções positivas como negativas sobre as práticas digitais dos filhos. Relativamente às opiniões positivas, estas focam-se na mais-valia da utilização das tecnologias para questões educativas, como a realização de pesquisas, aprendizagem de uma língua estrangeira, ou poderem vir a ser úteis para o futuro dos filhos. Adicionalmente, alguns  consideram que as tecnologias são úteis para sossegar as crianças, quando têm tarefas domésticas ou para auxiliar as crianças na refeição. Quanto às perceções negativas, referem que os dispositivos são viciantes, impedindo a socialização física, principalmente em momentos familiares. Também temem efeitos negativos na saúde, como perturbações do sono, hiperatividade, falta de concentração, e mesmo obesidade, associada à falta de exercício físico. As redes sociais são tidas como assustadoras pelo possível contacto com estranhos; no entanto, a maior parte dos pais acredita que as crianças pequenas ainda não estão muito expostas a riscos online, isto porque as suas competências, e consequentemente práticas, são ainda limitadas: pensam que as crianças não estão online com frequência e sentem-se seguros porque elas ainda não interagem nas redes sociais.

Apesar destas perceções, a maioria dos pais considera a utilização de tecnologias digitais pelos filhos como positiva, defendendo uma utilização equilibrada das tecnologias versus brincadeiras no exterior. Para otimizar os aspetos positivos, os pais dizem-nos que impõem algumas regras, principalmente no tempo de utilização.

Segurança digital & mediação parental: sugestões para familiares, educadores de infância e professores

Deixamos algumas pistas para uma utilização benéfica das tecnologias, baseadas nos nossos estudos [5, 6]:

  • Mediação parental: a tónica da utilização das tecnologias digitais por crianças mais jovens deve ser colocada, essencialmente, na mediação parental. A mediação parental refere-se ao papel desempenhado pelos pais ou familiares enquanto mediadores do envolvimento das crianças com meios de comunicação, moldando assim as suas práticas e perceções.
  • Restrição do tempo de utilização vs. autorregulação: qual o mais indicado? Alguns pais e familiares optam por restringir o tempo de utilização das tecnologias como técnica de mediação mais importante. No entanto, defendemos que a autorregulação informal desta utilização é essencial, ao contrário da proibição ou do controlo do tempo de utilização. Além disso, a natureza das atividades e dos conteúdos é igualmente importante, pois usado tempo razoável de utilização de um dispositivo com ecrã pode promover aprendizagens e diversão, ou ter efeitos prejudiciais para a criança, dependendo do que se faz efetivamente.
  • Co-utilização para a aprendizagem da utilização segura de tecnologias digitais: para além da importância da autorregulação, estes dispositivos devem ser utilizados com supervisão parental e em co-utilização. Os pais devem envolver-se nesta utilização, apoiando e ensinando quando necessário. Durante o desenvolvimento da criança, é fundamental que os pais estimulem a aquisição da literacia para os media e de espírito crítico, preparando assim as crianças para serem participantes ativos e conscientes no mundo digital.
  • O papel da escola: a escola tem um papel crucial, pois os pais consideram a escola como uma fonte de referência de informação. Educadores de infância e professores devem aconselhar os pais numa utilização conjunta das tecnologias, proporcionando a sua utilização segura e benéfica para as aprendizagens das crianças.

Sites úteis

Para mais informações, é possível consultar o site da Equipa de Recursos e Tecnologias, da Direção Geral de Educação, nomeadamente o ponto referente à Seguranet. A Seguranet tem como objetivo a promoção de uma utilização esclarecida, crítica e segura da Internet, direcionada essencialmente para os estudantes do ensino básico e secundário. Aqui encontram-se recursos, informações para crianças, jovens, pais e professores. Especificamente para crianças de frequência de educação pré-escolar foram criado o recurso educativo “O Pisca faz faísca”, que consiste em três histórias que promovem a utilização segura de tecnologias.

É possível consultar também o Centro Internet Segura, da Fundação para a Ciência e Tecnologia, que tem como objetivo aumentar os níveis de literacia digital e dos media de jovens, disponibilizando instrumentos de proteção de riscos que possam ocorrer no uso da Internet. Oferecem serviços como linhas de apoio telefónico e de denúncia de má utilização da Internet, a promoção de encontros sobre a utilização segura de tecnologias por jovens, entre outras informações e iniciativas.

Autoras

Patrícia Dias é Professora Auxiliar na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa, onde coordena a Pós-graduação Social Brands – Comunicação e Marketing em Ambiente Digital. É membro da Comissão Diretiva do CEPCEP – Centro de Estudos em Povos e Culturas de Expressão Portuguesa, investigadora integrada no CECC – Centro de Estudos em Comunicação e Cultura, e colaboradora no CRC-W – Católica Research Centre on Psychological, Family and Social Wellbeing. É doutorada em Ciências da Comunicação, e os seus interesses de investigação são a utilização demeios digitais por crianças e famílias, a comunicação mobile, o marketing e a comunicação digitais, e tecnologias emergentes no âmbito da Internet das Coisas. É autora dos livros  “Viver na Sociedade Digital” (2014) e “O Telemóvel e o Quotidiano” (2008).


Rita Brito é licenciada em Educação de Infância, doutorada em Tecnologias Educativas, e desenvolveu um projeto de pós-doutoramento sobre a utilização de tecnologias digitais por famílias com crianças até aos 6 anos. É Professora Adjunta na Escola de Educação do Instituto Superior de Educação e Ciências (ISEC Lisboa), lecionando na licenciatura em Educação Básica e no Mestrado em Educação Pré-Escolar. É investigadora integrada no CRC-W da Universidade Católica Portuguesa. A sua investigação foca-se nas tecnologias digitais educativas e no seu uso por crianças até aos 6 anos, e na formação de Educadores de Infância e de Professores do 1º ciclo do ensino básico. É membro das ações COST eRead e DigitLitEY e do projeto “Young Children (0-8) and Digital Technologies” da Comissão Europeia. Tem várias publicações científicas nacionais e internacionais. É autora do livro “Familia.com” (2017). 


Referências

1. Brito, R. (2017). FAMÍLIA.COM: Crianças (0-6) e Tecnologias Digitais. Covilhã: Labcom, Universidade da Beira Interior. ISBN: 978-989-654-384-6. Disponível em http://www.labcom-ifp.ubi.pt/livro/295.

2. Brito, R., & Dias, P. (2019). Aplicações seguras e benéficas para crianças felizes: perspetivas de stakeholders. Escola de Educação, ISEC Lisboa. ISBN: 978-989-54237-6-7. Disponível em https://www.iseclisboa.pt/ebook_happy_kids.pdf.

3. Dias, P., & Brito, R. (2016). Crianças (0-8) e tecnologias digitais. Lisboa: Centro de Estudos em Comunicação e Cultura, Universidade Católica Portuguesa. ISBN: 978-989-99288-2-4. Disponível em https://repositorio.ucp.pt/handle/10400.14/19160.

4. Dias, P., & Brito, R. (2017). Crianças (0 aos 8 anos) e Tecnologias Digitais: que mudanças num ano? Lisboa: Centro de Estudos em Comunicação e Cultura, Universidade Católica Portuguesa. ISBN: 978-989-99288-4-8. Disponível em https://repositorio.ucp.pt/handle/10400.14/22498.

5. Dias, P., & Brito, R. (2018a). Aplicações seguras e benéficas para crianças felizes. Perspetivas dos pais. Lisboa: Centro de Estudos em Comunicação e Cultura, Universidade Católica Portuguesa. ISBN: 978-989-99288-5-5. Disponível em https://bit.ly/2KyghvH.

6. Dias, P., & Brito, R. (2018b). Aplicações seguras e benéficas para crianças felizes. Perspetivas de famílias. Lisboa: Centro de Estudos em Comunicação e Cultura, Universidade Católica Portuguesa. ISBN: 978-989-99288-6-2. Disponível em https://bit.ly/2Xxrh2B.

 

Tecnologias digitais e famílias: Práticas e opiniões

Um comentário sobre “Tecnologias digitais e famílias: Práticas e opiniões

  • 29/04/2020 at 21:41
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    Muitos Parabéns!

    Assunto com o qual temos muito a aprender e ninguém melhor do que estas duas senhoras para ajudarem pais, instituições, enfim, todos que queiram estar actualizados sobre esta matéria.
    Para quem tem filhos, parece-me essencial este acompanhamento, tanto para os pais como para o desenvolvimento, acompanhado, dos filhos.

    Gostei muito!
    Como já é vosso hábito, trabalho de excelência!

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